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Shein: o misterioso app de fast fashion chinês que desafia o Ocidente

Empresa é uma das startups mais valiosas do planeta, mas pouco se sabe sobre ela

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Flynn Murphy Matthew Walsh
Caixin

Karen Vera, 20, costumava comprar suas roupas em cadeias de fast fashion, como Zara e H&M, ou em sites de varejo online como o Asos. Hoje em dia, ela, que é universitária em Nova Jersey (EUA), recorre com mais frequência a uma companhia chinesa que cresce rapidamente e da qual pouca gente com mais de 30 anos já ouviu falar.

A plataforma, Shein, talvez seja o mais desordenador dos novos concorrentes surgidos no setor mundial de fast fashion (empresas com alta rotatividade de coleções), desafiando os modelos de negócios de seus rivais ocidentais.

A empresa tem como público alvo as mulheres jovens e adolescentes, e vende por meio de seu site e app, oferecendo uma linha de moda mais ampla do que as de seus concorrentes, e por uma fração do preço.

Sucesso da Shein tem por base responder mais rápido do que suas rivais a tendências de moda emergentes - Issouf Sanogo/AFP

O plano parece estar funcionando. A despeito de sua relativa obscuridade, a Shein passou por uma rodada de capitalização que avalia seu valor de mercado em US$ 15 bilhões (R$ 76,3 bilhões), o que a torna uma das startups de tecnologia mais valiosas do planeta.

A companhia, que opera quase exclusivamente com exportações e afirma despachar produtos para mais de 220 países e regiões, no momento tem o app mais baixado na App Store da Apple e na loja Google Play, deixando para trás o maior grupo de varejo do planeta, a Amazon.

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A ascensão da Shein gerou elogios e críticas. Os admiradores da companhia dizem que ela está redefinindo a fast fashion mundial para uma nova geração, que é muito ligada à tecnologia móvel e tem menos probabilidade de visitar lojas físicas.

Mas seus detratores dizem que a discrição da Shein a protege de críticas como as que outras companhias do setor recebem por seu envolvimento em uma indústria ligada a uma série de abusos ambientais e trabalhistas.

Além disso, mais de uma década depois da fundação da companhia, as informações opacas sobre a propriedade da Shein significam que pouca gente sabe quem está no comando —e a afirmação se aplica até às pessoas que trabalham na empresa.

A chegada do fast fashion

O sucesso da Shein tem por base responder mais rápido do que suas rivais a tendências de moda emergentes, com a oferta de uma maior variedade de linhas novas e de produtos a preços muito baixos —o que na prática significa turbinar os modelos de negócios existentes do setor de fast fashion.

Enquanto o Inditex, o maior grupo de moda do planeta, controlador da Zara, diz levar modelos novos da prancheta às prateleiras de suas lojas em três semanas, a Shein é capaz de oferecer produtos novos em prazo de cinco a sete dias de sua criação, disseram alguns fornecedores.

E enquanto o conglomerado espanhol afirma criar 50 mil modelos novos de roupa a cada ano, seu concorrente chinês criou 30 mil deles só na semana passada, de acordo com um cálculo da Caixin baseado em números fornecidos pelo app da Shein.

A chave para selecionar o que produzir é acumular um grande volume de dados em tempo real, manter elos estreitos com os fabricantes, e adquirir novos usuários de maneira agressiva, segundo entrevistas da Caixin com especialistas e com pessoas informadas sobre a companhia.

Além de sua sede na cidade de Nanquim, no leste da China, a Shein também tem um escritório importante em Cantão, metrópole no sul do país conhecida como polo mundial de fabricação de roupas.

Tendo evoluído de uma empresa que vendia vestidos de noiva no atacado, a empresa mantém relacionamentos de longo prazo com fabricantes de roupas, dos quais exige que empreguem um sistema de gestão de cadeia de suprimento altamente automatizado e alimentado por dados em tempo real sobre tendências, para solicitar novos designs e monitorar os pedidos, disseram fornecedores locais à Caixin.

Para manter a qualidade, a Shein rompe seus contratos com os 10% de fornecedores que apresentem o pior desempenho a cada trimestre, disse o funcionário de uma empresa que produz roupas femininas de ginástica, e conhece o modelo de negócios da plataforma.

No que tange à distribuição internacional, o grande volume de encomendas da Shein torna seus produtos elegíveis para fretes mais baixos e outras vantagens, da parte do serviço postal chinês, o que reduz ainda mais os seus custos.

Por estar profundamente integrada às cadeias de produção rápida do sul da China, a Shein tem a capacidade de superar a competição dos gigantes da fast fashion em muitos dos indicadores que propelem sua ascensão.

