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CPI pede explicações sobre suposta campanha de desmobilização para o iFood

Caso também é levado a Ministério Público do Trabalho; empresa nega ter contratado campanha para influenciar entregadores

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São Paulo

A vereadora Luana Alves (PSOL), da Câmara Municipal de São Paulo, encaminhou nesta semana convocações para que representantes de empresas que teriam sido contratadas pelo iFood para desmobilizar manifestações de entregadores sejam ouvidas na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) dos Aplicativos —que investiga a situação trabalhista de colaboradores de aplicativos, além de contratos e pagamentos de impostos dessas empresas.

Segundo reportagem da agência Pública, o aplicativo de entregas teria contratado duas empresas —a Benjamim Comunicação e a Social Qi— para montar estratégias de ação nas redes sociais, com a criação de perfis falsos que criticavam movimentos como o Breque dos Apps, lançado em julho de 2020 para reivindicar melhores condições de trabalho.

De acordo com a Pública, a campanha também disseminava suspeitas quanto às motivações de manifestações de grupos de entregadores.

O iFood diz que nunca teve relação comercial com a Social QI e que "não compactua com geração de informações falsas, automação de publicações por uso de robôs ou compra de seguidores".

A empresa afirma ter iniciado uma investigação interna sobre o assunto e nega ter contratados agências para desmobilizar entregadores.

Entregadores durante a primeira grande manifestação, em 1º de julho de 2020 - Bruno Santos-01.jul.20/Folhapress



O Ministério Público do Trabalho também recebeu nesta quinta (7) uma representação encaminhada pelo deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), pedindo que o caso seja investigado. Segundo a procuradoria do trabalho, um procedimento inicial de apuração será aberto. Depois, se o procurador considerar necessário, inicia um inquérito civil.

Reportagem mostra campanha para desmobilizar entregadores

Segundo a Pública, documentos mostram que as duas agências criaram perfis nas redes sociais para, por meio de memes e piadas, levantarem dúvidas sobre a legitimidade das manifestações de entregadores.

Esses perfis também apareciam rebatendo publicações favoráveis aos protestos e se infiltravam em grupos e páginas de discussão, segundo a agência.

A campanha organizada pelas empresas teria começado após o primeiro Breque dos Apps, manifestação nacional que, durante uma das fases mais críticas da pandemia, pedia fornecimento de álcool gel, aumento no valor das taxas mínimas e melhores condições de trabalho, de acordo com a Pública.

De acordo com a reportagem da Pública, um dos atingidos pela campanha foi Paulo Lima —conhecido como Galo—, líder do grupo Entregadores Antifascistas que ganhou projeção durante o Breque. Ele é citado em um vídeo no qual uma funcionária de uma das agências afirma que "matou o Galo", ao insinuar que ele tinha motivações políticas. A mulher diz que ele seria candidato.

No Twitter, Galo diz que sua base de apoio não estava pronta para uma candidatura e que isso seria fundamental para que ele tomasse essa decisão. "Confesso que me chamou atenção o medo deles de os entregadores irem por esse caminho", afirmou, na rede social.

Entregadores afirmam que desconfiavam de infiltração

Segundo a vereadora Luana Alves, que convocou as agências, há indícios de uma estratégia articulada de desmobilização e de que as posições contrárias ao Breque não fossem espontâneas.

"As críticas eram direcionadas para desacreditar aqueles que apareciam como lideranças organizadas, mas não tínhamos evidências de autoria", afirma a parlamentar.

Entregadores ouvidos pela Folha dizem que desde as primeiras manifestações, em 2020, havia desconfiança de que as empresas de entregas (não apenas o iFood) bancassem críticas aos movimentos e tivessem infiltrados em grupos e páginas de conversa.

O nível de organização relatado na reportagem da Pública surpreendeu entregadores ouvidos pela Folha. "A gente desconfiava muito, mas não imaginava que fosse nesse nível, só para desmobilizar e fazer com que a gente não lute", diz Edgar Francisco da Silva, o Gringo, presidente da Amabr (Associação dos Motofretistas de Aplicativos e Autônomos do Brasil).

Gringo diz que a convicção de que havia dinheiro financiando ações se formou durante um protesto no Pacaembu, em abril de 2021, cuja pauta seria a prioridade na vacinação contra a Covid-19.

