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Alexander de Croo

Como a natureza humana pode combater a mudança no clima

Tanto a pandemia de Covid-19 quanto o aquecimento global são questões de sobrevivência

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Alexander de Croo

Primeiro-ministro da Bélgica

Bruxelas

Tanto a pandemia da Covid-19 quanto o aquecimento global são questões de sobrevivência e, em seu cerne, são crises de saúde. Mas a tipologia não é a única coisa que têm em comum. Também podemos superá-los da mesma maneira –ao trabalharmos com, e não contra, nossa natureza humana.

O alfa e o ômega da política do clima é reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa. A União Europeia planeja cortá-las em 55% até 2030 e chegar a um total líquido zero de emissões até 2050.

Nossa primeira reação a essas metas ambiciosas é, frequentemente, a de que precisamos comer menos carne, viajar menos de avião, reutilizar o que quer que usemos e questionar nossa suposição de que o PIB (Produto Interno Bruto) precisa crescer constantemente. Dessa perspectiva, cortar as emissões de gases causadores do efeito estufa aparentemente torna necessária uma redução de nosso padrão de vida atual.

Da mesma forma, nós combatemos a Covid-19, inicialmente, por meio de medidas de restrição da vida social, fechando lojas e empresas e reduzindo as liberdades civis. Isso quis dizer menos contatos e menos contratos. Mas não demorou a se tornar claro que essas medidas não passavam de uma correção rápida, mas temporária. Em nossas sociedades ocidentais progressistas é, felizmente, impossível manter as pessoas trancadas em casa.

Homem branco usa máscara, terno e gravata azuis; ao fundo da imagem, há uma bandeira da União Europeia
O primeiro-ministro da Bélgica, Alexander De Croo - Olivier Hoslet - 25.mai.21/Reuters

O fato de que quase todos os países tenham tido de encarar uma segunda ou até uma terceira onda de contágios demonstra que uma estratégia de “menos” não é capaz de produzir uma vitória duradoura sobre a pandemia.

Os seres humanos não foram construídos para “menos”. Ainda que as pessoas frequentemente sejam retratadas erroneamente como interessadas apenas em maximizar lucros, somos sem dúvida competidores natos. Adoramos barganhar, negociar e criar grandes planos para legar aos nossos filhos um mundo melhor. Mas, como observou Aristóteles, somos animais sociais por excelência.

Qualquer política sobre mudança de clima que negue ou ignore esses traços fundamentais está condenada ao fracasso. Afinal, o que desacelerou inicialmente a expansão do coronavírus não foi a uma aplicação brutal das regras, mas nossa sociabilidade: o reconhecimento coletivo de que o esforço de cada indivíduo importa, e nossa disposição de proteger os outros contra danos ao manter o distanciamento.

Mas o que a pandemia demonstrou, acima de tudo, foi o poder da curiosidade humana, que nos permitiu desenvolver vacinas contra a Covid-19 em menos de um ano.

O conceito mesmo de uma vacina –injetar uma versão enfraquecida de um vírus na corrente sanguínea de alguém– é tão ousado quanto engenhoso. Desde que Edward Jenner desenvolveu a primeira vacina, contra a varíola, em 1796, os cientistas modificaram e melhoraram a técnica constantemente. Pelo final do século 20, vacinas protegiam bilhões de pessoas contra ampla variedade de doenças, incluindo poliomielite, difteria, febre amarela, febre tifoide, tuberculose, hepatite, raiva e tétano.

Em parte como resultado disso, a expectativa de vida média na Europa subiu de menos de 40 anos no final do século 19 para cerca de 80 anos hoje.

No século 21, essa combinação entre melhora gradual e grandes avanços conquistados com rapidez resultou na nova tecnologia de mRNA que torna a produção de vacinas mais estável, e portanto mais rápida e previsível. Por conta das plataformas de mRNA, algumas vacinas contra a Covid-19 puderam ser adaptadas a mutações do coronavírus quase instantaneamente.

Deveríamos enfrentar a crise do clima da mesma maneira. A estratégia de que precisamos não é de “menos”, e sim de “mais, mas diferente”. Isso significa reorganizar nossas economias e investir em novas tecnologias, e ao mesmo tempo reconhecer que não existe solução miraculosa ou panaceia. Ciência e empreendedorismo avançam aos trancos, um passo para trás e dois para o lado antes de voltarmos a progredir.

Além disso, a criatividade humana poliniza múltiplas atividades econômicas. Hoje, os veículos elétricos ainda envolvem a geração indireta de quantidade significativa de dióxido de carbono. Mas dentro de uma década ou pouco mais, os veículos elétricos estarão perto da emissão zero de poluentes, e também voaremos sem poluir.

Inovação e competição são os propulsores do conhecimento e da inovação. As turbinas eólicas das décadas de 1980 e 1990 tinham lâminas de ferro em seus rotores, com um diâmetro de 17 metros, e produziam em média 75 kilowatts/hora de eletricidade.

As turbinas de hoje têm lâminas de carbono com diâmetro médio de 126 metros –maior que um Airbus A380– e produzem em média 7,5 mil quilowatts/hora de eletricidade. Isso representa um aumento de 100 vezes na produção por turbina em pouco mais de 20 anos.

A capacidade das baterias também aumentou rapidamente. As baterias de níquel-ferro da década de 1970 ainda eram muito parecidas com as que Henry Ford usou em seu modelo T. Elas empalidecem em comparação com as baterias de lítio-íon que hoje alimentam cidades inteiras, como Zhangbei, na China.

Esses saltos de inovação muitas vezes não parecem fundamentais para o público, mas constituem a verdadeira essência do progresso humano.

Nossa vitória iminente sobre a Covid-19 mostra o caminho adiante para a limitação do aquecimento global. Derrotaremos o vírus ao nos concentrarmos em um objetivo comum, cooperando e permitindo que as pessoas tenham liberdade para inovar. Além disso, governos de todo o mundo reconhecem o momento de interferir para encorajar a inovação, e quando dar um passo para trás.

Hoje, muitos países já desenvolveram planos para a recuperação pós-crise. Os governos devem usar gastos de estímulo para turbinar os investimentos e reduzir os riscos privados.

Todos os projetos que beneficiam o clima –sejam novas tecnologias de hidrogênio, trens ou centrais de energia eólica offshore —tanto incorporam as inovações do passado quanto propelem futuros avanços. O resultado é um círculo virtuoso de mudança, com cada revolução introduzindo um mundo um pouco diferente, um pouco mais eficiente e um pouco melhor.

Superaremos a pandemia ao canalizarmos nossa natureza humana. E superaremos a ameaça da mudança no clima da mesma maneira. Ao acrescentar cada contribuição individual ao esforço coletivo poderemos fazer e faremos uma imensa diferença. É assim que a humanidade avança coletivamente, e mitiga as ameaças mundiais.

Traduzido originalmente por Paulo Migliacci

Este texto faz parte da série de artigos de opinião exclusivos, assinados por jovens líderes globais selecionados pelo Fórum Econômico Mundial, com propostas concretas e pioneiras para uma nova agenda para o desenvolvimento até 2030. O projeto é promovido pelo Fórum Econômico Mundial, com curadoria de Rodrigo Tavares, e tem a Folha como parceira exclusiva no Brasil.

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