Funcionários do Twitter tentam entender a nova vida sob Musk

Temor vai de remuneração a mudança de sede; bilionário já estaria espantando novas contratações

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Kate Conger
The New York Times

Em janeiro de 2020, milhares de empregados do Twitter se reuniram em Houston para uma reunião corporativa chamada #OneDream (#UmSonho). Durante o evento, Jack Dorsey, então o presidente-executivo da companhia, revelou que tinha um convidado surpresa. Então, com um aceno e um sorriso, Elon Musk apareceu em um telão por sobre o palco. A plateia celebrou, aplaudiu e ergueu os punhos. "Nós te amamos", gritou um dos trabalhadores do Twitter.

Dentro da empresa hoje, surpresas relacionadas a Musk têm efeito diferente. Empregados dizem que em geral deixaram de aplaudir o homem mais rico do planeta desde que ele declarou sua intenção, no começo deste mês, de tomar o controle do Twitter, revogar suas normas de moderação e fechar o capital da companhia. Na segunda-feira (25), o Twitter anunciou que havia aceitado a oferta de Musk para adquirir a companhia por cerca de US$ 44 bilhões (R$ 214 bilhões).

Enquanto a luta pelo controle acionário transcorria, nas duas últimas semanas, os empregados do Twitter se disseram frustrados por terem ouvido pouco dos gestores sobre o que a transação significaria para eles, mesmo no momento em que o acordo definitivo com Musk parecia estar se aproximando, na manhã de segunda-feira.

Eles perguntaram a Parag Agrawal, o presidente-executivo da empresa. Eles perguntaram a Musk diretamente, via Twitter. E alguns até procuraram a corretora Charles Schwab, que administra as opções de ações dos empregados da empresa, em busca de esclarecimentos sobre o impacto que uma venda do Twitter teria sobre eles.

Elon Musk, CEO da Tesla e dono do Twitter - Michele Tantussi - 17.mai.2021/Reuters

Mas não receberam muitas respostas antes que a oferta de Musk fosse aprovada, disseram 11 empregados do Twitter, que falaram sob a condição de que seus nomes não fossem mencionados porque não estão autorizados a se pronunciar publicamente, embora estivesse se tornando cada vez mais claro que em breve se reportariam a Musk.

Na tarde de segunda-feira, Agrawal e o presidente do conselho do Twitter, Bret Taylor, por fim realizaram uma reunião com os empregados para discutir a transação. A remuneração continuaria a ser mais ou menos a mesma sob o comando de Musk, disse Agrawal, mas ele não ofereceu garantias semelhantes sobre as normas e a cultura da empresa.

"Nossas normas sempre passaram por evolução constante", disse Agrawal em resposta à pergunta de um empregado sobre se o ex-presidente Donald Trump seria autorizado a voltar a usar a plataforma. "Quando a transação for concluída, não sabemos que direção a companhia tomará".

O silêncio que pendia sobre as negociações acontece rotineiramente em disputas de controle acionário, disse Taylor aos empregados. Enquanto o conselho discute com financistas, advogados e dispendiosas consultorias de relações públicas, os trabalhadores muitas vezes são deixados no escuro. Mas para os empregados do Twitter, uma empresa que gosta de se descrever como o lugar em que o mundo se encontra, descobrir o que está acontecendo dentro da empresa primariamente por meio de tuítes, no serviço que eles construíram, foi uma experiência especialmente desagradável.

Depois de anos de disputas de liderança, pedidos de mudança feitos por investidores ativistas e dos tuítes de Trump, que sempre desafiavam os limites das regras de uso, os mais de 7.000 empregados do Twitter estão acostumados ao tumulto. Mas alguns deles dizem que a tomada de controle pelo temperamental bilionário os está afetando de maneiras que outras crises na companhia não fizeram.

Os empregados se declararam preocupados com a possibilidade de que Musk desfaça os anos de trabalho que realizaram para limpar os quadrantes mais tóxicos da plataforma, que ele prejudique a parte de sua remuneração que envolve ações ao fechar o capital da empresa, e que ele desordene a cultura do Twitter, com seu estilo de gestão imprevisível e pronunciamentos abruptos.

Mas Musk também tem seus fãs entre os empregados comuns do Twitter, e alguns deles receberam sua proposta positivamente. Em uma mensagem interna de Slack vista pelo The New York Times que perguntava se os empregados estavam entusiasmados quanto a Musk, cerca de 10% das pessoas responderam com um emoji de "sim". Um porta-voz do Twitter se recusou a comentar.

Se vale a pena adquirir o Twitter, boa parte do valor da companhia está nos empregados que construíram e administram o serviço, disse David Larcker, professor de contabilidade e governança corporativa na Universidade Stanford. "A incógnita é, e se a empresa se tornar muito diferente daquela para a qual essas pessoas achavam estar trabalhando? É uma relação de trabalho desconfortável", ele disse.

