Entenda por que a geada tira o sono dos agricultores

Onda de frio nesta semana pode prejudicar diferentes plantações no país

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Rio de Janeiro e Curitiba

A onda de frio que chegou ao Brasil nesta semana traz consigo uma ameaça que tira o sono de agricultores. Trata-se da geada, prevista para ocorrer em áreas do Sul, do Sudeste e do Centro-Oeste.

A preocupação ocorre porque o fenômeno pode provocar prejuízos em plantações diversas. O tamanho de eventuais perdas depende da intensidade da geada e do estágio em que se encontram as lavouras.

Em linhas gerais, o fenômeno é caracterizado pela formação de camadas finas de gelo sobre superfícies, incluindo plantas. Para sua formação, é necessária uma combinação de fatores.

Essa combinação inclui temperatura baixa (perto de 0ºC), céu aberto e ventos calmos, segundo os meteorologistas Wallace Figueiredo Menezes, professor do Departamento de Meteorologia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), e Naiane Araujo, do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia).

“Com a geada, há um congelamento das células das plantas. Essas células são rompidas. O tamanho dos prejuízos vai depender da intensidade da geada”, explica o engenheiro agrônomo Alencar Rugeri, diretor técnico da Emater-RS.

“É como colocar uma garrafa de cerveja em um freezer. Se ficar por muito tempo, o líquido congela, o tamanho aumenta, e pode destruir a garrafa”, completa Rugeri.

Nesta semana, a onda de frio intenso coloca em alerta sobretudo quem aposta em culturas como café, frutas em período de brotação e hortaliças no país.

No caso do café, a ocorrência de geada já trouxe prejuízos para agricultores de Minas Gerais e São Paulo na semana passada. Com mais um período de frio, a preocupação continua.

A Emater-MG projeta que a geada da última semana afetou em torno de 156,3 mil hectares de café em Minas. A estimativa sinaliza que 9,5 mil produtores tiveram áreas atingidas.

“O café até gosta do frio, mas não de tanto frio. É muito sensível à geada, já que há um congelamento nas plantas”, afirma Ana Carolina Alves Gomes, analista de agronegócios do Sistema Faemg (Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais).

Segundo Ana Carolina, apontar as medidas necessárias para recuperar os cafezais já danificados é uma tarefa que requer tempo. A espera é necessária para ver como as plantas vão conseguir reagir após o fenômeno climático.

De acordo com a analista, o nível de comprometimento de cada cafezal varia conforme a intensidade do frio ao qual cada um foi exposto. Nesse sentido, geadas mais intensas podem danificar completamente as plantas, atingindo folhas, ramos e caule. Ou seja, o prejuízo é mais elevado. Aquelas menos intensas tendem a gerar um efeito menor, prejudicando apenas as folhas, por exemplo.

“A geada pode impactar duas, três safras ainda, porque vai depender do manejo a ser adotado daqui para frente. Só é possível diagnosticar o manejo adequado com o passar do tempo”, relata Ana Carolina.

“Dependendo da queimadura com a geada, algumas plantas vão precisar de poda, outras de procedimentos mais extensos. Em casos mais trágicos, toda a planta é arrancada”, completa.

A onda de frio desta semana é resultado da chegada de massa de ar polar ao país, que atingiu primeiro o Sul, onde já houve registro de temperaturas negativas, aponta o Inmet. Em parte da região, a possibilidade de neve continua para os próximos dias.

A previsão também indica que as temperaturas baixas devem se espalhar pelo Sudeste e pelo Centro-Oeste até o final da semana. No estado de São Paulo, o amanhecer desta quinta-feira (29) tende a ser marcado pelo frio, sublinha a meteorologista Naiane Araujo, do Inmet.

Segundo a especialista, há possibilidade de geada em praticamente todas as regiões paulistas na manhã desta quinta. A exceção é o litoral do estado.

“O amanhecer vai ser bem frio em São Paulo. Há condições para geada no estado, tirando o litoral”, diz Naiane.

Frio em julho no município de Caçador (SC) - Foto: André Sezerino - Epagri/Divulgação

Produtores de cana-de-açúcar no oeste paulista também acompanham de perto as previsões para os próximos dias. É que, nessa região do estado, o cultivo da cana já foi prejudicado pelo registro de geada em junho e na semana passada.

André Bosch Volpe, engenheiro agrônomo da Canaoeste (Associação dos Plantadores de Cana do Oeste do Estado de São Paulo), explica que o fenômeno abala tanto a safra deste ano quanto a do próximo. A cana costuma ser plantada entre fevereiro e abril, e a colheita fica para o ano seguinte.

