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Cachorros ganham espaço em escritórios na volta do home office

Disparada de adoção de animais na pandemia traz desafios para volta ao escritório

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Henry Mance
Londres | Financial Times

Antes da pandemia, Becky não imaginava que um dia fosse levar seu cachorro ao escritório. Mas o lockdown fez com que ela mudasse de opinião. Becky (o nome é fictício) não só percebeu "os grandes benefícios mentais" de ter um animal de estimação por perto enquanto trabalha como descobriu que a disparada na adoção de animais durante a pandemia fez crescer a competição por serviços de creche para cachorros: agora, voltar ao escritório sem o seu cachorro poderia lhe custar milhares de libras por ano.

No entanto, o empregador de Becky, uma empresa de serviços financeiros, tinha acabado de se mudar para um escritório em Londres no qual os proprietários do imóvel não permitem amigos de quatro patas. "Nenhum dos executivos envolvidos na mudança tem cachorros. E a impressão era de que a minha empresa não tentou negociar uma mudança nessa regra".

Ela agora está estudando suas opções. "No meu próximo emprego, vou considerar [a possibilidade de levar o cachorro ao trabalho] como um requisito muito importante", ela diz. "Porque é algo que simboliza a cultura da empresa."

Levar o cachorro ao trabalho não é um hábito inteiramente novo: Sigmund Freud apontou que seus pacientes pareciam se sentir mais à vontade quando seu chow chow, Jofi, estava presente nas sessões de psicanálise. Mas duas tendências agora impulsionam ainda mais essa ideia: o crescente apego das pessoas aos seus animais de estimação, que significa que elas não desejam deixá-los sozinhos em casa o dia todo; e a convicção dos trabalhadores mais jovens de que o trabalho deve oferecer mais do que um salário e também refletir sua identidade de maneira mais ampla.

O código de conduta dos trabalhadores do Google dispõe que "o afeto de nossos amigos caninos é uma faceta integral de nossa cultura empresarial". No Reino Unido, cachorros agora aparecem em hospitais, nas áreas comuns das escolas, nas câmaras de advogados e em escritórios de startups. Will Smith, um dos fundadores da Tred, uma empresa que oferece cartões de crédito éticos, leva Mayo, o filhote de golden retriever que adquiriu durante o lockdown, ao escritório três dias por semana. "Não comprei um cachorro para que outra pessoa tomasse conta dela", disse Smith.

Mas muitos grandes empregadores –entre os quais o banco HSBC e os grupos de auditoria Deloitte e PwC, têm regras que proíbem completamente a presença de cachorros. O presidente-executivo do JPMorgan Chase, Jamie Dimon, autorizou a entrada de cachorros de clientes nas agências de seu banco, mas não a de cachorros de empregados na sede da companhia.

Frequentemente existe a suposição de que os companheiros caninos vão desordenar o foco ou a formalidade do lugar de trabalho, ou latir durante reuniões com clientes. Os gestores não sabem bem como combinar cachorros e escritórios de plano aberto, ou como lidar com trabalhadores que são alérgicos a animais, têm medo deles ou objeções religiosas à sua presença.

No esforço para atrair trabalhadores de volta aos escritórios, essas regras estão enfrentando pressão, e as empresas precisam encontrar maneiras de acomodar tanto aqueles que amam cachorros quanto aqueles que não.

Antes da pandemia, cerca de 45 cachorros estavam presentes todos os dias na sede da Ben & Jerry, produtora de sorvetes americana, em Vermont –em média um animal para cada dois trabalhadores, de acordo com Lindsay Bumps, que trabalha na área de marketing da empresa e faz parte do comitê que regulamenta as questões relacionadas a cachorros. "Se você não facilita a presença de cachorros, está perdendo uma grande oportunidade de aumentar o engajamento de seu pessoal e uma experiência cultural única, bem como uma forma de reduzir um pouco o estresse", ela diz.

Os cachorros da Ben & Jerry em geral ficam nos escritórios ou cubículos dos trabalhadores (isolados por portas baixas); eles não podem ir à maior parte das áreas comuns do escritório. A empresa opera com uma regra de três transgressões e depois exclusão, para regulamentar qualquer traquinagem dos animais. Mas Bumps disse que, em seus nove anos de trabalho para a companhia, apenas um ou dois cachorros não conseguiram se adaptar ao escritório.

Na Tred, Smith acredita que ter um cachorro no escritório traga benefícios. "Você se torna mais humano nas conversas", ele aponta, e mais memorável para os contatos externos. A Nestlé, que controla a marca Purina de ração para animais, diz que, desde que começou a permitir que cachorros fossem levados à sua sede no Reino Unido, em 2015, "os efeitos positivos sobre a nossa cultura e sobre a atmosfera do escritório foram imensos". Estudos conduzidos em outras empresas vinculam a presença de cachorros a uma maior colaboração entre o pessoal.