Segundo a reportagem da Pública, a reivindicação foi fabricada pela agência de conteúdo digital contratada pelo iFood.

"Quando chegamos lá, os caras estavam com adesivos, umas faixas, tudo muito bem feito. Teve até um carro de som. Uma vez tentamos alugar um e chegava a R$ 5.000. Adesivo é caro de fazer. A gente faz mobilização com 5.000 motoca e não consegue alugar um caminhão. Era muito estranho", afirmou à Folha.

O entregador Ralf Elisário, dono do canal Ralf MT no Youtube e que é visto como uma liderança, diz também à Folha ter sido o primeiro a denunciar que a página Não Breca Meu Trampo, no Facebook, seria bancada por empresas de entrega. Segundo reportagem da Pública, o perfil foi criado dentro da estratégia contratada pelo iFood para desmobilizar os entregadores.

Depois do Breque dos Apps de 1º de julho de 2020, os entregadores se mantiveram mobilizados e tentaram realizar novas manifestações de grande porte, mas não conseguiram o mesmo nível de mobilização da primeira.

A página foi criada em 9 de julho de 2020, pouco mais de uma semana depois do Breque. Em uma de suas publicações, defende que "a maioria dos motoca" "prefere trampar pra diversas empresa, sem essa de carteira assinada."

O pleito por carteira assinada não é um consenso entre os entregadores, mas é uma unanimidade entre as empresas: elas são contra a possibilidade de os motociclistas serem considerados seus funcionários.

Outro youtuber, que se identifica apenas pela alcunha de "Príncipe das Entregas", afirma que a revelação da Pública "muda 100% a relação com o iFood".

O influenciador, que não se considera uma liderança entre os entregadores, foi um dos convidados pelo aplicativo para um fórum realizado no fim do ano passado. Agora, ele diz que não quer conversa com a empresa.

"É uma sacanagem. Eles chamam a gente de parceiro, e eu te pergunto, isso é coisa de parceiro? Não é."

Vereadora aponta discrepância de dados fornecidos pelo iFood

A vereadora Luana Alves também afirma ter encontrado uma discrepância entre os dados enviados pelo iFood à CPI e os publicados na reportagem da Pública.

Segundo ela, nos documentos encaminhados pela empresa consta que a maioria dos profissionais atua na plataforma apenas parcialmente e não tem nas entregas a principal fonte de renda. Em média, os entregadores trabalhariam seis horas por dia, de acordo com os documentos encaminhados à comissão de inquérito.

"Os dados que a agência [citada pela Pública] usa não batem com os dados que o iFood nos enviou com relação às horas trabalhadas e ao tempo que cada um fica logado. Para a CPI, é muito importante que eles nos expliquem isso."

A CPI da Câmara de São Paulo começou a trabalhar em outubro de 2021 e, inicialmente, trataria apenas do transporte individual, mas acabou incluindo também as plataformas de entrega.

A comissão tem dois braços principais, um que trata de recolhimento de impostos e taxas municipais, e outro que tenta definir parâmetros para os profissionais. Nesse último, Luana Alves diz que os parlamentares querem garantir que os entregadores e motoristas não trabalhem em jornadas exaustivas.

OUTRO LADO: iFood diz não ter contratado campanha

Em nota, o iFood diz que nunca teve relação comercial com a Social QI, e "reafirma que suas comunicações institucionais são realizadas apenas por seus canais oficiais, e que não compactua com geração de informações falsas, automação de publicações por uso de robôs ou compra de seguidores."

A empresa afirma, em seu site, ter iniciado uma investigação interna sobre o assunto e nega ter contratados agências para desmobilizar entregadores.

O iFood não respondeu se trabalha no momento com agências citadas na reportagem da Pública ou se já entrou em contato com os participantes do Fórum Nacional de Entregadores.

A Folha não localizou representantes das agências citadas pela Pública. A Benjamim Comunicação não tem site ou telefone público. Uma sócia da empresa foi procurada por meio da rede social de trabalho LinkedIn, mas não respondeu.

​Na Social Qi, ninguém atendeu o telefone nesta quinta (7). O link para contato por meio de WhatsApp, disponível no site da empresa, está desativado.

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