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Criptocasal de Nova York executou o 'assalto do século'

Dupla é acusada de golpe de R$ 19 bilhões em bitcoins roubados

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Madison Darbyshire
Nova York | Financial Times

Em junho de 2020, Heather Morgan escreveu uma coluna para a Forbes intitulada "Dicas de especialista para proteger seus negócios dos cibercriminosos". Agora, as autoridades americanas alegam que ela era mais especialista do que parecia.

Na terça-feira (8), a empresária e rapper em ascensão foi presa, acusada de tentar lavar mais de US$ 3,6 bilhões (R$ 19 bilhões) em bitcoins roubados juntamente com seu marido, Ilya Lichtenstein. O governo dos Estados Unidos assumiu o controle desse valor —a maior apreensão financeira da história do Departamento de Justiça.

O órgão acusou o casal, agora detido, de empregar um "processo complexo de lavagem de dinheiro", mas não tentou vinculá-los ao roubo real, em um processo judicial de 20 páginas que relata as denúncias contra eles.

Ilustração de Heather Morgan na tela de um celular. Ao fundo, o logo do Bitcoin, em Washington - Olivier Douliery - 9.fev.2022/AFP

Samson Enzer, advogado do casal, argumentou em um documento na quarta-feira (9) que há "buracos significativos no caso do governo contra eles".

"Seus gráficos brilhantes não conseguem esconder as várias deficiências nas provas do governo e saltos conclusivos sem suporte", acrescentou Enzer, que não respondeu a novos pedidos de comentários.

Desde sua prisão sob a acusação de conspirar para cometer lavagem de dinheiro e fraudar os Estados Unidos, a especulação gira em torno de Morgan, 31, e Lichtenstein, 34, que levaram uma animada vida online durante mais de cinco anos enquanto supostamente tinham uma fortuna em criptomoeda roubada.

Em 2016, ladrões não identificados levaram 19.754 bitcoins, quase 1% da criptomoeda então em circulação. Desde então, seu valor saltou de US$ 71 milhões para mais de US$ 4,5 bilhões (R$ 23,6 bilhões).

O Departamento de Justiça alega que o casal converteu cerca de US$ 2,9 milhões (R$ 15,2 milhões) de bitcoins em moeda fiduciária. Mas as autoridades disseram que mais de 80% das criptomoedas roubadas permaneceram intocadas em contas associadas a Morgan e Lichtenstein, que se descreve como um empresário de tecnologia.

As denúncias específicas de lavagem de dinheiro feitas pelo governo envolvem quantias relativamente pequenas, incluindo a compra de um vale-presente de US$ 500 (R$ 2.620) do Walmart. O casal também teria comprado cartões-presente de Uber, Hotels.com e PlayStation.

O tamanho do roubo teria sido problemático para quem o planejou.

"Se eles tivessem roubado 500 bitcoins, ninguém se incomodaria em tentar encontrá-los, mas esse foi o assalto do século", disse Frank Weert, cofundador da Whale Alert, empresa de rastreamento e análise de blockchain. "Seria incrivelmente estúpido roubar tanta bitcoin."

Heather Morgan é uma autoproclamada "empreendedora serial, investidora [em software] e artista/rapper surrealista". Além de suas colunas regulares para a Forbes, ela também escreveu para a revista Inc sobre tópicos que vão de habilidades de liderança até "técnicas de manuseio de cobras para ajudá-lo a lidar com o estresse".

Sua biografia de autora da Forbes dizia: "Quando não está fazendo engenharia reversa no mercado negro para pensar maneiras melhores de combater fraudes e crimes cibernéticos, ela gosta de fazer rap e desenhar moda streetwear".

Uma artista de rap em ascensão, a rapper alterego de Morgan, Razzlekhan, vestida de lamê, cantou no YouTube sobre o sistema de saúde dos EUA, empreendedorismo e uma doença ginecológica chamada endometriose. Ela se descreveu como tendo uma "mentalidade de hacker" e disse que "seguir regras cegamente é para os tolos".

Lichtenstein era um fã dedicado dela. Sua proposta de casamento para Morgan em 2019 envolveu a compra de vários outdoors de Razzlekhan na Times Square em Nova York. Lichtenstein escreveu no Facebook que a personalidade de rapper de sua noiva era "surreal, misteriosa, assustadora e sexy... horripilante o suficiente para chamar a atenção e atraente o suficiente para que você não consiga desviar o olhar".

As denúncias de lavagem de dinheiro se concentram em Lichtenstein, que tem dupla cidadania dos EUA e da Rússia, embora tenha levado uma vida mais moderada na internet. "O rap dela está ofuscando a ficha dele", disse Nicholas Weaver, professor na escola de ciência da computação na Universidade da Califórnia em Berkeley.

Lichtenstein fundou uma empresa chamada EndPass em 2018, que foi descrita como "uma startup de blockchain que resolve problemas de identidade e autenticação descentralizada". Mais recentemente, ele dirigiu uma empresa de investimento anjo chamada Demandpath, de acordo com seu perfil no LinkedIn.

Em fotos nas redes sociais, seu apartamento em Manhattan, que eles parecem alugar, estava cheio de brinquedos para gatos, equipamentos para trabalhar em casa e para ginástica. O casal tem uma gata de Bengala chamada Clarissa, que eles passeiam na coleira. Morgan trabalhou e fez vídeos no YouTube sobre empreendedorismo, sucos e globos oculares protéticos em uma pequena mesa decorada com colagens de cartões postais e moedas do Cazaquistão e do Vietnã.

Seu advogado argumentou em documentos judiciais pedindo fiança que eles não apresentavam risco de fuga porque seus embriões congelados estavam em um hospital de Nova York. "O casal nunca fugiria do país sob o risco de perder o acesso à sua capacidade de ter filhos, o que eles estavam planejando este ano até que suas vidas foram interrompidas por suas prisões", escreveu Enzer.

Ele também disse que o casal sabia estar sob investigação desde novembro e tinha acatado as autoridades desde que o Departamento de Justiça vasculhou seu apartamento em 5 de janeiro, apreendendo documentos de viagem e computadores.

O departamento alega que essas buscas foram frutíferas —e "coloridas". Ele afirma que códigos para os bitcoins desaparecidos foram encontrados em um arquivo na conta de nuvem de Lichtenstein, que "continha uma lista de 2.000 endereços de moeda virtual... quase todos diretamente ligados ao hack".

Um documento eletrônico, rotulado "ideias de passaporte", incluía links para fornecedores da darknet que, segundo a Justiça, pareciam vender identificação falsa. Outro continha o nome de um banco russo que um membro do casal apelidou de "esboço de banco de oligarca russo". A conta em nuvem de Lichtenstein supostamente continha uma pasta chamada "personas" com documentos de identificação falsos.

"Ser inteligente não impede que você seja idiota", disse David Gerard, autor de "Attack of the 50-foot Blockchain". Ele disse que o bitcoin era mais difícil de lavar do que outras criptomoedas porque é mais facilmente rastreado no blockchain.

O Departamento de Justiça afirma que o casal às vezes usava seus nomes e endereços reais ao criar contas em Bolsas regulamentadas, que mais tarde foram usadas para comprar ouro com bitcoin. Weaver disse que em uma investigação dessa natureza "um erro se torna a migalha de pão que pode ser seguida".

Em seu site, Razzlekhan, que se autodenominava a "Crocodilo de Wall Street", escreveu que estava sempre forçando os limites do possível. "Se isso leva a algo maravilhoso ou terrível não está claro; a única certeza é que não será chato nem medíocre."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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