A Shein também está vencendo a guerra de preços. Uma recente busca da Caixin no site americano da Zara descobriu camisetas femininas à venda por cerca de US$ 10 (R$ 50,8), jeans por US$ 40 (R$ 203,4) e roupas de praia por US$ 45 (R$ 228,9). A Shein vende produtos semelhantes por US$ 7 (R$ 35,6), US$ 20 (R$ 101,7) e US$ 13 (R$ 66,1), respectivamente.

O modelo de negócios muito bem sucedido da Shein abriu uma nova frente de batalha no setor mundial de moda que pode ser chamada de “varejo em tempo real"” disse Matthew Brennan, especialista em tecnologia móvel chinesa e autor de “Attention Factory: The Story of TikTok and China’s ByteDance".

A companhia criou “um sistema unificado no qual a atividade que acontece em seu site mundialmente é monitorada por um sistema centralizado”, que decide quanto ao ajuste do volume de pedidos, ele disse. “Ainda que eles não sejam donos de suas fábricas, elas estão tão bem integradas que é quase como se o fossem, em termos de capacidade para expandir seus pedidos quase instantaneamente”.

Preços baixos, mas a que custo?

Os compradores dizem que os preços baixos, a ampla gama de produtos e o app fácil de usar da Shein os mantêm fiéis à companhia a despeito de preocupações com a qualidade de alguns produtos.

Vera, a universitária de Nova Jersey, disse que começou a usar a plataforma por volta de 2017 e fez sua mais recente compra nela três semanas atrás. Por apenas US$ 168 (R$ 854,5), ele adquiriu 22 produtos, entre os quais camisas, jeans e roupas de praia —um valor que ela diz que outros sites teriam muita dificuldade para superar.

Comparada a outras lojas online, a Shein “tem preços mais acessíveis e, em minha opinião, eles têm mais variedade dos produtos que gosto de usar”, ela disse à Caixin em entrevista por telefone, acrescentando que a companhia oferecia descontos generosos e vantagens nos fretes em troca de pedidos maiores ou de comentários publicados em seu site ou app.

No entanto, a Shein nem sempre atinge a nota certa. Diversos clientes entrevistados pela Caixin disseram ter pedido produtos que demoraram semanas para chegar, chegaram com preços diferentes dos informados no site, ou tinham qualidade tão baixa que era virtualmente impossível vesti-los.

Queixas semelhantes aparecem online, onde alguns usuários detonaram a marca em sites de resenhas e influenciadores conhecidos criticaram certos produtos em plataformas de vídeo como o YouTube.

A Shein também despertou controvérsia considerável, e no ano passado postou um pedido de desculpas por vender uma gargantilha que se assemelhava a uma suástica nazista, e causou mais indignação ao oferecer produtos aparentemente destinados a decoração doméstica que se assemelhavam a esteiras de oração muçulmanas.

Mas a despeito dos percalços, os fãs da Shein continuam a comprar. Mesmo que Vera tenha dito que planejava devolver três dos produtos que comprou em seu pedido mais recente, devido a problemas de tamanho ou qualidade, a experiência não prejudicou sua opinião sobre a marca.

“Não me incomoda ter de devolvê-los”, ela disse. “Prefiro experimentar para ver se gosto”.

Perfil discreto, grandes lucros

“Uma camisa de US$ 3 (R$ 15,2) na Shein é muito parecida com uma de US$ 30 (R$ 152,6) na Zara. Quem não gosta disso?”, disse o executivo sênior de um gigante do setor de capital privado chinês que tem elos com a Shein.

Trata-se de uma integrante da nova geração de companhias chinesas que produzem itens quase inteiramente para o mercado externo e usam branding inteligente, análise de dados e contratos promocionais com celebridades para superar os fatores adversos que as marcas chinesas encaram no exterior.

A gigante do comércio eletrônico transnacional cresceu mais de 200% na América do Norte no ano passado, com vendas de mais de US$ 10 bilhões (R$ 50,8 bilhões), disse o executivo à Caixin.

Mas a companhia continua quase desconhecida na China, exceto no segmento de capital privado —onde ela é tão quente que os investidores têm dificuldades para adquirir participação na empresa e fervilham rumores sobre um IPO (oferta pública inicial de ações).

A Sequoia Capital é uma das poucas empresas que confirmaram ser investidoras na Shein, mas há outros nomes ligados a ela, como a Tiger Global. A Shein não revela seus investidores.

A Caixin descobriu que a companhia realizou uma rodada de capitalização no valor de 300 milhões de yuan R$ 1,5 bilhão), recebendo investimento da Jinglin Capital e IDG Capital, em 2015 —um ano depois de estabelecer seu escritório em Cantão, o que ajudou a empresa a mudar de marca e a reconstruir sua cadeia de suprimentos, do zero, a fim de competir com as maiores marcas de moda do planeta.

Afiliadas da Shein em Nanquim e Cantão se recusaram a comentar para este artigo.

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