'Até chegada da Heineken, brasileiro tomava cerveja à base de milho', diz presidente no Brasil

Cervejaria opera com 90% da sua capacidade no momento em que maior fábrica no país é barrada por risco a sítio arqueológico

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Brasília

O presidente da Heineken no Brasil, Mauricio Giamellaro, diz ter um "problema bom": quando dobra a produção de cerveja, o volume de vendas dobra também. Mas agora o executivo tem que lidar com um problema que realmente preocupa: está perto de 90% da sua capacidade de produção e acaba de ver o projeto da sua principal fábrica barrado pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).

Na avaliação do instituto, a construção da nova fábrica de Pedro Leopoldo, região metropolitana de Belo Horizonte, com investimentos declarados de R$ 1,8 bilhão, pode causar danos à região onde foi encontrado o crânio de Luzia, o fóssil mais antigo das Américas. A captação de água do subsolo para produzir a cerveja geraria grande impacto nos lençóis freáticos e no complexo de grutas e cavernas da região, que correria o risco de ser soterrado.

De acordo com o ICMBio, a obra foi embargada por estar na Zona de Conservação do Desenvolvimento Urbano e Industrial de uma região que tem regras específicas para uso empresarial e que exige cuidados adicionais, a Área de Proteção Ambiental Carste de Lagoa Santa, que abriga rico acervo natural de grutas e sítios arqueológicas.

O órgão afirma que, "caso o empreendimento se adeque ao que determina o Plano de Manejo, apresentando estudos e as informações necessárias, a obra poderá ser retomada". Uma audiência com a empresa está marcada para 9 de outubro, diz o ICMBio. A Heineken afirma estar à disposição de todos os órgãos envolvidos.

A fábrica de Pedro Leopoldo foi projetada para ser a primeira da Heineken totalmente construída no Brasil, uma vez que todas as suas 15 unidades de produção vieram de aquisições, 10 só com a compra da Brasil Kirin, em 2017. A unidade em Pedro Leopoldo foi projetada para produzir 760 milhões de litros por ano, se tornando uma das três maiores fábricas da cervejaria holandesa no mundo e a maior da empresa no país.

A Semad (Secretaria de Estado de Meio Ambiente), de Minas Gerais, deferiu licença ambiental para a obra no mês passado. No último dia 10, a Heineken recebeu a visita do ICMBio na obra, foi autuada e interrompeu as obras de terraplanagem.

homem branco de barba com logo da Heineken ao fundo
Mauricio Giamellaro, 50, se tornou o primeiro brasileiro a liderar a Heineken no Brasil, em março de 2019 - Divulgação

Em entrevista à Folha, em 15 de setembro, o presidente da empresa no Brasil afirmou que a companha tem preocupação global com temas ambientais. "Estamos aqui para o futuro longínquo. É óbvio que a gente tem que gerar lucro, mas através de respeito”, disse Mauricio Giamellaro, ressaltando que a companhia adotou mundialmente um novo posicionamento de marca, atrelado à sustentabilidade.

No Brasil, por exemplo, toda a produção da Heineken vai ser feita com energia verde. Até 2023, a meta é zerar a emissão de carbono na produção, com o uso de energias renováveis. Hoje 100% da cerveja Sol já é fabricada com energia solar.

"Sustentabilidade é o novo puro malte", diz ele, afirmando que a Heineken já revolucionou o mercado brasileiro de cerveja quando apresentou a sua receita básica, que envolve apenas água, malte e lúpulo.

"A Heineken tem um índice de amargor muito acima do que existia no mercado. O brasileiro estava acostumado a cerveja diluída, cerveja com quase 50% de carboidrato – milho, na maioria das vezes. Nós viemos com a receita puro malte, que muda a qualidade", afirma.

Hoje o Brasil representa o maior volume da marca Heineken no mundo, o dobro do segundo colocado, os Estados Unidos. “A gente vai ser a melhor cervejaria do Brasil, não necessariamente a maior. É o nosso grande objetivo”, diz ele.

É o momento de pensar em aquisição no Brasil? Especulações de mercado já deram conta de uma negociação com a Itaipava.

Houve uma especulação incorreta, não estamos em conversa com a Itaipava. A gente precisa aumentar a produção. Temos 15 unidades fabris, sendo uma delas uma xaroparia. São 12 cervejarias grandes, duas produzem cervejas super premium (em Blumenau-SCe Campos do Jordão-SP) e uma xaroparia. Aumentamos em 75% a capacidade de produção de Ponta Grossa, aumentamos em Alagoinhas, onde passamos a produzir Heineken, enquanto Araraquara, que era mista, e virou 100% Heineken.

Mas, sim, a gente precisa de mais capacidade. Pode acontecer através de novos investimentos ou através de parceria ou aquisição. Mas isso não está no nosso planejamento estratégico para os próximos anos. Vamos crescer com as nossas próprias cervejarias.

