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Fundos hesitam entre lucro com título de dívida pública e direitos humanos

Ativistas pressionam administradores para que deixem de apoiar regimes que cometem abusos

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Laurence Fletcher Tommy Stubbington
Londres | Financial Times

Em novembro de 2020, Nickolai Prakofyeu,28, atendeu o telefone no fim da noite e recebeu notícias perturbadoras: ele tinha 24 horas para deixar Belarus ou enfrentaria uma sentença de 12 anos de prisão. Seu pai foi avisado de que forças do regime de Alexander Lukashenko não tolerariam mais a militância da família em favor da democracia.

As autoridades estavam a ponto de fechar os hotéis e o restaurante da família, que forneciam refeições gratuitas a manifestantes que protestavam contra o governo. Prakofyeu e sua mulher só tiveram tempo de recolher alguns pertences —e Jason, seu yorkshire terrier— antes de fugir em plena madrugada.

Ele foi para a Polônia e agora dedica seu tempo a pressionar empresas ocidentais a abandonar os investimentos que têm em Belarus. Entre as companhias estão administradoras de ativos que financiam o regime autoritário de Lukashenko ao adquirir títulos de dívida nacional.

Campanhas como essa ganharam novo ímpeto quando o fenômeno do investimento ESG começou a varrer o setor de administração de ativos e a promover a avaliação de investimentos levando em conta critérios ambientais, sociais e de governança. Além disso, a situação da Belarus começou a atrair mais atenção pública.

Prakofyeu escreveu a administradores de ativos como a BlackRock e o UBS para perguntar se deter títulos de dívida de seu país era compatível com suas políticas.

“Todas essas companhias declaram que apoiam completamente o ESG e as práticas sustentáveis”, diz Prakofyeu. “Mas quando chega a hora de avaliar seus investimentos, parece que ninguém realmente se incomoda.”

Campanhas desse tipo apresentam sucessos isolados. Um grupo de administradores de fundos dinamarqueses vendeu todos os seus títulos de dívida do governo da Belarus. A alemã Union Investment fez o mesmo, enquanto investidores como a BlueBay Asset Management não participaram da colocação de títulos de dívida que o governo de Lukashenko realizou no ano passado.

As sanções da União Europeia, impostas em junho, impedem que investidores europeus negociem quaisquer novos títulos que Belarus tente vender, mas não afetam títulos que eles já detenham.

Muitos investidores apontam para um dilema: caso se recusem a investir nos títulos de Belarus, o que devem fazer com relação a outros países cujo histórico de direitos humanos é dúbio?

“Todos os índices sobre países de mercado emergente terão algum problema, não existe maneira perfeita de fazê-lo”, disse Richard House, vice-presidente de investimento da Allianz Global Investors para títulos de dívida de mercados emergentes.

O dilema quanto aos direitos humanos expõe a tensão que existe no coração do boom ESG. Será que todo o esforço é simplesmente uma maneira de melhorar os retornos ao evitar alguns riscos que até o momento não vinham sendo avaliados corretamente? Ou investir de forma mais “sustentável” é um objetivo em si?

Os administradores de ativos amam fingir que essas duas metas estão em perfeita harmonia. Logicamente, esse não será sempre o caso.

Segundo dados da Bond Radar, a Arábia Saudita colocou US$ 32 bilhões em títulos no mercado do começo de 2019 para cá, a despeito da campanha militar de Riad contra os rebeldes houthi no vizinho Iêmen e do assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, em 2018. O crime foi ligado a ordens do príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman.

No mesmo período, a Rússia, que está sob pressão devido a acontecimentos como sua anexação da Crimeia, em 2014, e a seu papel na guerra civil da Síria, captou mais de US$ 10 bilhões nos mercados internacionais de dívida.

O Egito é popular nos mercados de títulos, mesmo que o governo do presidente Abdel Fattah al-Sisi mantenha dezenas de milhares de pessoas na prisão sob acusações de fundo político, de acordo com a organização de direitos humanos Human Rights Watch.

