Brasil terá dificuldades em aproveitar alta de commodities, diz vice-presidente do Banco Mundial

Para Carlos Jaramillo, inflação dos alimentos traz mais problemas que oportunidades

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Washington

O Brasil e a América Latina deverão ter dificuldades em tirar vantagens da alta do preço das commodities, como comida e combustíveis, gerada pela Guerra da Ucrânia, avalia Carlos Felipe Jaramillo, vice-presidente do Banco Mundial para América Latina e Caribe.

"Em tempos normais, isso poderia ser uma coisa positiva, especialmente para grandes produtores de comida e petróleo. Mas a maioria das colheitas já foi feita ou já está pré-vendida. A maioria dos agricultores fecha as vendas com meses de antecedência. Então, a alta de preços gerada pela guerra no último mês não será aproveitada por eles."

Carlos Felipe Jaramillo, vice-presidente do Banco Mundial para América Latina e Caribe.
Carlos Felipe Jaramillo, vice-presidente do Banco Mundial para América Latina e Caribe. - Divulgação Banco Mundial da América Latina

Outro problema apontado por Jaramillo é a estiagem no Cone Sul, que poderá ser a mais forte em 90 anos. "Com isso, a capacidade de produzir mais grãos e aproveitar a alta de preços também fica em risco", alerta.

Para ele, outra questão é que a alta de preços complica a retomada da economia pós-pandemia.

"As famílias, que mal estavam se recuperando da forte crise dos últimos dois anos, inesperadamente precisam lidar com altas de preços de comida e energia."

Em conversa com a Folha, ​Jaramillo também comentou que a incerteza eleitoral prejudica as perspectivas do Brasil em 2022. Para este ano, o Banco Mundial prevê que o país cresça 0,7%, enquanto a América Latina e Caribe devem avançar 2,3%.

Quais as perspectivas para o Brasil e para a América Latina? A incerteza sobre as eleições e a piora no ambiente externo são os dois grandes fatores que trazem impactos em nossas perspectivas para o Brasil e para a região em 2022.

Tivemos de baixar nossa previsão de crescimento da América Latina em 2022, de 2,7% para 2,3%, como resultado das consequências da Guerra da Ucrânia, que afeta a região por diferentes meios.

O Brasil teve um crescimento muito bom em 2021, de 4,6%. Mas, para este ano, estimamos um crescimento de 0,7%. E isso é em grande parte porque o ambiente externo se tornou mais negativo do que prevíamos, especialmente com as mudanças nos preços das commodities e com a expectativa de alta contínua nas taxas de juros pelo mundo. E também pela eleição no Brasil, que introduz muita incerteza entre os investidores.

Os candidatos do Brasil poderiam fazer algo para acalmar as incertezas do mercado? Em alguma medida, ajuda se os candidatos divulgarem seus programas de forma antecipada, como mostrarem como vão gerenciar a economia. Não estou tão otimista com eleições presidenciais. Ninguém pode eliminar as incertezas, especialmente na época atual. Nos últimos anos, muitas eleições se tornaram mais disputadas e há mais polarização na América Latina. Teremos de viver com altos níveis de incerteza até o dia das eleições.

O Brasil e os países da região podem tirar vantagens da alta do preço das commodities? Estou menos otimista sobre isso. Em tempos normais, isso poderia ser uma coisa majoritariamente positiva, especialmente para grandes produtores de comida e petróleo. Mas estou preocupado porque estive em conversas com os ministros de países como Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, e a maioria das colheitas já foi feita ou já está pré-vendida. A maioria dos agricultores fecha as vendas com meses de antecedência. Então, a alta de preços gerada pela guerra no último mês não será aproveitada por eles e acabará sendo capturada muito mais à frente nas cadeias de produção.

Outra coisa importante é que temos uma grande seca no Cone Sul, que poderá ser a pior em 90 anos. Com isso, a capacidade de produzir mais grãos e aproveitar a alta de preços também fica em risco. Isso tem uma grande ligação com as mudanças climáticas, que começam a impactar muito a agricultura da região.

A mesma coisa vale para o petróleo: não temos muitos grandes produtores na região, especialmente porque a produção da Venezuela caiu muito nos últimos anos. Talvez o Equador tenha algum benefício, mas eles também vendem petróleo com meses de adiantamento e a preços travados. Colômbia e México também exportam algum petróleo e podem lucrar se os preços continuarem altos durante o ano.

