Teto é ficção e causou corte profundo de investimento, diz economista de Ciro

Assessor do pré-candidato, Mauro Benevides prega ajuste que atenda população com maior limite para despesas como obras

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Brasília

O economista e deputado federal Mauro Benevides Filho (PDT-CE), 62, assessor econômico do pré-candidato a presidente Ciro Gomes, afirma que o teto de gastos é uma ficção que gera como principal consequência o corte dos investimentos. A regra limita o aumento das despesas federais à inflação.

Ele diz que as despesas correntes —salários de servidores, aposentadorias e custeio da máquina pública—, vistas por ele como de pior qualidade, continuam em expansão.

Enquanto isso, o governo tem tentado cumprir o teto sacrificando a verba para investimentos, que incluem construção de rodovias ou escolas, por exemplo.

O economista Mauro Benevides é formulador do programa econômico do pré-candidato à Presidência Ciro Gomes (PDT)
O economista Mauro Benevides é formulador do programa econômico do pré-candidato à Presidência Ciro Gomes (PDT) - Eduardo Anizelli - 16.jul.18/ Folhapress

Para corrigir o que vê como um problema, Benevides propõe em entrevista à Folha dois limites diferentes para cada tipo de gasto.

As despesas correntes seriam atreladas ao PIB (Produto Interno Bruto), com crescimento mais limitado. Já os investimentos seriam corrigidos com base na expansão real da arrecadação federal, que proporcionaria uma expansão maior, uma vez que, normalmente, a receita cresce mais do que o PIB.

Para ele, os investimentos públicos precisam voltar a subir para um patamar de R$ 90 bilhões ao ano, mas sem deixar reformas, como a administrativa e a tributária, de lado.

"O ajuste fiscal precisa ocorrer para dotar o Estado de recursos para atender as demandas da população", afirmou.

Esta entrevista faz parte de uma série da Folha sobre os cinco anos do teto de gastos, com entrevistas com os assessores econômicos dos principais postulantes ao Palácio do Planalto em 2022. A ordem de publicação segue o desempenho na última pesquisa Datafolha.

O teto de gastos trouxe mais benefício ou prejuízo ao país? Prejuízo. O Brasil não tem teto de gastos. Hoje é uma ficção. Despesas de pessoal e Previdência representam 85% do total.

Entre 2017 e 2019, elas continuaram crescendo em termos reais, portanto descumprindo o teto. Aí o governo corta o investimento para cumprir o teto.

Ou seja, o que o suposto teto de gastos fez foi diminuir o volume de investimentos do Brasil, que em 2010 era de R$ 100 bilhões e neste ano [2021] não deve passar dos R$ 20 bilhões. Ou seja, todo o ajuste que se propala do teto de gastos é encontrado no corte profundo de investimento.

Tentativas do Congresso de se apropriar do Orçamento, como por meio de emendas de relator, foram limitadas pelo teto. A regra tem um lado positivo nesse sentido? Pelo contrário. O teto de gastos passou a valer em 2017. Em 2020, foi criada a emenda de relator, que não deveria existir.

Mas ela foi consequência do teto de gastos? Não. E o Congresso, embora tenha autonomia para definir suas prioridades, não pode depois disso disciplinar e determinar para onde vão esses recursos. Mas, quando o Orçamento cresceu, a emenda de relator apareceu e os investimentos foram cortados.

Para atender a emenda de relator, eles cortaram investimento.

Os juros caíram a partir da implementação da medida. Nesse sentido, a regra do teto foi positiva? Não. Os juros caíram temporariamente, como caíram com Dilma [Rousseff, ex-presidente] também. Foi algo momentâneo de curto prazo. A mesma coisa com [o presidente Jair] Bolsonaro.

As mudanças no teto são justificadas frequentemente como uma forma de abrir mais espaço para programas sociais e investimentos. Dentro de um Orçamento de quase R$ 2 trilhões em despesas primárias, tirando juros, é realmente impossível encaixar novas medidas com corte de gastos? O Brasil não tem teto de gastos, mas sim uma penalização do investimento. [Com a existência do teto] Eu aumento a despesa corrente e corto a de capital [investimentos], que é a melhor que tem.

