Proposta de ministro do TCU ameaça privatização da Eletrobras

Vital do Rêgo quer determinar recálculo de bônus a ser recebido pela União, e governo busca combater tese

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Brasília

O ministro do TCU (Tribunal de Contas da União) Vital do Rêgo deve propor um recálculo do bônus a ser pago pela Eletrobras à União e, caso a determinação seja confirmada pelo plenário, o governo enfrentará dificuldades para concluir a privatização da estatal ainda neste ano.

O plenário do TCU deve se reunir para aprovar a primeira etapa do processo na próxima terça-feira (15), em meio a uma batalha travada em torno do valor da outorga pela renovação de contratos de hidrelétricas que hoje geram energia com subsídio federal (regime de cotas).

O ministro Vital do Rêgo deve propor uma determinação para que o bônus a ser pago à União, calculado em R$ 25,3 bilhões, seja ampliado para incorporar a capacidade de entrega rápida de energia por essas usinas em horários de pico. O número, segundo pessoas que participam das discussões, ainda não está fechado, mas será muito maior.

Logotipo da Eletrobras exibido em uma tela no piso da Bolsa de Valores de Nova York, em abril de 2019. - REUTERS

A chamada potência, no jargão do setor, hoje não integra os cálculos do valor da outorga, que estaria subestimada na avaliação do gabinete do ministro.

O governo busca combater a tese de Vital do Rêgo, mas integrantes da corte têm se mostrado abertos ao argumento do ministro.

Além disso, o posicionamento do recém-empossado ministro Antonio Anastasia é considerado uma incógnita. Quando era senador pelo PSD de Minas Gerais, Anastasia votou contra o projeto de lei que autoriza a privatização.

Há preocupação nos bastidores do tribunal em calcular o valor da outorga corretamente, considerando a potência das usinas em horários de pico, para não provocar dano ao erário.

Em defesa de sua posição, Vital do Rêgo afirma que Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) realizou, em dezembro de 2021, o primeiro leilão de potência no Brasil, o que daria lastro à inclusão desse produto no cálculo do bônus.

Na última reunião do ano, quando essa discussão veio à tona, o ministro disse que era impossível admitir que esse cálculo não fosse feito, sob pena de prejudicar o consumidor que, em um cenário de escassez de energia como o atual, teria de arcar com essas diferenças na fatura da conta de luz.

Técnicos do governo Jair Bolsonaro (PL) argumentam que não há como precificar essa capacidade e esperam que a tese seja derrotada em plenário.

Nos bastidores, a proposta do ministro é considerada absurda. Segundo uma fonte ouvida pela Folha, seria o equivalente a pedir para incorporar nas estimativas os efeitos de uma eventual aprovação da reforma do Imposto de Renda (IR) que ainda está em discussão no Congresso Nacional.

No início de fevereiro, o governo emitiu uma nota reafirmando o cálculo do bônus. "O Ministério de Minas e Energia e o Ministério da Economia reafirmam que os estudos enviados ao TCU expressam de forma fidedigna o resultado do valor da outorga."

A assembleia geral extraordinária de acionistas da Eletrobras para deliberar sobre a capitalização da companhia –operação em que a participação da União será diluída, e os acionistas privados se tornarão maioria– está convocada para 22 de fevereiro.

A avaliação no governo é que o valor da outorga precisa fazer sentido para os acionistas, principalmente os minoritários, cujo aval é necessário para avançar com a operação.

Por isso, a manifestação do TCU é considerada essencial para dar maior segurança às próximas etapas do processo, que incluem a modelagem da operação e a oferta de ações. Esses passos precisam ser concluídos até 13 de maio.

A expectativa do governo é que prevaleça a tese do ministro relator, Aroldo Cedraz, que valida o valor dos contratos em R$ 67 bilhões e o bônus à União em R$ 25,3 bilhões, como estipulado pelo CNPE (Conselho Nacional de Política Energética).

A Eletrobras será capitalizada por meio de uma oferta de ações em mercado, que não será acompanhada pela subscrição de novas ações pela União, hoje acionista controladora da companhia. Com isso, o governo terá sua participação diluída.

O dinheiro obtido pela Eletrobras será usado na renovação de contratos de usinas hidrelétricas, para poder comercializar a energia a preços livres. Hoje, essas unidades operam no regime de cotas, suficiente apenas para custos de operação e manutenção.

No cálculo do valor da outorga, o CNPE considera a quantidade média de energia a ser entregue pela usina, independentemente do horário e das oscilações de demanda do sistema elétrico.

No entanto, técnicos do TCU, durante a análise do processo, levantaram questionamentos sobre a desconsideração do fator potência, que é a capacidade de fazer entregas rápidas de energia em curto espaço de tempo.

Em horários de pico, em que o ONS (Operador Nacional do Sistema) precisa acionar rapidamente novas geradoras de energia para suprir a demanda, usinas hidrelétricas têm uma resposta mais ágil do que outras fontes de energia, como algumas térmicas, eólicas e solares.

Por isso, a potência das usinas hidrelétricas é um atributo valioso para entrega instantânea de energia em horários de maior demanda.

Os próprios técnicos da corte de contas, porém, reconheceram depois que o marco regulatório do setor elétrico não prevê hoje essa separação de elementos, energia e potência. Nesse sentido, não haveria base para incluir esse fator numa expectativa de lucros futuros da Eletrobras.

Técnicos ouvidos pela reportagem afirmam que, embora um primeiro leilão de potência tenha sido realizado pela Aneel, não há ainda parâmetros suficientes para estabelecer o preço desse produto com segurança.

Do ponto de vista societário da Eletrobras, segundo esses técnicos, seria uma ação temerária aprovar o pagamento de uma outorga à União definida a partir dessas premissas.

Outra observação feita nos bastidores é a de que, se de um lado a separação do valor da potência contribui para ampliar o valor do bônus devido à União, a mesma operação acaba desvalorizando o valor do produto energia, uma vez que quem contratou potência terá prioridade na entrega. Isso faria a balança pender para o lado contrário, e o saldo final é considerado uma incógnita.

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