Apesar das vantagens a alguns poucos países, o impacto geral da alta do petróleo é muito negativo para a região. Primeiro porque a maioria dos países da América Latina e Caribe é importadora de petróleo, que é usado para muitas coisas diferentes. E a alta dos preços afeta as famílias. Há um impacto muito negativo para as economias nacionais e para as residências, que mal estavam se recuperando da forte crise dos últimos dois anos e inesperadamente precisam lidar com altas de preços de comida e energia. Então, acho que o resultado será muito negativo para a maior parte da América Latina.

Nas reuniões do FMI e do Banco Mundial, houve muitos comentários sobre uma fragmentação da economia global em blocos e o esforço de países ricos de buscar fornecedores mais próximos ("near-shoring"). Esse movimento pode beneficiar a América Latina? É muito difícil ainda dizer como o futuro evoluirá. De um lado, há o movimento de mais near-shoring, que pode ser potencialmente positivo para vários países, porque nossa região é próxima de grandes mercados como EUA e Canadá.

Vimos alguns investidores privados fazerem alguns movimentos em direção ao México, e eles estão considerando outros países. Quanto mais perto dos EUA, melhor, o que traz oportunidades para países da América Central, Colômbia e República Dominicana.

No entanto, é difícil prever neste momento se isso será uma coisa grande. E estou preocupado sobre o impacto negativo que isso implica para o comércio global. A globalização e a alta massiva no comércio nos últimos 20 ou 30 anos têm sido extremamente boas para o desenvolvimento e a redução da pobreza em muitos países da América Latina. Então, me preocupa que isso possa levar a muitas restrições de comércio, que podem impactar o crescimento. Espero que possamos manter o comércio fluindo, de modo que a América Latina siga se beneficiando.

O que os governos podem fazer para amenizar os problemas de inflação e desemprego elevados? Este ano de 2022 tem se provado um ano difícil nesses fronts para todos os governos que tenho conversado. Muitos deles estão tentando gerenciar as altas de preços com reduções de alguns impostos sobre comida e combustíveis, dando subsídios e dando apoio a famílias pobres, o que considero positivo. O Brasil foi um desses países que tiveram uma resposta forte e muito boa para evitar muito sofrimento humano que teria ocorrido se os governos não estivessem ali, particularmente com programas de transferência como o Bolsa Família, que o Banco Mundial sempre apoiou. Por outro lado, muitos países gastaram muito dinheiro, e isso levou a uma alta na demanda até o ponto de elevar alguns preços.

Sobre desemprego, me preocupa que os maiores perdedores ainda são os mais vulneráveis. Em particular, as mulheres que tiveram de ir para casa para cuidar das crianças, e pessoas pobres que pertencem a grupos tradicionalmente discriminados, como afrodescendentes e indígenas. As taxas de desemprego deles estão muito mais altas e não estão recuando. Os governos ainda precisam ter programas específicos para ajudar esses grupos.

Quais são as projeções a para Argentina e Venezuela neste ano? Não sabemos realmente o que acontece na Venezuela. Fechamos nosso escritório lá há dez anos. Vemos de longe, com grande preocupação, que a economia tem afundado de modo dramático e os níveis de pobreza pioraram.

Sobre a Argentina, vejo como boa notícia que o país chegou a um acordo com o FMI, porque isso tem sido a fonte número 1 de incerteza para a economia, na visão dos investidores. Isso remove a incerteza por um tempo e vamos ver mais investimentos e um bom crescimento por algum tempo. Mas nem tudo está resolvido na Argentina. Eles ainda têm uma grande dívida e inflação muito alta, em torno de 50% [ao ano].


Raio-x

Carlos Felipe Jaramillo, 59
Vice-presidente do Banco Mundial para a região da América Latina e Caribe, responsável pela atuação do banco em 31 países. Já foi diretor da instituição pela região africana e servidor público da Colômbia (com cargos no Ministério da Fazenda, Banco Central e Ministério do Comércio). Nascido na Colômbia, possui mestrado e doutorado em economia do desenvolvimento pela Universidade de Stanford (EUA).

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