Jair Bolsonaro espumou de raiva quando a Petrobras decidiu fazer um baita reajuste de combustíveis, em março. Desde então, queria a cabeça de Silva e Luna. Além de aplacar a sua raivinha, o que pode conseguir com a nomeação do terceiro presidente da empresa em três anos e três meses de governo?
Primeiro, jogar para a galera. Segundo pesquisa Datafolha deste mês, 68% do eleitorado diz que o governo Bolsonaro é responsável pelos aumentos dos combustíveis. Talvez Bolsonaro queira salvar uns votos dizendo que "tentou", mas que o "sistema" não o deixa trabalhar.
A fim de fazer que a demissão renda mais, que resulte em uma intervenção nos preços, por exemplo, teria de cometer uns crimes e contravenções. Mais do que isso, teria de convencer a nova direção da empresa a ser cúmplice.
O novo presidente da empresa será Adriano Pires, professor da UFRJ e fundador e sócio do Centro Brasileiro de Infraestrutura. Na maior parte da carreira, defendeu políticas "liberais", para resumir. Nos últimos tempos, era meio lobista e consultor de empresas e interesses bem pouco liberais. Ainda assim, teria de renegar muito do que pregou durante a vida para fazer o que Bolsonaro quer. Fora o risco de processo.
Bolsonaro queria nomear Rodolfo Landim, presidente do Flamengo. Mas Landim não queria ficar no dia a dia da empresa e, segundo rumor no Planalto, seria preciso colocar um nome "técnico" no comando. "Técnico", "liberal" ou não, Pires tem de cumprir leis e estatutos da petroleira.
A Lei das Estatais proíbe intervenções várias na empresa. Na prática, a Petrobras tem de ser administrada quase como uma empresa privada, afora uma ou outra imposição menor e explícita da lei.
Qualquer desvio do "curso normal dos negócios", como a venda de produtos a preços abaixo da cotação de mercado, teria de: 1) estar definida em lei, regulamento, prevista em algum tipo de acordo público com o governo federal (no caso); 2) "ter seu custo e suas receitas discriminados e divulgados de forma transparente, inclusive no plano contábil".
O estatuto da comercializadora de combustíveis da Petrobras diz que, "se as obrigações e responsabilidades a serem assumidas são diversas às de qualquer outra sociedade do setor privado que atue no mesmo mercado", a Petrobras deverá ressarcir a comercializadora pelo prejuízo.
Se a Petrobras fizer tal coisa, terá problema com os acionistas minoritários, para começar, e com a Lei das Sociedades Anônimas. Mas passemos. Alguém pode dizer que isso é especulação legalista. Afinal, Bolsonaro prometeu dar um golpe na eleição e ficou por isso mesmo.
O governo poderia mudar os estatutos da empresa. Pode fazer mais, mesmo cumprindo a Lei das Estatais, na qual se prevê "a consecução de objetivos de políticas públicas".
O governo Bolsonaro fez alguma coisa nesse sentido? Não. É complicado fazer tal coisa? É. O artigo 90 da Lei das Estatais diz o seguinte: "As ações e deliberações do órgão ou ente de controle [União, no caso] não podem implicar interferência na gestão das empresas públicas e das sociedades de economia mista a ele submetidas (...)".
No mais, ao meter a mão na empresa outra vez, Bolsonaro aumenta os custos financeiros da companhia, "tudo mais constante" (quem vai emprestar dinheiro à Petrobras ou comprar suas ações vai colocar na conta do preço o risco de um "dedaço" governamental).
De leve, o problema é contagioso, afeta o "ambiente de negócios". Trata-se de um país em que o governo pode tentar levar os lucros de modo arbitrário. Não é animador para quem quer investir em refinarias, por exemplo.
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