Mas existem poucas pesquisas quanto aos aspectos potencialmente negativos da presença de cachorros, diz Joni Delanoeije, pesquisadora na Universidade KA Leuven, na Bélgica. Eles incluem distração e disputas entre colegas de trabalho.

De fato, a estimativa é de que entre 10% e 20% das pessoas do planeta sejam alérgicas a cachorros e gatos. Muitas vezes, as preocupações de colegas de trabalho podem ser superadas por meio de pequenos ajustes. Oli Malmed, que leva seu sprocker spaniel ao escritório da PassFort, uma empresa de automatização de "compliance" em Londres, diz que teve de lidar com os latidos de seu cachorro, a distração causada por ele e as queixas de um par de colegas alérgicos. "Se vemos uma dessas pessoas, temos de ir a um cubículo separado e ficar por lá naquele dia", ele disse. Mesmo assim, ter o cachorro com ele no escritório "é uma delícia", ele diz. "Passamos por um par de anos bem horríveis, e a leniência com relação a isso gera satisfação".

Mas ter cachorros no escritório nem sempre termina bem. Um animal costumava roubar sapatos de sob as mesas de outros trabalhadores; o dono do cachorro tinha de enviar um email aos colegas no final do dia para que eles pudessem recuperar os calçados. Outra trabalhadora pediu demissão, insatisfeita após o cachorro de um colega passar o dia todo farejando entre suas pernas.

Até mesmo as pessoas que amam cachorros podem encontrar dificuldades. Henry Sands, diretor executivo da consultoria política Sabi Strategy, levava seu labrador, que pesa 32 quilos, e seu spaniel, de 15 quilos, ao escritório regularmente, e eles costumavam pular em colegas distraídos. "Era um pesadelo. Eu passava o dia todo pedindo desculpas". Ele agora evita levar os cachorros, e encara com ceticismo a ideia de que os gestores precisem de cachorros para melhorar o moral do pessoal. "Não é uma solução real", ele diz. Na verdade, depois de ver que uma colega estava levando cachorros diferentes ao escritório a cada dia, ele percebeu que ela estava trabalhando como babá de animais.

Do ponto de vista do cachorro, ir ao escritório provavelmente é mais agradável do que ser deixado em casa. A Battersea Dogs & Cats Home recomenda que cachorros não sejam deixados sozinhos por mais de quatro horas. Outros argumentam que isso depende de cada cachorro, mas que a maioria deles prefere ter companhia. "Criamos cachorros há gerações e gerações para que eles desejem estar em companhia de seres humanos", diz Heather Bacon, professora sênior de veterinária clínica na University of Central Lancashire. Os gestores talvez se preocupem com o incômodo, mas "cachorros deveriam dormir de 15 a 18 horas por dia. Não precisam ser estimulados o tempo todo", ela diz.

No entanto, nem todos os cachorros apreciam o ambiente de escritório, e muito menos o caminho de casa até lá. Alguns filhotes sentiram falta de socialização durante a pandemia, e podem encontrar dificuldade para se adaptar a um escritório.

Para as empresas que ainda resistem a permitir a entrada de cachorros, a mudança pode vir do topo. "Muitas vezes, tudo começa quando o ou a chefe traz seu cachorro", diz Delanoeije. "E como é ele ou ela que faz as regras, caso decida trazer um cachorro, as outras pessoas terão de se adaptar".

A British Land e a Landsec, duas das maiores imobiliárias comerciais do Reino Unido, disseram ao Financial Times que estavam abertas a discutir a admissão de animais de estimação em seus edifícios. Um dos novos projetos da British Land, em Paddington, tem "um corredor especial para acesso de cachorros", e um escritório da Landsec em Victoria oferece um serviço de terapia para animais. Algumas empresas, especialmente na costa oeste dos Estados Unidos, oferecem benefícios aos proprietários de animais de estimação, entre os quais ajuda para adoção e licença quando um animal morre.

Os céticos podem ficar imaginando que mais os trabalhadores vão querer levar aos escritórios, depois de suas opiniões políticas e de seus cachorros. "As pessoas perguntam sobre trazer gatos", disse Bumps, da Ben & Jerry. "Na verdade, uma colega me perguntou se poderia trazer um pônei miniatura. E eu respondi que sim, com certeza! O presidente da companhia não concordou com a resposta, na época."

Tradução de Paulo Migliacci

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