Ela [despesa primária total] começou com 19,5% do PIB quando Bolsonaro entrou e vai terminar assim, aí o pessoal diz que a coisa ficou controlada. Não ficou, não. A corrente aumentou e o investimento caiu.

Numa eventual gestão Ciro, todas as despesas serão reexaminadas, inclusive as despesas financeiras.

A calibragem da taxa de juros está certa? Está certo tratar operações compromissadas como hoje, com zeramento do caixa do sistema financeiro diário para que eles não durmam com recursos sem aplicação financeira?

O país deve adotar outra regra fiscal? O Brasil deve modificar a regra de controle da despesa primária corrente. Colocar um teto para a despesa corrente.

E qual seria esse teto sobre as despesas correntes? A correção seria pelo crescimento real do PIB. Em vez de corrigir pelo IPCA [como funciona o teto hoje], pode crescer também pelo crescimento real do PIB. Se o PIB crescer 1%, por exemplo, vai crescer inflação mais 1%.

O investimento ficaria livre ou também seria limitado? O investimento vai ficar atrelado ao crescimento real da receita. Inflação mais [a variação] real [da receita].

Em tese, a receita cresce muito mais do que o PIB quando há crescimento [da economia], então você vai limitar o investimento a 80%, 90% do crescimento real da receita.

Qual a consequência disso? As despesas correntes ficariam mais controladas do que os investimentos? Exatamente, as correntes vão ficar mais controladas. E os ​investimentos, mais folgados para crescer, já que a receita cresce um pouco mais.

O sr. tem ideia de a quanto pode ir o investimento com essa nova regra? A ideia era voltar pelo menos ao que era, de R$ 90 bilhões ao ano. Tem de ter mais [do que hoje].

O ajuste fiscal precisa ocorrer para dotar o Estado de recursos para atender as demandas da população.

Dissemos na campanha que resolveríamos o problema do primário em dois anos, o [ministro da Economia, Paulo] Guedes não se contentou e disse que faria em um ano [o que não ocorreu]. Mas no Brasil, nas campanhas, as pessoas querem discutir nomes e não programas.

O Ciro é o único que tem um programa definido, a forma de ajuste fiscal, um livro publicado, uma proposta de reforma da Previdência. E o que se sabe dos outros candidatos? Nada. Tem de discutir como a gente conserta o país.

O sr. mudaria também o conceito do que são investimentos? Não. Investimento é o que está consignado na lei 4.320, que é crescimento de patrimônio. É construir escola, hospital, estrada. Não tem nada que mudar, isso é safadeza. Para um governo sério, não há que se falar em alteração disso.

Quais as reformas de que o país precisa? Primeiro, a reforma tributária. Você acha justo um carro pagar IPVA e um avião ou um helicóptero não? Você tem de ter alteração no patrimônio.

Você acha justo um imposto sobre herança ser cobrado com alíquota de 8%? Nos Estados Unidos, o país mais capitalista do mundo, o mínimo é 20%. Então não é cobrar do mais pobre, é melhorar justiça.

Tem de ter mais alíquota maior sobre o IRPF [Imposto de Renda da Pessoa Física], também tem de acabar com a pejotização. Inclusive a tributação em paraísos fiscais, o rendimento tem de ser tributado inclusive fora do país.

E no lado dos gastos? Reforma administrativa, por exemplo, o sr. propõe fazer? Nesse caso você tem de olhar valores de ingresso na carreira menores do que temos hoje e tem de estender a chegada até o último nível da carreira profissional com mais tempo que hoje. A maioria das carreiras, após 18 anos, você já está no topo da carreira, de um total de exercício de 30, 40 anos.


Mauro Benevides Filho, 62

Assessor econômico do pré-candidato Ciro Gomes (PDT-CE) e deputado federal. Já foi por mais de uma vez secretário de Planejamento do Ceará. Formado em economia pela UnB (Universidade de Brasília), é doutor na mesma área pela Universidade de Vanderbilt (EUA)

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