Musk deixou algumas de suas intenções claras em documentos encaminhados às autoridades regulatórias, tuites e pronunciamentos públicos. A empresa deve abandonar a maior parte de suas normas de moderação, que proíbem conteúdo como ameaças violentas, assédio e spam. Deve oferecer mais transparência sobre o algoritmo que usa para promover tuites nos newsfeeds de usuários. E deve fechar seu capital.

O Twitter vem expandindo suas normas de moderação de conteúdo desde 2008, quando o 25º empregado da companhia foi contratado especificamente para combater qualquer abuso da plataforma. As equipes que supervisionam a moderação de conteúdo e a segurança agora abarcam centenas de trabalhadores.

Muitos empregados do Twitter se sentem pessoalmente investidos nos esforços da empresa para encorajar um diálogo saudável –mesmo que não trabalhem diretamente com moderação de conteúdo– e pressionaram os executivos para que estes reprimam ainda mais a retórica hostil e a desinformação, disseram seis dos empregados. Eles veem a proposta de Musk para retornar à abordagem anterior, e frouxa, do Twitter como uma rejeição ao seu trabalho.

Mas outros empregados argumentaram em mensagens internas vistas pelo The New York Times que seus colegas de trabalho haviam se deslocado demais para a esquerda do espectro político, e que isso tinha levado os trabalhadores da empresa que apoiam os planos de Musk a se sentirem desconfortáveis demais para se pronunciar. Em uma pesquisa conduzida pelo Blind, um app de resenhas sobre locais de trabalho que conduz levantamentos anônimos, e envolvendo quase 200 empregados do Twitter, 44% deles se declararam neutros quanto a Musk. Outros 27% disseram amá-lo, a mesma proporção dos que declararam odiá-lo.

Ainda que executivos e empregados do Twitter tenham concordado com Musk quanto às mudanças no algoritmo do Twitter, esse trabalho está apenas começando e pode demorar anos para ser concluído. O que talvez venha a representar um teste para uma característica pela qual Musk não é conhecido: a paciência.

Uma das maiores preocupações entre os trabalhadores do Twitter é sobre se eles sofrerão um baque financeiro com a aquisição por Musk. Muitos dos trabalhadores da empresa recebem 50% ou mais de sua remuneração em forma de ações da companhia. Alguns deles disseram ter medo de perder os ganhos de longo prazo que suas ações poderiam ter, diante da aquisição por Musk a um valor de US$ 54,20 por ação.

Na reunião com trabalhadores na segunda-feira, executivos tentaram garantir ao pessoal que a aquisição por Musk não prejudicaria os trabalhadores. Agrawal disse aos trabalhadores que suas opções de ações poderiam ser convertidas em dinheiro quando a transação com Musk for concretizada, o que ele estima possa demorar entre três e seis meses. Os empregados continuariam a receber os mesmos pacotes de benefícios por um ano, depois que a transação for finalizada.

Em uma tentativa anterior de debelar as preocupações financeiras, Sean Edgett, vice-presidente jurídico do Twitter, disse aos empregados que qualquer comprador potencial provavelmente teria de manter as ações dos trabalhadores "como estão", ou de oferecer remuneração equivalente em dinheiro.

Edgett, que fez seus comentários antes de o acordo com Musk ser anunciado, enfatizou que os trabalhadores não deveriam encarar sua orientação como informação sobre o acordo que estava sendo negociado. "O objetivo disso é oferecer alguma paz de espirito e explicar de que maneira essas coisas tipicamente funcionam, e não significa que acreditamos que um determinado resultado é mais provável do que outro", ele escreveu em uma mensagem aos empregados da empresa vista pelo The New York Times.

O Twitter está passando por uma onda de contratações, e gastou US$ 630 milhões em remuneração paga em ações em 2021, 33% a mais do que no ano anterior. A empresa previu em seu balanço publicado em fevereiro que gastaria entre US$ 900 milhões e US$ 925 milhões em remuneração paga em ações durante este ano.

Mas a campanha de Musk também começou a prejudicar os esforços do Twitter para contratar mais pessoal, de acordo com documentos internos que detalham os esforços de contratação da empresa e foram vistos pelo The New York Times. Os potenciais contratados expressaram ceticismo quanto aos planos de Musk para transformar o Twitter e abandonar suas normas de moderação de conteúdo, os documentos apontam.

Os empregados também se preocupam com a possibilidade de que ele transfira a sede do Twitter para o Texas, como fez com a da Tesla. E com a possibilidade de que ele cancele a política flexível do Twitter sobre o retorno ao trabalho nos escritórios, que vinha sendo uma das atrações para atuais funcionários e recrutas. Musk, afinal, brigou com as autoridades da Califórnia para manter sua fábrica de carros aberta durante a pandemia.

Agrawal tentou acalmar sua força de trabalho. Em uma sessão de perguntas e repostas na segunda-feira, ele instou os trabalhadores a "operar o Twitter como sempre fizemos", acrescentando que " maneira pela qual administramos a companhia, as decisões que tomamos e as mudanças positivas que conduzirmos – isso dependerá de nós e estará sob nosso controle".

Tradução de Paulo Migliacci

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