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Revisão do Plano Diretor de SP divide urbanistas sobre temas e prazo

Arquitetos temem aprovação apressada de alterações; mercado pede maior liberdade

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Prédios e casas vistos de cima

Prédios e casas no bairro do Tatuapé, em São Paulo Eduardo Knapp/Folhapress

São Paulo

A revisão do PDE (Plano Diretor Estratégico) da capital paulista estava prevista para ocorrer em 2021, mas teve seu prazo prorrogado para o final de julho deste ano por causa da pandemia. Para urbanistas, ainda é pouco tempo.

A SMUL (Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento) diz, em nota, que a prefeitura cumpriu etapas importantes em 2021 e retoma os debates em estágio avançado.

Porém, para Simone Gatti, urbanista, professora da Escola da Cidade e membro do CMPU (Conselho Municipal de Política Urbana), o processo de revisão não foi iniciado de fato, o que resulta em seis meses para analisar dados, fazer reuniões com moradores, receber propostas e elaborar o texto. "É inviável", afirma.

A SMUL já divulgou um monitoramento do PDE e informou que 68% dos instrumentos urbanísticos previstos foram efetivados. Para Gatti, esses dados ainda precisam passar por uma análise.

A secretaria afirma que o relatório divulgado utiliza "os dados mais atuais disponibilizados por fontes diversas" para traçar um retrato da aplicação do plano, e que vai apresentar um diagnóstico que contribuirá com a formulação das propostas de revisão.

O PDE tem regras e incentivos para direcionar as construções. As linhas gerais do plano atual, de 2014, incentivam o adensamento nos eixos de transporte —regiões que possuem infraestrutura com metrô, trem e/ou corredores de ônibus—, para diminuir a distância entre moradia e trabalho e desincentivar o uso do carro.

O primeiro passo para a revisão é definir o que poderá ser alterado, tarefa iniciada neste mês.

Representantes do mercado imobiliário e urbanistas concordam em um ponto: a intenção do PDE é boa, mas sua aplicação tem distorções.

Segundo Claudio Bernardes, colunista da Folha e vice-presidente do Secovi-SP (Sindicato da Habitação), as regras atuais para construção nas regiões de eixo de transporte forçam a criação de muitas unidades iguais, que distorcem o mercado.

O resultado seria apartamentos muito pequenos, para alto índice de aproveitamento dos terrenos, mas caros. Dados do Secovi-SP mostram que 76% das novas unidades lançadas na cidade em 2021 tinham até 45 m².

Segundo Alberto Ajzental, coordenador do curso de Desenvolvimento de Negócios Imobiliários da FGV (Fundação Getulio Vargas), as regiões de eixo de transporte da capital poderiam ser tratadas de forma mais segmentada, com regras que variem conforme as características dos bairros. As áreas fora desses eixos também poderiam ter requisitos mais permissivos, entre eles, maiores limites para altura dos edifícios.

"O rico existe, você não vai tirar o rico [da cidade]. A classe média existe, precisa morar", afirma ele.

Ajzental critica também os incentivos para fachada ativa, construções onde o andar térreo é destinado ao comércio. Segundo ele, não há demanda para tantas lojas.

Bianca Tavolari, advogada e criadora do Observatório da Revisão do Plano Diretor de São Paulo, do Insper, tem outra perspectiva. Ela afirma que o problema é a falta de estímulo a moradias mais baratas nos eixos de transporte.

"Será que a política de adensar onde tem transporte consolidado funcionou igualmente em todos os lugares? Uma coisa é Pinheiros, Vila Madalena, mas e na periferia?", questiona Tavolari.

Laisa Stroher, pesquisadora ligada ao LabCidade, da FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo), analisa que falta controle sobre quem está morando nas habitações construídas a partir de incentivos do município para produzir moradia de interesse social.

Stroher diz que a crise econômica causada pela pandemia, e os despejos ocorridos no período, aprofundaram o adensamento populacional nas periferias e o aumento da população em situação de rua.

A SMUL afirma que há um decreto que estabelece critérios para a comercialização de unidades de habitação de interesse social, como as notas dos Alvarás de Construção, em que o proprietário fica obrigado a comercializar as unidades conforme estabelece o Plano Diretor.

Diz ainda que todas as unidades habitacionais entregues por meio da Sehab (Secretaria Municipal de Habitação) são destinadas às famílias da faixa 1 (que recebem até três salários mínimos) e que, desde 2017, foram entregues mais de 32 mil moradias populares.

