Descrição de chapéu Financial Times inflação

Como o boom dos carros usados nos EUA alimenta a inflação

Oferta limitada e alta procura fazem com que preços de veículos se tornem indicador importante para o Fed

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James Politi Colby Smith
Washington e Nova York | Financial Times

No mês passado, Carey Cherner, 36, vendedor de carros usados em Kensington, Maryland, precisou de menos de 12 horas para vender uma picape Ford F-150 2001, com 296 mil quilômetros rodados. A picape foi comprada por US$ 7,5 mil (R$ 38,3 mil) –50% acima do preço habitual.

A experiência de Cherner não foi uma exceção, no mercado de carros usados dos Estados Unidos, que está vendo uma alta acelerada de preços. O setor tem posição central na pressão inflacionária crescente que o país está enfrentando, e portanto se tornou um assunto de grande interesse para as autoridades econômicas em Washington.

“Há mais pessoas comprando carros do que carros à venda no mercado, o que cria uma situação meio louca”, disse Cherner.

Carros usados em Maryland, nos Estados Unidos - Jim Watson - 27.mai.21/AFP

As autoridades estão de olho nos preços dos carros usados como indicadores do futuro percurso da inflação, o que não costuma acontecer. Se os aumentos de preços persistirem e se espalharem a outros setores da economia, os Estados Unidos podem enfrentar um período prolongado de superaquecimento pela primeira vez em décadas, o que representa um grande desafio para o Federal Reserve, o banco central americano, e para a equipe econômica do presidente Joe Biden.

Os preços dos carros e veículos comerciais leves usados subiram em 10% em abril, ante o mês anterior, e a alta foi de 21% ante o período em 2020, o que faz deles um dos grandes propulsores da alta anualizada de 4,2% no índice de preços ao consumidor compilada pelo Serviço de Estatísticas do Trabalho, órgão federal americano. A inflação subjacente –que exclui preços voláteis como os dos alimentos e os da energia–chegou a 3%.

Ernie Garcia, fundador da Carvana, uma plataforma online de venda de carros usados, disse que “os preços estão inquestionavelmente mais altos do que em qualquer momento do passado, e subiram inquestionavelmente mais rápido do que em qualquer outro período, em minha opinião”.

As autoridades econômicas insistem em que essas pressões se reduzirão gradualmente, o que reforça sua visão de que a tendência a uma inflação mais alta será transitória.

Em discurso na terça-feira (1º), Lael Brainard, membro do conselho de política monetária do Fed, disse que embora a pressão de preços dos veículos usados “possa persistir até o terceiro trimestre, antecipo que desaparecerá, e provavelmente se reverterá, de alguma maneira, nos trimestres subsequentes”.

Mas embora muitos economistas concordem que é provável que as pressões inflacionárias sejam temporárias, eles também reconhecem que a incerteza quanto às perspectivas da economia é muito grande; com o recuo da pandemia em todo o país, os consumidores têm muito dinheiro guardado e dispõem de pagamentos de estímulo feitos pelo governo, enquanto as cadeias de suprimento enfrentam gargalos.

“Vemos um nível de estímulo essencialmente sem precedentes nos últimos 50 anos, e outras formas de apoio ao consumo”, disse Nathan Sheets, economista chefe da PGIM Fixed Income e ex-subscretário do Tesouro americano. “O quanto estou seguro de que estou certo sobre a queda da inflação? Provavelmente 80%, mas a probabilidade de que eu esteja errado ainda é considerável”.

A disparada de preços está sendo propelida pela desaceleração na produção de carros novos causada pelos lockdowns e pela escassez de semicondutores.

Além disso –o que é incomum em uma recessão—, o número de clientes que deixaram de pagar os financiamentos de seus veículos e tiveram seus carros retomados diminuiu, o que elimina outra fonte de oferta para negociantes como Cherner.

Enquanto isso, a demanda está em disparada. As preferências americanas mudaram, em detrimento do transporte público, por causa da pandemia. As medidas de estímulo ajudaram os consumidores a gastar, e as locadoras de automóveis que venderam unidades de suas frotas por conta do colapso das viagens no ano passado agora estão correndo para reconstruí-las, com veículos usados.

“O mercado está passando por um aperto incrível agora. Temos mais demanda apoiada pelo estímulo fiscal, o que resulta em uma tempestade perfeita. E isso se reflete claramente nos preços”, disse Laura Rosner, economista sênior da MacroPolicy Perspectives.

Mas Jonathan Smoke, da Cox Automotive, consultoria que trabalha para comerciantes de carros, apontou que “diversos indicadores importantes sobre o que está acontecendo em nossos leilões” sugerem que “esse surto de alta de preços provavelmente vai chegar ao fim”.

Isso leva os economistas e as autoridades econômicas americanas a considerar quanto tempo vai demorar para que o crescimento de preços retorne a um nível próximo à meta de 2% de inflação média do Fed, com margem para algum crescimento.

O banco Goldman Sachs previu que a inflação subjacente chegará a um pico de 3,6% em junho, cairá ligeiramente para 3,5% até o final do ano e ficará em média em 2,7% em 2022. Dirigentes do Fed não estão só acompanhando a inflação total e a subjacente, mas também outros indicadores de crescimento de preços.

O índice de gastos de consumo pessoal –tradicionalmente o indicador preferido do Fed– mostrou alta de 3,1% em abril, ainda que o indicador médio de consumo pessoal calculado pelo Fed, de Dallas, tenha subido em mais modestos 1,8%, em cálculo ponderado.

O banco central americano também desenvolveu um índice trimestral de expectativas comuns de inflação, para avaliar se elas estão se afastando de suas metas inflacionárias; o próximo anúncio desse indicador acontecerá em julho. Apesar desses esforços, a incerteza incomoda alguns economistas e investidores.

“Em termos gerais, nosso quadro básico de inflação não mudou, mas nossa convicção quanto a essa estimativa não é mais tão forte”, disse Lynda Schweitzer, diretora da equipe internacional de renda fixa na Loomis Sayles. “Temos de considerar os riscos de uma inflação mais sustentada”.

E em Maryland, Cherner tem uma perspectiva otimista.

“Não vejo queda forte [dos preços] até que a oferta exceda a procura”, ele disse. “Ainda é preciso construir carros novos, e obter os chips para eles, e distribui-los. Creio que a tendência atual vá durar”.

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

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