Consumo consciente não diminuiu com a inflação, diz CEO da Riachuelo

Segundo Oswaldo Nunes, preocupação com sustentabilidade dos produtos permanece diante de cenário econômico adverso

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São Paulo

A inflação pode ter reduzido o poder de compra do brasileiro, mas não sua preocupação com a procedência sustentável dos produtos. Segundo Oswaldo Nunes, presidente-executivo da Riachuelo, os clientes estão cada vez mais atentos ao que estão consumindo —e esse hábito não foi alterado pelos atuais desafios econômicos do país.

"Eu acredito que esse processo, em que mais pessoas tomam decisões de consumo baseadas em crenças e convicções, permanece mesmo diante de um cenário adverso. O que pode acontecer é o consumidor reduzir um pouco suas compras", afirma.

Em entrevista à Folha, Nunes anunciou que a Riachuelo vai se comprometer a reduzir 30% de suas emissões de carbono em 2022. Ele cita como exemplo a produção de jeans, que usa em média três litros de água por peça, enquanto os processos tradicionais chegam a ultrapassar os 40 litros.

Oswaldo Nunes, presidente-executivo da Riachuelo, na matriz da empresa, em São Paulo - Zanone Fraissat/Folhapress

Diante dos desafios sociais que existem na indústria têxtil e dos sucessivos episódios de racismo em empresas do varejo, o executivo destaca o histórico da empresa.

"Felizmente a Riachuelo nunca esteve envolvida em nenhuma demonstração de racismo, de preconceito, nem em denúncia de trabalho escravo, precarização", afirma.

Como a popularidade do ESG [ambiental, social e de governança, na sigla em inglês] tem impactado o varejo de moda?

O Grupo Guararapes tem mais de 74 anos de atividade no Brasil. Somos o maior grupo de moda do país quando você considera as indústrias têxtil, confecção, varejo e [empresa] financeira. Não se constrói uma trajetória de desenvolvimento e crescimento se não houver boas práticas de gestão e transparência em relação a tudo que você faz.

É claro que a sociedade evolui, as pessoas também, e os comportamentos mudaram. No final de 2018, nós revisitamos todo o planejamento estratégico da companhia para tratar o tema de uma forma mais estruturada. Deixando claro quais rumos a sustentabilidade teria dentro da empresa, quais as grandes linhas de orientação para nossas prioridades e ações.

Qual é exatamente esse comportamento mais alinhado à sustentabilidade que o senhor percebe entre os consumidores?

Há uma parcela importante de consumidores que ainda tem baixo nível de conscientização sobre o tema, mas percebemos que há mais clientes preocupados com o que estão consumindo. Cada vez mais, os clientes querem saber da procedência dos produtos, quem os produziu, em quais condições as peças foram fabricadas…

Por isso, a necessidade de nós trazermos uma comunicação mais transparente e informar nossos clientes sobre as iniciativas que temos feito. Há quatro anos, por exemplo, nós estamos no índice de transparência do Fashion Revolution, de modo que o consumidor possa tomar conhecimento sobre o nosso trabalho e o cuidado que temos com a cadeia produtiva.

Desde 2017, a Riachuelo apoia o Instituto Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, e também estamos no aplicativo Moda Livre, que monitora a indústria têxtil.

Estamos passando por um momento em que o poder aquisitivo vem diminuindo, com a inflação aumentando. O consumidor continua consciente apesar desses fatores?

A inflação e os juros altos são temas que afetam a economia como um todo e trazem uma preocupação adicional, porque reduzem o orçamento disponível para compra depois de atendidas as necessidades básicas. Mas eu acredito que esse processo, onde mais pessoas tomam decisões de consumo baseadas em crenças e convicções, permanece mesmo diante de um cenário adverso. O que pode acontecer é o consumidor reduzir um pouco suas compras.

Qual é a estratégia de sustentabilidade da Riachuelo?

Dada essa evolução da sociedade e dos consumidores, nós revisitamos o tema para que fosse tratado de uma forma mais estruturada. A nossa estratégia deixou claro que as grandes linhas de orientação estariam ligadas à materialidade do tema dentro da nossa cadeia de valor.

Nós sabemos o quão desafiador é para a indústria da moda ter que lidar com uma cadeia extensa e complexa, mas temos uma vantagem comparativa importante. Somos o maior grupo de moda do Brasil e temos o maior parque fabril [da América Latina].

