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Criptomoeda pode ter encontrado seu momento 'Cachinhos Dourados'; entenda

Com colapso dos criptoativos, investidores e reguladores devem acordar e ver os riscos crescentes

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Gillian Tett

Presidente do conselho editorial do Financial Times nos EUA

Dezesseis anos atrás, eu costumava brincar que o sistema financeiro precisava de uma "crise de Cachinhos Dourados" –um choque que fosse quente o suficiente para obrigar investidores e reguladores a acordar e ver os riscos crescentes nos mercados de crédito, mas não tão quente a ponto de fazer o sistema inteiro queimar.

Infelizmente, naquela época, a crise não ocorreu; em vez disso, derivativos de crédito e empréstimos hipotecários subprime continuaram a explodir até que desencadearam a crise de 2008, que quase "queimou" o ecossistema financeiro (até que os bancos centrais chegaram com os extintores da flexibilização quantitativa).

Mas a pergunta intrigante hoje, em meio a outro boom de inovação financeira, é se esse momento Cachinhos Dourados chegou para os ativos digitais. O setor de criptomoedas explodiu recentemente de forma tão drástica quanto os derivativos de crédito –e muitos investidores estão tão sem pistas sobre seu funcionamento quanto estavam sobre as obrigações de dívida garantidas em 2006.

Celular com logo da criptomoeda Terra em frente a notas de dólar - Dado Ruvic - 11.mai.2022/Reuters

Mas este mês vivenciamos "uma das maiores catástrofes que as criptomoedas já viram", como admitiu recentemente Ran Neuner, um proeminente entusiasta das criptomoedas. Mais notavelmente, Terra e Luna, as duas chamadas "moedas estáveis algorítmicas", implodiram, gerando prejuízos de US$ 50 bilhões em três dias. Ui!

Alguns agora afirmam (ou esperam) que isso mostra que a criptomoeda deve queimar completamente, já que o setor não cumpriu sua promessa de oferecer uma reserva de riqueza confiável ou mecanismos de pagamento verdadeiramente eficientes.

Talvez isso aconteça. O mercado global de criptomoedas, de US$ 2 trilhões, já encolheu cerca de 30% em valor, e se uma crise agora atingir a moeda estável tether, de US$ 80 bilhões (o que é totalmente possível), encolherá ainda mais. Mas se você pensa (como eu) que a revolução criptográfica tem um núcleo de ideias potencialmente valiosas em torno da tecnologia blockchain, é bobagem exigir uma proibição no estilo chinês.

Sim, Luna sempre pareceu maluca, como alertaram no ano passado especialistas respeitados em criptomoedas, como o professor de finanças Alex Lipton. Mas Lipton ainda acha que o blockchain pode transformar setores como negócios de câmbio e mercados de carbono, enquanto algumas moedas estáveis têm utilidades de pagamento.

A pergunta de US$ 50 bilhões é se os principais atores e formuladores de políticas podem agora adotar a reforma para eliminar as ruins, enquanto retêm algumas das boas. Pode ocorrer um padrão Cachinhos Dourados?

Não está claro. Mas há cinco questões-chaves que os investidores devem observar para determinar a resposta.

A primeira é se a linguagem do setor se torna menos confusa. Considere "stablecoin" (moedaestável). Atualmente, essa palavra é usada para comercializar uma variedade de práticas diferentes, desde moedas algorítmicas (que são realmente mais parecidas com um derivativo sintético) até a moeda USDC (que é mais como um minibanco estreito). Essa ofuscação precisa mudar.

Em segundo lugar, os reguladores precisam ampliar sua supervisão. Nos Estados Unidos, os tokens que agem como derivativos ou fundos mútuos são melhor supervisionados pela Comissão de Negociação de Futuros de Commodities ou a Comissão de Valores Mobiliários. Moedas que funcionam como minibancos são melhor monitoradas pelo Escritório de Controladoria da Moeda (OCC). (A Circle, que emite moedas USDC, está agora em discussões ativas com o OCC exatamente para isso.)

Terceiro, se os reguladores se envolverem, eles devem exigir que os emissores de moedas estáveis forneçam declarações detalhadas e auditadas sobre seus ativos e impor grandes exigências de reserva. Isso soa óbvio. Mas notavelmente não é o que o Tether, o maior emissor de stablecoin, fez.

Quarto, os reguladores devem exigir que as exchanges de criptomoedas mantenham os padrões básicos de listagem. E, finalmente, a clareza é urgentemente necessária em relação à custódia, pois as exchanges não estão apenas atuando como plataformas para fechar negócios, mas muitas vezes também mantêm os ativos dos clientes.

Essa concentração de poder frequentemente ignorada zomba do mantra da descentralização que supostamente conduz o sonho criptográfico (e, como observei recentemente, é apenas uma contradição na mitologia da criação desse setor).

Mas também cria um risco prático: o fracasso pode provocar pânico no mercado. Algumas pequenas jurisdições fora dos EUA têm regras de custódia que protegem os investidores se uma bolsa falir. Não é assim em nível federal nos Estados Unidos, como os executivos da Coinbase foram forçados a admitir aos investidores na semana passada. Isso definitivamente precisa mudar.

Essas ideias não são nem remotamente revolucionárias; princípios semelhantes já foram impostos a outras áreas inovadoras. De fato, muitos foram apresentados claramente em um relatório emitido pelo Grupo de Trabalho do Presidente sobre Mercados Financeiros sete longos meses atrás, que pedia uma legislação "urgente" para lidar com o risco crescente.

Mas desde então o Congresso tem falhado notavelmente em agir, apesar de se tratar de um raro tema de interesse bipartidário. A maioria dos principais players de criptomoedas também deu de ombros para os problemas. Por exemplo, embora o emissor do Tether tenha sido multado por má conduta contábil, os investidores continuaram usando a moeda.

Daí essa pergunta sobre Cachinhos Dourados. Se a indústria e os formuladores de políticas reagirem agora (tardiamente) a ser queimados pela adoção de uma estrutura sensata, o mundo finalmente poderá ver se a criptomoeda pode se tornar algo mais que um cassino selvagem marginal, com usos reais. Caso contrário, espere mais escândalos, choques e sofrimento para os investidores. Na minha opinião, o júri ainda não sabe qual cenário prevalece.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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