Investidores também se tornaram cada vez mais ativos na China, a despeito da lei de segurança em Hong Kong e do tratamento dado à população muçulmana uigur da província de Xinjiang.

“Temos uma responsabilidade essencial de gerar retornos para os investidores, e muitos dos históricos desafiadores em termos de ESG oferecem os retornos mais altos, o que obviamente cria um viés em favor de investir”, diz Timothy Ash, estrategista sênior da BlueBay.

E embora um país possa apresentar mau desempenho em uma área, em outras pode se sair melhor. Ash destaca a Arábia Saudita: apesar de o príncipe Mohammed ter aprovado uma operação de “captura ou execução” contra Khashoggi, segundo serviços de inteligência americanos, ele também lidera um programa que dá mais liberdade às mulheres de seu país.

Como explicação de seus motivos para investir, muitos administradores de fundos afirmam que estão seguindo indicadores amplamente utilizados quanto aos títulos e que esses são usados para julgar seu desempenho.

Belarus continua a fazer parte do índice de títulos de dívida de mercados emergentes do JPMorgan. Esses índices têm por objetivo oferecer um instantâneo sobre ativos de investimento, e não fazer julgamentos morais.

Contudo os índices de títulos ESG, que muitas vezes se baseiam em avaliações de empresas especializadas e que foram concebidos de forma a oferecer clareza sobre investimentos éticos, podem agravar a confusão.

O JPMorgan ESG EMBI usa avaliação e filtragem para ponderar o ranking em favor de emissores que tenham classificação alta nos critérios da agenda ESG.

A maior exposição do índice é dos Emirados Árabes Unidos. Mas ativistas, advogados e acadêmicos estão presos lá, “em muitos casos depois de julgamentos nos quais as acusações eram vagas e mal definidas”, de acordo com a Human Rights Watch.

A Arábia Saudita tem o terceiro maior peso no índice, e a China também está incluída.

Alguns administradores de investimentos começaram a agir por conta própria. O fundo dinamarquês Akademiker Pension, que administra pensões de professores universitários, vendeu os títulos de Belarus que detinha em abril, por motivos de direitos humanos, e agora exclui 45 países, entre os quais Arábia Saudita, China e Venezuela.

O fundo adotou uma linha mais dura porque seus membros deixaram claro que os direitos humanos são prioridade na seleção de investimentos, disse o presidente-executivo da instituição, Jens Munch Holst. Mesmo assim, é difícil definir onde o limite deve ser traçado.

“É um dilema. Sempre que excluímos um país, nos perguntam por que outros não foram excluídos também”, ele diz. “Pode chegar o momento em que um excesso de exclusões comece a prejudicar nossos retornos, o que ainda não aconteceu.”

Holst diz que o fundo excluiu Belarus mas continuou a investir em ativos russos porque acreditam que a repressão em Belarus seja pior.

Uma abordagem assim firme é rara, mas existem sinais crescentes de que outros investidores estão levando os direitos humanos em conta.

A Union Investment, da Alemanha, decidiu não comprar títulos do governo do Tadjiquistão por conta de abusos de direitos humanos. A empresa também mencionou o assassinato de Khashoggi a representantes sauditas e discutiu com o governo egípcio sobre o papel dominante dos militares, disse Christian Kopf, que comanda as operações cambiais e de renda fixa da companhia.

Desde março, as regras da União Europeia requerem que administradores revelem de que forma calculam o impacto de seu investimento em termos de ESG. A partir de 2023, terão de oferecer informações adicionais sobre o histórico de direitos humanos dos países aos quais façam empréstimos, oferecendo maior transparência aos investidores.

Sebastiaan Greeven, diretor de ESG e sustentabilidade na consultoria MJ Hudson, diz que os investidores usarão essas informações para decidir onde colocar seu dinheiro.

Prakofyeu e seus colegas escreveram a mais de 25 bancos e investidores em títulos sobre Belarus, mas apenas alguns poucos responderam.

Tradução de Paulo Migliacci

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