Licença-paternidade no Japão é uma das mais generosas do mundo

Estereótipos de gênero, porém, levam os homens a rejeitarem o benefício

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Asahi Shimbun

O sistema de licença-paternidade do Japão é considerado um dos mais amigos das famílias no mundo. O esquema, que permite que homens e mulheres fiquem em casa até que seus filhos completem 1 ano, enquanto recebem 50% a 67% de seus salários, foi classificado em primeiro lugar na categoria de licença remunerada para pais em uma pesquisa da Unicef em 2019, dentre os 41 países que têm esses benefícios.

A licença também pode ser prorrogada até o segundo aniversário da criança, mas menos de 8% dos pais trabalhadores do país realmente usaram o sistema em 2019 —comparados com 83% das mães— devido a estereótipos sobre a licença.

Noboru Hosokawa, 46, gerente de um parque de casas-modelo em Tóquio para uma construtora multinacional, inicialmente foi contra tirar a licença-paternidade, porque pensou que causaria indignação entre seus colegas.

"Eu estava muito cheio de trabalho e pensei que seria impossível tirar a licença", disse ele. "Como gerente, precisava melhorar as vendas, e acreditava erroneamente que a licença-paternidade prejudicaria minha imagem entre meus subordinados."

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Noboru Hosokawa, empregado da empresa Sekisui House Ltd., tirou um mês de licença paternidade em seu trabalho - Suguru Takizawa

O estereótipo de maridos como provedores e as esposas encarregadas das tarefas domésticas e das crianças continua forte no Japão. Muitos homens não sabem que tirar um tempo para participar plenamente da criação dos filhos pode ter um impacto positivo nos índices de emprego das mulheres e ajudar a alcançar a igualdade de gêneros —o Japão se classificou em 120º entre os 156 países do Índice Global de Lacuna de Gêneros do Fórum Econômico Mundial (FEM) em 2020.

Outros têm de enfrentar supervisores que acreditam que a prioridade dos homens deve ser trabalhar, acusam seus empregadores de causar problemas quando eles pedem tempo para cuidar dos filhos, ou mesmo de ameaçá-los de retardar promoções no emprego.

Aproximadamente 70% de quase 3.000 empresas pesquisadas no último verão pela Câmara de Comércio e Indústria do Japão e a Câmara de Comércio e Indústria de Tóquio ainda "se opõem plenamente ou em parte" a um plano que obrigue os empregadores a tornar a licença-paternidade obrigatória para os funcionários. Mas os governos locais e nacional, assim como algumas companhias, estão tentando mudar essa perspectiva.

Dois anos atrás, Hosokawa passava pouco tempo com seu filho, então com 5 anos, e sua filha de 3, exceto nas férias. Ele saía de casa para trabalhar às 7h30 todos os dias e muitas vezes voltava depois das 20h, quando as crianças já estavam dormindo. Quando eles nasceram, Hosokawa não sabia que famílias como a dele —com uma dona de casa em tempo integral— tinham direito à licença-paternidade. E quando ele finalmente descobriu que tinha continuou temeroso —nenhum outro gerente tinha tirado a licença-paternidade.

Esforço de cima para baixo

O ponto de virada foi em 2018, quando sua companhia, a Sekisui House Ltd., começou a pedir que os empregados com filhos de menos de 3 anos tirassem a licença-paternidade durante um mês ou mais. O presidente da empresa, Yoshihiro Nakai, começou uma reforma de cima para baixo que levou a mudanças graduais nas atitudes da empresa em relação à licença-paternidade, incluindo o pagamento total do primeiro mês de licença para diminuir possíveis preocupações entre os empregados sobre perda de renda.

Na época, a filha de Hosokawa ia completar 3 anos, mas ele ainda relutou em tirar a licença. Finalmente concordou em entrar no programa da companhia quando seu superior e outros colegas prometeram que assumiriam suas funções e apoiariam sua equipe.

Durante sua ausência, Hosokawa cozinhou, lavou roupa e passou tanto tempo com os filhos que teve dor nas costas. Isso o fez perceber como tinha feito pouco até então nas tarefas domésticas e na criação dos filhos. Hoje de volta ao trabalho, ele ajuda a preparar a licença-paternidade de um membro mais jovem da equipe.

Agora ele aconselha os colegas mais jovens a "usar totalmente seu tempo e passá-lo com os filhos para vê-los crescer".

Cidade amiga dos pais

A cidade de Gifu, situada no centro do país e a leste de Quioto, também adotou uma abordagem de cima para baixo para tentar aumentar a porcentagem de licenças-paternidade entre seus funcionários públicos.

A prefeitura tem a maior proporção do país, segundo uma pesquisa de 2019 realizada pelo Ministério de Assuntos Internos do Japão —mas só em departamentos da prefeitura diretamente dirigidos pelo governador de Gifu. Dos 93 funcionários públicos elegíveis nos departamentos da prefeitura, 48, ou 51,6%, usaram a licença-paternidade no ano fiscal de 2019, 17,1 pontos acima dos 34,5% do ano anterior. Um número muito maior que a média nacional de 16,8% entre servidores públicos.

"Surgiu um clima no local de trabalho [em Gifu] de que tirar a licença-paternidade é normal", disse um representante do Escritório de Empoderamento das Mulheres e Diversidade do Ministério de Assuntos Internos. "Será difícil em alguns locais dispensar o pessoal por certos motivos, mas esperamos que compartilhar as medidas da prefeitura de Gifu ajude os municípios e corporações privadas a melhorar sua situação."

Desde 2015 o governo local obriga os funcionários que serão pais em breve a apresentar planos de cuidados com a criança, com a data prevista do nascimento e se eles vão tirar a licença. Se disserem que não, o departamento de recursos humanos incentiva seus supervisores a ajustar o calendário de trabalho e motivar seus subordinados a tirar a licença para cuidar dos filhos.

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Futuros pais que trabalham para a Prefeitura de Gifu são obrigados a apresentar um plano dos cuidados com a criança - Yoshinobu Matsunaga

A prefeitura de Gifu agora pretende aumentar sua porcentagem de licença-paternidade para 90%, mas há desafios à frente. Quando seções fora da jurisdição direta do governador são consideradas, Gifu de fato fica em segundo lugar no país, com um índice de licença-paternidade de 13% entre os empregados elegíveis, só atrás da prefeitura de Tottori, com 26%. O índice do departamento de polícia da prefeitura, por exemplo, fica em apenas 5% e o conselho de educação local em 4,9%. Empresas privadas e municípios em Gifu também lutam para aumentar seus índices de licenças.

Exemplos como esses mostram que, por mais que pareça desafiador quebrar antigos estereótipos, o Japão está lenta mas certamente se movendo em direção a uma sociedade mais amiga da família. Em 2025, o governo central do país espera aumentar o índice de licenças-paternidade entre funcionários públicos civis e companhias privadas em pelo menos 30%, o que não só beneficiaria os pais trabalhadores, como ajudaria a reduzir a lacuna de gêneros.

Traduzido por Luiz Roberto M. Gonçalves.

Esta reportagem está sendo publicada como parte do projeto "Towards Equality", uma iniciativa internacional e colaborativa que inclui 15 veículos de imprensa para apresentar os desafios e soluções para alcançar a igualdade de gênero.

SparkNews Towards Equality
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Kenjiro Takahashi , Natsumi Nakai , Suguru Takizawa , Sawa Okabayashi e Yoshinobu Matsunaga
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