Nabil Bonduki, professor da FAU-USP, relator do PDE de 2014 e colunista da Folha, critica a energia gasta com a discussão em torno da revisão do plano, em vez de destiná-la para o cumprimento das medidas já delimitadas.

Para ele, o poder público fez pouco para criar mais moradias de interesse social e não utilizou totalmente os recursos municipais reservados para esse fim, que poderiam ser usados, por exemplo, na compra de terrenos ou imóveis ociosos.

A justificativa da secretaria para os recursos não utilizados é que foi uma ação prevista para aguardar a regulamentação do programa habitacional Pode Entrar, que deve ocorrer em março.

A pasta afirma que esses valores "serão utilizados para produzir casa própria para famílias sem comprovação de renda ou que não tenham acesso ao sistema bancário". O programa também permitirá a compra de imóveis da iniciativa privada.

Os especialistas consultados pela Folha afirmam que há risco de judicialização do processo de revisão, o que atrapalharia o cumprimento do prazo estipulado.

Os embates já começaram. No ano passado, a prefeitura contratou a FDTE (Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia) para fazer o diagnóstico do andamento do PDE, sem licitação, por R$ 3,5 milhões.

Guilherme Boulos e o coletivo Bancada Feminista (PSOL), com mandato na Câmara Municipal, moveram ação popular contra o contrato, questionando a falta de licitação. A contratação foi suspensa pelo Tribunal de Justiça do estado em agosto.

Em outubro, o CMPU, órgão que une integrantes da prefeitura e da sociedade civil, aprovou que o prazo da revisão fosse adiado para dezembro de 2022, sendo prorrogável até o final de 2023. A Câmara Municipal preferiu, porém, dar prazo de seis meses para as mudanças.

Simone Gatti, do CMPU, diz que a maioria dos representantes da sociedade civil no órgão considera o prazo de julho "em desconformidade". Ela diz se preocupar com o fato de que os moradores da cidade têm apenas uma semana, entre 7 e 11 de março, para debater o diagnóstico do PDE, "que até agora não existe".

Gatti critica também o fato de o debate ser apenas via internet nessa semana, "o que limita a participação da população residente nas periferias, com grandes limitações ao acesso digital".

A SMUL diz que o cronograma e a metodologia que foram aprovados asseguram o debate com a sociedade em canais diversos, como consultas e audiências públicas, sem prejuízo ao processo participativo".

Para Bernardes, do Secovi-SP, um possível novo adiamento seria má notícia para a cidade. "É possível encontrar a melhor solução dentro do nível de informação que temos no momento, o que não dá é para não fazer nada", diz.

Já os urbanistas discordam. Para eles, revisar o PDE sem entender de fato como está sua aplicação pode piorar os problemas da cidade e distorcer ainda mais os ideais da política paulistana.

"Acredito que, se uma judicialização ocorrer, é porque o processo não está sendo feito de forma correta e não está atendendo o interesse público, ou não garantindo ampla participação da sociedade", afirma Gatti.

O Ministério Público do estado informou, em reunião com secretário municipal de urbanismo e licenciamento, Marcos Duque Gadelho, no último dia 9, que o prazo de seis meses para a entrega do plano não pode servir para que o município atropele procedimentos e restrinja a efetiva participação popular, e que, se houver necessidade de ampliação do prazo legal, se coloca à disposição para elaborar um termo de ajustamento de conduta.


Calendário da revisão

Fevereiro 

  • Constituição de grupo de trabalho com membros do CMPU (Conselho Municipal de Política Urbana) e da SMUL (Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento) para definir os limites da revisão do PDE (Plano Diretor Estratégico)e detalhar os métodos de participação da sociedade

Março 

  • Apresentação do Relatório de Monitoramento do Plano Diretor
  • Diagnóstico e seleção dos temas prioritários da revisão do PDE
  • Reuniões temáticas virtuais, nos dias 7, 8, 9, 10 e 11/3
  • Consulta pública na plataforma Participe+, durante toda a revisão
  • Devolutiva das reuniões temáticas em 24/3

Final de março a maio 

  • Formulação coletiva de propostas para a revisão do PDE
  • Oficinas regionais, em 26/3 e 2, 9 e 30/4
  • Atividade devolutiva em 14/5

Junho

  • Elaboração da minuta do projeto de lei da revisão
  • Audiências públicas regionais para apresentar a minuta inicial, em 1º, 2, 3, 6, 7, 8, 9 e 10/6
  • Minuta participativa online
  • Audiência com apresentação da minuta final, em 31/6

Fonte: SMUL

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