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Recuperação da Cavalera revela erros que mercado de moda procura corrigir

Compra da Zoomp, problemas com fornecedores e estratégia digital teriam dificultado manejo da pandemia e estagnado marca símbolo da cultura jovem

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São Paulo

Um pedido de recuperação judicial enviado na terça-feira (4) à 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo não só coloca na berlinda uma das grifes emblemáticas da cultura jovem do país, a Cavalera, como também ilumina a forma com que negócios de moda do país foram estruturados até a década passada e, com a pandemia, sofre revezes violentos.

Protocolado pela K2 Confecções e Comércio, o pedido engloba também as empresas K2 Consultoria, JIB e FAZ, controladas pela família Hiar, e aponta a instabilidade a econômica de 2017 e 2018 e as disputas judiciais entre a irmã do diretor criativo e sócio Alberto Hiar, Joana, e sua mulher, Valéria, como principais vetores de uma dívida acumulada em cerca de R$ 34 milhões.

Quatro fontes que já trabalharam para a empresa ou forneciam matéria-prima até julho de 2020, afirmam que o cenário de instabilidade interna, tanto no chão de fábrica quanto na ponta das lojas, teria impulsionado o esvaziamento de caixa para investimentos na Cavalera.

Desfile da Cavalera, em 2013 - Edson Lopes Jr. - 18.mar.2013/Folhapress

A ruidosa compra da Zoomp, arrematada em leilão no ano de 2016, por R$ 20 milhões, teria dado início aos problemas na marca criada em 1995 por “Turco Loco”, apelido de Alberto quando ainda era deputado estadual pelo PSDB, em parceria com o baterista Igor Cavalera.

Teria saído do caixa da própria Cavalera as cifras milionárias usadas para o pagamento da primeira parcela de R$ 5 milhões para aquisição da “grife do raio”, que ainda ganhou cerca de R$ 1 milhão para investimento em publicidade. No setor da moda, um dos mantras para a manutenção dos negócios é o de não vincular as receitas dos ativos e separar suas imagens.

O negócio não decolou. Apenas duas coleções foram lançadas, com faixas de preço de três dígitos que, duas fontes ouvidas pela reportagem indicaram, não agradaram ao consumidor. Havia semanas em que as vendas do único ponto próprio da Zoomp, escondido no primeiro andar da loja da Cavalera na rua Oscar Freire, não gerava um único real de receita. A produção logo parou.

Ao mesmo tempo, a marca principal do grupo passou por mudanças nos comandos de estilo, que tiraram o norte criativo da empresa concomitantemente ao acúmulo de dívidas com fornecedores de alto padrão, trocados por outros com preços mais atrativos e qualidade mais baixa. A montanha russa teria culminado no ano passado, quando toda a equipe de estilo foi demitida.

A qualidade dos materiais e a pisada de freio no consumo teriam, paulatinamente, impactado no fluxo de caixa das lojas, que chegaram a somar 37 pontos até 2017.

Para se ter uma ideia, em 2018, a flagship da marca na rua Oscar Freire encerrava o mês com quase R$ 250 mil de vendas e, no ano seguinte, ainda no pré-pandemia, a receita minguou para a faixa dos R$ 100 mil mensais. A loja era a principal porta de entrada para o universo da marca e não aguentou à virada deste ano, segundo uma fonte, por não pagamento dos aluguéis.

De todas as lojas padrão, restaram seis, três delas com as maiores receitas: a do Barra Shopping, no Rio, a do Shopping Morumbi e Center Norte, ambas em São Paulo. A empresa ainda mantém a do Shopping Recife, na capital pernambucana, do Boulevard Shopping, em Belém (PA) e outra no Shopping La Plage, no Guarujá (SP), e sete pontos de “outlet”, o que indica o esforço para escoar o excedente dos últimos dois anos.

Um dos problemas centrais para a diminuição do fluxo teria sido a reticência em aderir a estratégias de vendas voltadas ao digital. Nos meses de fechamento do comércio em 2020, por exemplo, não houve integração do estoque com o e-commerce, o que acarretou em entregas atrasadas, ao passo que os vendedores também não tiveram à mão a possibilidade de vender em suas redes sociais. Essa estratégia, o setor avalia, impulsionou as vendas de roupas no período de restrições.

No mesmo mês de julho em que uma nova troca de comando aconteceu, na qual Joana devolveu o posto a Valéria Hiar, centenas de funcionários foram dispensados e os reflexos da desestruturação interna aliada à queda nas vendas de um modelo de negócios voltado à venda física se impôs.

A Barbearia Cavalera, um dos ativos mais rentáveis do negócio da marca e que chegou a ganhar o título de melhor do país, teve suas atividades encerradas neste ano após o fim da parceria entre Alberto Hiar e o barbeiro Marinho, estrela do segmento que comandava a operação.

Nos bastidores, comenta-se que, aprovada a recuperação judicial, os controladores podem tentar um movimento de venda de ativos ou uma associação com um grupo de moda estruturado para gerir a migração digital.

Procurada, a empresa não comentou nem o pedido de recuperação nem os rumos de suas marcas a partir de agora. O que parece posto, porém, é que, na nova ordem do consumo pandêmico, o modelo de geração de caixa apoiado em lojas físicas e a estrutura societária estritamente familiar, balizas da imensa maioria dos negócios de moda do Brasil, não se sustenta mais.

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