A companhia está usando quanto da capacidade?

Estamos em quase 90% da nossa capacidade. A Heineken em Ponta Grossa estava no limite e quase dobramos a capacidade em um ano, achando que a gente iria respirar. Mas é um problema bom: quando dobramos a produção, o volume dobra também. Nosso crescimento é sempre para atender a demanda de mainstream [cervejas comuns], cervejas premium e super premium. Estes dois últimos segmentos são onde a gente mais cresce.

Aquisição não é mais rápido?

Pode não ser, porque os padrões de produção da Heineken são muito diferentes. Nós adquirimos várias cervejarias quando compramos a Brasil Kirin em 2017. Nenhuma delas tinha a capacidade de produzir Heineken. A primeira que começou a produzir foi Alagoinhas, dois anos depois. Precisou de toda uma adaptação.

A Heineken demora três vezes mais para ficar pronta do que qualquer cerveja premium do mercado brasileiro. Enquanto a média é de oito a 12 dias, a gente demora mais de 25 dias. A fermentação é em tanques horizontais – enquanto a maioria das cervejarias fermenta em tanques verticais.

A Heineken foi apontada como a marca de cerveja preferida dos brasileiros em uma pesquisa do banco Credit Suisse, divulgada no início do ano. Mas não é a mais vendida, posição ocupada pela Skol, da Ambev. Como você explica esse desempenho?

O brasileiro estava acostumado a cerveja diluída, com quase 50% de carboidrato –milho, na maioria das vezes. Nós viemos com a receita puro malte, que muda a qualidade. A Heineken tem um índice de amargor muito acima da média do mercado brasileiro. Depois que o consumidor toma cinco, seis, sete vezes, ele começa a perceber que aquele amargor é típico, e é da Heineken. Aí ele tem uma dificuldade grande em voltar para as outras cervejas.

Nossa receita é água, malte, lúpulo e nada mais. É a mesma no mundo inteiro. Aqui no Brasil, você toma cerveja mais gelada do que na Europa, o que diferencia muito o paladar. Enfrentamos este grande desafio no começo, mas passamos da 17ª posição em 2012 para a primeira entre as marcas mais desejadas hoje. Entre os clientes do varejo, passamos de 2 mil para 300 mil. Em volume, somos a terceira marca do segmento offtrade [supermercados]. Em valor, já somos a maior.

Qual a posição do Brasil hoje no ranking mundial da Heineken?

Hoje o Brasil representa o maior volume da marca Heineken no mundo, o dobro do segundo colocado, os Estados Unidos. Atingimos esta marca em 2019, antes mesmo da pandemia. Desde então, avançamos ainda mais no mercado brasileiro, porque somos mais fortes nos supermercados do que nos bares, que ficaram fechados neste período.

A venda de cerveja anda estagnada no Brasil. Segundo a consultoria Euromonitor, este ano a venda de cervejas no Brasil deve atingir R$ 197,97 bilhões, uma alta de 7,3% sobre 2020. Descontada a inflação pelo IPCA, empatou.

O mercado de cervejas é dividido em quatro segmentos: crafts (super premium), premium, mainstream e econômicas. Somos líderes nos segmentos craft, premium e econômico. Só não temos a liderança total do mercado de cervejas porque no Brasil o maior volume vem do segmento mainstream, dominado pela Ambev. Mas o mercado brasileiro está se ‘premiunizando’. A venda das cervejas premium e super premium é a que mais cresce e é nestes segmentos que a gente vem investindo tanto. Hoje, de cada dez cervejas vendidas no segmento premium, quase seis são Heineken. Nosso objetivo é ser a melhor cervejaria do Brasil, não a maior.

Qual será o perfil do público da Heineken dentro de dez anos?

Sustentabilidade é o novo puro malte. Posso dizer isso pelo comportamento dos meus filhos, tenho um filho de 21 e uma filha de 23. Para ficar conectado com eles, temos eu ir além de música e campeonatos de futebol. Por isso a Heineken acaba de colocar um novo ingrediente na sua fórmula: energia verde. Até 2023, nossa meta é zerar a emissão de carbono na produção, com o uso de energias renováveis. A mudança já aconteceu em três das 15 unidades fabris da companhia. Hoje, 100% da cerveja Sol já é fabricada com energia solar.


Raio-X

  • Fundação: 1864, Amsterdã (Holanda)
  • Funcionários: 13,5 mil
  • Produção: 15 fábricas em 11 estados
  • Receita*: 11,97 bilhões de euros
  • Lucro líquido*: 1,03 bilhão de euros
  • Principais concorrentes: Ambev e Itaipava

(dados Brasil)

*Dados globais referentes ao 1º semestre de 2021

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