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Folha ESG CRISE ENERGÉTICA

Economia, meio ambiente e energia; entenda o tripé macro ecológico

Manutenção de matriz energética mais limpa depende da preservação de nascentes, cursos d'água e adequado uso do solo

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Gabriel Barros

Sócio e economista-chefe da RPS Capital

Alexandre Uezu

pesquisador e professor da ESCAS/IPÊ

Na última década, o país tem experimentado uma série de testes de estresse no âmbito hidrológico. Nacionalmente, a estiagem observada neste ano e em 2015, bem como em estados como São Paulo, Rio de janeiro, Paraná e Distrito Federal revelam que o problema não decorre única e exclusivamente do clima, de modo que não é puramente exógeno.

A baixa capacidade de planejamento e execução tripartite, gestão descentralizada e governança conflituosa têm agravado o problema de forma sensível. O déficit de precipitação, portanto, não é de autoria apenas do La Niña e da Oscilação Antártica.

Diferente da crise hídrica de 2001, atualmente o país dispõe de um conjunto de usinas termelétricas a óleo diesel, carvão e gás natural, que têm sido integralmente acionadas para dar segurança energética nesse novo período de estiagem.

Não obstante o parque térmico minimize o risco de falta de energia (“racionamento”) e de potência (“apagão”), é uma solução contingente, temporária e de alto custo. Estimativa mais recente do Ministério de Minas e Energia aponta que seu custo atingirá R$ 13 bilhões este ano, 45% superior aos R$ 9 bilhões estimado em junho.

No médio e longo prazo, não há como dissociar a segurança energética da segurança hídrica, uma vez que 63% da matriz energética é proveniente de hidroelétricas. O compromisso do país com o atingimento de metas de emissão de carbono é também um fator que, no médio prazo, exigirá ações mais inteligentes e sustentáveis.

Parece evidente, portanto, que a manutenção de umas das matrizes energéticas mais limpas do mundo depende fundamentalmente da preservação de nascentes, cursos d’água e adequado uso do solo em áreas estratégicas tanto à jusante quanto à montante. Em suma, segurança hídrica.

A garantia de segurança hídrica, por sua vez, está diretamente relacionada ao balanço de árvores plantadas nos leitos de reservatórios e cursos de rios e nascentes. É exatamente nesse ponto, onde o país possui déficit de cerca de 7,5 bilhões de árvores, que o problema deixa de ser restrito a “tribo” ambiental e diz respeito também a “tribo” econômica.

Uma visão holística e abordagem integrada do ponto de vista ambiental, energético e econômico, portanto, são fundamentais para a construção de soluções perenes e equilibradas.

A cobertura do déficit de árvores nesses reservatórios, além da externalidade ecológica positiva, é ainda economicamente mais barata do que o acionamento de térmicas poluentes.

A título de exemplo, levando em conta apenas o déficit de árvores no sistema Cantareira, de 35 milhões, responsável pelo abastecimento de mais de 7,5 milhões de paulistanos, o investimento seria de apenas R$ 560 milhões ou de R$ 75 per capita.

Ao longo da última década, o IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas), de forma voluntária e através do programa “Semeando Água”, vem realizando este trabalho e já plantou 370 mil mudas de árvores nativas da Mata Atlântica.

A cobertura do déficit de árvores no sistema Cantareira, além de adicionar segurança hídrica e energética ao sistema interligado nacional (SIN), tem como externalidade positiva a redução de 5,4 milhões de CO2 da atmosfera, uma oportunidade tanto para as empresas quanto para o país, haja visto o avanço de metas compulsórias ou voluntárias de redução e mitigação dos efeitos colaterais sobre o clima de atividades econômicas.

O progresso e esperado desfecho na COP-26 este ano, em Glasgow (Escócia), para o estabelecimento de um mercado de crédito de carbono global representa ainda nova oportunidade de aliar os interesses econômicos e ecológicos, claramente convergentes e complementares.

Com o avanço da importância e compreensão das inter-relações que o uso múltiplo da água produz, seja para a produção de energia e sustentação do crescimento econômico, irrigação da produção de múltiplas culturas agrícolas ou ainda seu efeito socioeconômico sobre atividades como de turismo e lazer em diversos estados e municípios, uma abordagem integrada e inteligente de ambas as agendas parece ser inevitável.

A esse respeito, é útil destacar ainda os efeitos colaterais negativos que a ausência de vegetação nativa e árvores nas bacias das usinas hidrelétricas produzem sobre sua capacidade de armazenamento de energia, resultado do acúmulo de sedimentos, erosão do solo e baixa infiltração até os lençóis freáticos.

Diante de tantos vasos comunicantes, o déficit (superávit) hídrico tende a produzir custos (benefícios) econômicos e ecológicos convergentes. A ocorrência de eventos de cauda ou extremos, como períodos de estiagens prolongadas, seguidas por chuvas torrenciais e concentradas em curto espaço de tempo, por exemplo, agudizam e aprofundam os custos socioeconômicos e ambientais.

O resultado não interessa a nenhuma “tribo” ou agente econômico racional, na medida em que além de ampliar o ônus, carrega risco e incerteza notadamente maiores. Além de todos os fatores supracitados, há que se reconhecer o antagonismo de uma insegurança hídrica e energética no Brasil, que detêm a maior reserva de água doce do mundo: 12% do total disponível no planeta.

Em suma, as árvores têm um papel sistêmico e regulador no ciclo hidrológico, de fundamental importância tanto para o consumo humano quanto para uma dezena de atividades que sustentam a potência econômica do país. Não há, portanto, absolutamente nenhum conflito entre as agendas econômica, ambiental e energética, pelo contrário.

A sustentabilidade desse tripé macro ecológico depende de uma atuação integrada tripartite, governança e regulação adequadas, assim como o fomento de ações em áreas fundamentais, estratégicas para a exploração econômica inteligente dos recursos naturais.

A expertise e os projetos desenvolvidos pelo IPÊ ao longo dos últimos 30 anos têm contribuído com o avanço dessa agenda que o país apresenta evidente vantagem comparativa, mas cujo despertar é tímido.

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