Mais de 60% da confecção feminina, masculina e infantil que vendemos nas nossas 330 lojas são produzidas em fábricas próprias. Por essa razão, podemos ter um maior controle da cadeia produtiva, acompanhando de perto cada etapa do processo. Anualmente recebemos parceiros de negócios como Disney, Warner e Universal, que fazem auditorias em todas as nossas fábricas, e nós alcançamos pontuações de 100% ou algo muito próximo disso em todas.

Na indústria têxtil, o consumo de água também é um tema relevante. A companhia tem iniciativas para contornar isso?

Temos sim. Em relação às fábricas próprias, nós temos uma unidade em Fortaleza que é dedicada ao jeans, e a atividade da indústria do jeans é uma das que mais poluem o meio ambiente. Nessa unidade, que produz mais de 5 milhões de peças por ano, além de utilizarmos energia de fontes 100% renováveis, nós tratamos 100% da água dos processos produtivos.

Metade é reutilizada dentro das linhas de produção, 30% é devolvida tratada para a companhia de água do estado e 20% nós usamos nas áreas de jardim e nos banheiros da fábrica. Nosso processo de produção usa em média três litros de água por peça, enquanto processos tradicionais usam 40 litros ou mais.

A Riachuelo tem metas socioambientais?

Estamos fixando uma meta de reduzir em 30% as nossas emissões de CO2 para 2022 [em comparação com 2019].

Essa seria a meta ambiental, certo?

Sim, mas tão importante quanto a redução dos impactos no meio ambiente é o lado social, que envolve toda a parte de diversidade, inclusão e igualdade.

Hoje nós temos quatro grupos instituídos para trabalhar as questões de gênero, raça, LGBTQIA+ e PCD. Tanto é que em nossa última pesquisa de engajamento, mais de 93% dos nossos colaboradores consideraram a Riachuelo uma empresa diversa e inclusiva. Isso é um dado importante, afinal de contas somos uma empresa intensiva em mão de obra, empregamos mais de 38 mil pessoas.

No Brasil, não são raros episódios considerados racistas em estabelecimentos de varejo —e não só no de moda. Como uma empresa pode evitar esse tipo de caso?

Primeiro é dando o exemplo dentro de casa. Tudo começa aí, com o mindset [mentalidade] da alta direção, os comportamentos... É isso que determina a cultura real que permeia todos os níveis e áreas da empresa e reflete na relação dos colaboradores com os clientes.

O Brasil é um país diverso, e é preciso respeitar isso. Felizmente a Riachuelo nunca esteve envolvida em nenhuma demonstração de racismo, de preconceito, nem em denúncia de trabalho escravo, precarização…

O senhor substituiu Flávio Rocha, que deixou o cargo para ser candidato à presidência [em 2018], mas depois desistiu. Atualmente ele é presidente do conselho de administração do Grupo Guararapes, mas mantém certa proximidade com o governo Bolsonaro. Esse envolvimento político afeta os negócios?

De jeito nenhum. O Flávio tem um papel hoje no conselho de administração da companhia, que é composto também por conselheiros independentes. A administração tem uma diretoria-executiva, da qual eu sou o executivo-chefe. Então não afeta em nada as nossas decisões, que têm uma visão clara de futuro, desenvolvimento, crescimento dos negócios, evolução do nosso modelo.

É nela que nós, com um time de diretores, pensamos todos os dias. Claro que [isso ocorre] dentro de uma governança interna bastante elevada e que, em 2022, ganhará mais força, porque estamos fazendo o movimento de ir para o [índice de] Novo Mercado [da Bolsa de Valores], onde vamos atuar no mais alto nível de governança corporativa.

Como o senhor vê o futuro do varejo sustentável?

Vejo a iniciativa privada cada vez mais envolvida com os temas de sustentabilidade. Quanto mais alinhamento da sociedade civil, iniciativa privada e todas as esferas do governo, melhor para todos. É claro que isso é uma jornada, e existem desafios que precisam ser vencidos. Um deles é ampliar o conhecimento sobre o tema perante a maioria da população.


RAIO-X

Oswaldo Nunes

Presidente-executivo da Riachuelo desde abril de 2018, já ocupou os cargos de vice-presidente, diretor de operações e diretor comercial na companhia. Graduado em Administração de Empresas, trabalha na Riachuelo há 39 anos.

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