“As áreas plantadas neste ano vão ter a colheita no ano que vem. Essa cana afetada pela geada deve ter o desenvolvimento atrasado, mas não morre. Tem capacidade de recuperação”, conta.

“Já para a cana que será colhida neste ano e que foi atingida pela geada, a orientação é antecipar a colheita. Isso busca evitar perda ainda maior de qualidade se ficar mais tempo no campo”, acrescenta.

Nesta quarta-feira (28), já houve registros de geada no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Paraná, conforme boletim do agrometeorologista Marco Antonio dos Santos, da Rural Clima.

Em Santa Catarina, há preocupação com o possível efeito do frio intenso em plantações de hortaliças e frutas em fase de brotação, incluindo o pêssego.

No caso das hortaliças, a geada pode causar prejuízos imediatos à cadeia produtiva, explica o engenheiro agrônomo Sergio Neres da Veiga, coordenador de fruticultura da Epagri (Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina), vinculada ao governo catarinense. Expostos ao frio sem nenhum tipo de proteção, esses produtos podem ser completamente danificados. Mas, como as hortaliças têm ciclo curto de produção, o agricultor pode voltar a produzi-las em um período mais rápido.

“Em hortaliças, o efeito da geada é imediato. Os produtos vão logo para o mercado. Sem algum tipo de prática de proteção nas plantações, a perda pode comprometer a renda do agricultor no mês. Ele pode ter novas colheitas em um mês ou dois”, aponta.

No caso de frutas como o pêssego, que está em etapa de brotação, os prejuízos com o frio só podem ser recuperados um ano depois, na próxima safra, acrescenta Veiga. Se serve de consolo, a geada tende a prejudicar apenas as frutas, e não a planta inteira, como é o risco de uma cultura tropical como o café.

“Cada ponto de uma planta tem nível diferente de resistência ao frio. No caso do pêssego, a geada pode matar o pêssego, mas não a planta como um todo, a não ser que seja muito nova. O produtor não perde a plantação como pode ocorrer no café. O tecido lenhoso de uma planta de pêssego tem uma resistência muito maior ao frio do que uma planta de café, por exemplo”, frisa Veiga.

Alencar Rugeri, diretor técnico da Emater-RS, pondera que culturas de inverno, como o trigo no Rio Grande do Sul, não são ameaçadas pela geada neste momento, já que as plantações estão em fase vegetativa. Contudo, se o fenômeno voltar a aparecer em agosto ou setembro, quando o cultivo estará em fase mais avançada, há chance de prejuízos para os produtores no estado.

No Paraná, principal produtor de trigo do país, as plantações atingidas por geadas nesta quarta-feira estão mais atrasadas e, portanto, escaparam de danos mais graves, disse o analista do Departamento de Economia Rural (Deral) Carlos Hugo Godinho. Mas a preocupação é com o evento previsto para quinta-feira.

"A questão é a geada de amanhã [quinta], que é prevista bem mais forte, para todo o Estado. Independente do que aconteceu com essa geada de hoje, amanhã que é o dia definitivo", comenta.

A perda de mais da metade da produção do milho, um dos principais cultivos do estado, já é esperada por agricultores paranaenses. Neste caso, a formação de cristais de gelo faz com que a célula da planta se rompa, ocasionando sua morte.

“Neste momento [de pré-geada], não há muito o que os produtores possam fazer”, resume Salatiel Turra, chefe do Departamento de Economia Rural da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Paraná.

Ele destaca que esse tipo de cultura é de verão. Só não foi colhida ainda no estado por conta de diversos atrasos no ciclo produtivo, causados principalmente pela seca e por frio intensos.

Os cereais de inverno, apesar de mais resistentes à estação, também podem ser atingidos conforme a intensidade da geada e o período em que a planta se encontra.

No caso da cevada, por exemplo, a fase reprodutiva pode ser totalmente comprometida pelo gelo, como aponta Turra. Apesar de a cor natural da espiga persistir por alguns dias após o fenômeno, o grão pode não se desenvolver.

Como mostrou reportagem da Folha, produtores rurais começaram a se preparar para a chegada da nova onda de frio intenso ao país. Nas regiões Sul e Sudeste, agricultores adotaram técnicas que buscam evitar —ou atenuar— prejuízos da geada. A lista de procedimentos inclui irrigação por aspersão e cobertura de hortaliças e frutas com lonas ou sacos.

Com reuters

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