Tenho tentado fazer com que o mercado olhe além do ruído fiscal, diz Campos Neto

Presidente do BC ameniza tom sobre risco de desajuste das contas públicas e afirma que números mostram que a situação é melhor do que o projetado por economistas

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Brasília e São Paulo

Após seguidos alertas sobre os efeitos do risco de desajuste das contas públicas nas expectativas de inflação, o presidente do BC (Banco Central), Roberto Campos Neto, amenizou o tom e afirmou que tem tentado fazer com que o mercado olhe além do ruído fiscal. Segundo ele, os números mostram que a situação das contas públicas do país é melhor do que as expectativas dos agentes econômicos.

"Tentei chamar atenção para que os agentes de mercado olhem além do ruído [fiscal], que de fato mostra que o pano de fundo está melhor. Foi isso que tentei fazer nas últimas falas", argumentou em evento promovido pela XP nesta terça-feira (24).

Em suas últimas falas, o presidente do BC alertou sobre os efeitos dos ruídos fiscais nos principais indicadores econômicos, como as expectativas de inflação e nas projeções para o PIB (Produto Interno Bruto) de 2022.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em coletiva de imprensa em Brasília - Adriano Machado - 7.abr.2020/Reuters

No evento da XP, Campos Neto disse entender a sensibilidade dos agentes econômicos ao assunto e que o mercado reage a notícias sobre política fiscal.

"A gente vê claramente quando vemos dados de tempo real que notícias que passaram essa percepção [de piora fiscal] para o mercado tiveram grande influência no preço. Hoje mesmo presidente da Câmara [Arthur Lira] fez um discurso muito duro em relação à disciplina fiscal e vimos o efeito nos mercados. Então mostra de fato uma sensibilidade ao tema, não é uma opinião do BC", destacou.

Em sua apresentação, ele mostrou um gráfico com a decomposição dos fatores que resultaram na melhora da dívida pública nos últimos meses e rebateu economistas que afirmam que essa redução foi ocasionada apenas pelo efeito da inflação.

"Os números estão melhores do que a perspectiva que tínhamos no passado e melhores do que o mercado tem tomado como verdade. Não é verdade que a parte fiscal melhorou somente porque teve efeito da inflação, na decomposição, vemos que houve efeito do deflator, mas um bom pedaço não, de fato teve uma melhora que não está associado a isso", afirmou.

Segundo o gráfico mostrado por ele, a projeção para a dívida bruta de 2021 era de 95,8% do PIB em novembro do ano passado e atualmente está em 82,1%.

A apresentação mostra que o deflator (índice que atualiza o PIB de acordo com a variação de preços) reduziu a estimativa em 5,5 pontos percentuais, enquanto o crescimento da atividade econômica e a redução do déficit primário puxaram a expectativa em 2,5 e 3,8 pontos para baixo, respectivamente.

O estudo traz ainda o item "Outros", com impacto de 3,2 pontos para baixo, e o aumento dos gastos com juros –com a alta da Selic– que aumentaria a projeção da dívida em 1,2 ponto.

No Brasil, a dívida pública bruta está em 84% do PIB. O endividamento registrou crescimentos expressivos por mês desde o início da pandemia de Covid-19. Depois da chegada do vírus ao país, o governo teve de gastar mais em programas emergenciais, como o auxílio emergencial e linhas de crédito para empresas.

Em fevereiro deste ano, a dívida alcançou 89,3% do PIB, maior percentual da série histórica iniciada em 2006, mas voltou a cair nos meses seguintes com a alta da atividade econômica, aumento da arrecadação e redução de gastos com a pandemia. No mesmo mês de 2020, último antes dos impactos da crise sanitária, a dívida estava em 75,2%.

Sobre os efeitos dos recentes choques na inflação, Campos Neto afirmou que não houve impactos significativos nas cadeias produtivas e na oferta, mas um efeito de demanda, com aumento no consumo de bens e redução de serviços.

Na visão de economistas e de agentes de mercado também ouvidos durante o evento, atrapalham as expectativas de recuperação a inflação mais alta, com desemprego persistente e o governo dando sinais de aumento de gastos —colocando a responsabilidade fiscal em segundo plano.

De acordo com a economista Elena Landau, que comandou o programa de privatizações no governo FHC, o Brasil continua precisando de reformas (para ampliar a produtividade, abrir espaço no Orçamento e promover a abertura da economia), mas elas não estão acontecendo no atual governo.

"Estamos vendo um atropelo na formulação de reformas e projetos de péssima qualidade sendo aprovados ou enviados ao Congresso. A reforma tributária, por exemplo, que estava pronta para ser discutida, a partir de uma proposta [do especialista] Bernard Appy, virou uma colcha de retalhos", disse Landau.

"O governo não tem uma agenda clara e não sabe onde quer chegar. A reforma tributária que está aí deveria ser engavetada, para tentar recuperar a credibilidade do governo."

Para Landau, as expectativas para o ano que vem também são ruins e é preciso esperar um novo governo para destravar as medidas necessárias para o crescimento sustentável do país.

A pandemia também mostrou uma desarticulação entre os poderes, disse ela, e o Estado revelou as suas deficiências, como a falta de saneamento, de transporte público de qualidade e de uma estrutura de habitação que permitisse que as famílias mais pobres pudessem fazer isolamento.​

"Uma coisa que irrita neste governo é que ele recebeu da equipe passada um Brasil pronto para fazer ajustes e a abertura comercial, com uma boa reforma tributária, mas perdemos a oportunidade", ressaltou.

Ana Carla Abrão Costa, ex-secretária de Fazenda de Goiás, complementou que é preciso resgatar o papel do Estado como formulador e executor de políticas públicas, ao contrário do que tem ocorrido agora.

"Estamos vivendo um desastre, com a desestruturação das instituições, ameaças à democracia e aumento da desigualdade, mas o Brasil vai reagir."

Costa completou que a reforma administrativa proposta também cai na armadilha de encarar o servidor como um inimigo e peca pela falta de articulação política do governo Bolsonaro, o que abre espaço para distorções já vistas na privatização da Eletrobras.

"As reformas chegam ao Congresso de forma desarticulada e as aprovações delas significam retrocessos", disse.​

Mais cedo, em outro painel, o escritor e professor da Universidade de Nova York Scott Galloway afirmou que a pandemia trouxe e ainda está trazendo grandes desafios para a economia, mas que muitos setores souberam se adaptar e sairão em vantagem com a reabertura.

Ele ressaltou que o comércio virtual deu um salto na América Latina, sobretudo no Brasil, durante a pandemia, apesar de a Amazon ainda representar uma fatia modesta desse mercado no país.

"Os consumidores adoram produtos inovadores e há esforços para que as empresas sigam padrões mais altos de atendimento e de qualidade, mas no Brasil, as empresas de tecnologia têm dificuldade para entender o sistema de impostos."

Galloway acrescentou que as plataformas digitais trazem muitas possibilidades, mas que é preciso atacar o problema da concentração de poder entre poucas empresas de tecnologia.

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