Influenciadores promovem criptomoedas sem divulgar seus laços financeiros

Colapso das moedas digitais renovou escrutínio sobre celebridades que badalam moedas digitais arriscadas e obscuras

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David Yaffe-Bellany
Nova York | The New York Times

Logan Paul tinha uma mensagem para seus 6 milhões de seguidores no Twitter: ele estava "all in" em uma nova criptomoeda chamada Dink Doink.

Segundo o criador do projeto, os investidores do Dink Doink receberiam ações de um personagem de desenho animado, que lhes daria o direito a uma parte dos lucros se a figura de olhos arregalados aparecesse em um programa de TV ou um filme.

Em junho passado, Paul, um boxeador de 27 anos e influenciador de rede social, elogiou o Dink Doink no Twitter e em um bate-papo público no Telegram, antes de endossá-lo novamente em seu podcast, "Impaulsive" [trocadilho com o nome Paul e a palavra "impulsivo"].

Em meados de julho, porém, o preço do Dink Doink despencou para uma fração de centavo de dólar, e Paul enfrentou uma reação online. Em seus endossos, ele não mencionou algumas informações relevantes: ele e o criador do projeto eram amigos e tiveram a ideia da criptomoeda juntos. Ele também recebeu uma grande alocação de moedas Dink Doink quando foi lançada.

O influenciador digital Logan Paul, que começou a se interessar em criptomoedas no ano passado após seus sócios o introduzirem aos NFTs - Sinna Nasseri - 19.mai.2022/NYT

"Não sei o que deu absurdamente errado", disse Paul em uma entrevista. "Esse é o projeto do inferno, e acabei de limpar minhas mãos dele."

O colapso dos preços das criptomoedas em maio renovou o escrutínio das celebridades que vendem moedas virtuais para as massas. No ano passado, o ator Matt Damon e o comediante Larry David estrelaram comerciais de TV de alto nível para plataformas de criptomoedas, anunciando ativos digitais como uma oportunidade imperdível de ganhar dinheiro. Esses anúncios atraíram críticas de céticos em criptomoedas, mas estavam vinculados a empresas tradicionais, com receitas de centenas de milhões de dólares.

Uma forma muito mais decadente de promover criptomoedas floresceu nas redes sociais, repleta de conflitos de interesses não revelados e alegações exageradas sobre lucros fantásticos. Celebridades influentes como Kim Kardashian e Floyd Mayweather ganharam milhões de dólares endossando investimentos específicos e muitas vezes duvidosos em cripto, instando os fãs a comprar moedas obscuras que rapidamente caíram de valor, ou apregoando coleções pouco conhecidas de tokens não fungíveis, os arquivos digitais exclusivos conhecidos como NFTs.

Em alguns casos, promotores como Paul admitiram que deixaram de revelar vínculos pessoais ou financeiros com projetos anunciados em seus feeds, uma possível violação das regulamentações federais de marketing. E mesmo antes da recente desaceleração do mercado de criptomoedas, uma série desses empreendimentos apoiados por influenciadores faliu espetacularmente, prejudicando traders amadores e provocando ações judiciais que poderão obrigar algumas celebridades a compensar os investidores por suas perdas.

"Você vê um lucro descarado de celebridades e outros que não são nem um pouco desinteressados ou imparciais", disse John Reed Stark, ex-chefe do ramo de fiscalização da internet da Comissão de Valores Mobiliários (SEC). "Há muito potencial para danos."

Empresários de criptomoedas contratam influenciadores para aumentar o valor de suas moedas digitais, na esperança de acender o tipo de badalação online que brevemente transformou o Dogecoin, uma moeda de piada baseada em um meme, num dos investimentos mais valiosos em criptomoedas.

Alguns promotores não são muito conhecidos fora dos círculos de criptomoedas, mas têm muitos seguidores nas redes sociais, onde divulgam dicas de mercado, intercaladas com conteúdo patrocinado. Outros são grandes celebridades como Kardashian, que está enfrentando um processo de investidores por sua comercialização de uma criptomoeda obscura chamada EthereumMax.

Os valores pagos aos promotores de criptomoedas podem ser astronômicos. Um projeto de NFT chamado Hive Investments está recrutando influenciadores, oferecendo pagamentos de até US$ 400 mil, conforme uma apresentação vista pelo The New York Times.

A promoção de criptomoedas ocupa uma área cinzenta da legislação. De acordo com a lei federal, as pessoas que comercializam valores são obrigadas a divulgar publicamente os pagamentos recebidos por promoções. Em 2018, Mayweather pagou mais de US$ 600 mil para liquidar as acusações da SEC por não ter divulgado adequadamente sua remuneração pelo marketing de ofertas iniciais de moedas, o equivalente em criptomoeda a uma oferta pública inicial de ações em Wall Street. Mas a regra que ele quebrou se aplica apenas a títulos, como ações de uma empresa, e não está claro quais produtos de criptografia preenchem esse critério legal.

Os promotores de criptomoedas também podem entrar em conflito com as regras da Comissão Federal de Comércio, que exigem que profissionais de marketing de todos os tipos divulguem quando têm participação financeira nos projetos que endossam.

"As empresas e os influenciadores de redes sociais do mundo veem isso como o Velho Oeste", disse David Klein, advogado de Nova York especializado em regras de marketing. "As leis do mundo real ainda se aplicam, e você tem de seguir as diretrizes. Caso contrário, os reguladores irão procurá-lo."

Até mesmo celebridades que divulgaram pagamentos em criptomoedas tiveram problemas legais. No verão passado, Kardashian endossou o EthereumMax em um post no Instagram com um breve aviso na parte inferior: "#ad". Poucos especialistas em criptomoedas ouviram falar do EthereumMax, que é diferente do Ethereum, uma das plataformas de criptografia mais conhecidas.

A promoção levou a um aumento nas negociações, mas o preço do EthereumMax logo entrou em colapso. Este ano, nove traders que compraram o EthereumMax processaram Kardashian, os fundadores do projeto e outros promotores, incluindo Mayweather e o ex-astro do basquete Paul Pierce, acusando-os de disfarçar seu controle sobre os tokens EthereumMax e circular anúncios "enganosos".

De acordo com o processo, Pierce recebeu mais de 15 trilhões de tokens EthereumMax em troca de tuítes endossando a moeda. Nenhum dos tuítes extraídos do processo mencionou uma relação comercial dele com os criadores do token. Pouco depois de promover o projeto, alega o processo, Pierce vendeu seus tokens numa aparente operação de "bombear e despejar", na qual ele lucrou incentivando os fãs a comprar os tokens, antes de vender suas próprias participações por um preço maior.

Um advogado de Kardashian disse que as denúncias do processo "não têm mérito". Mayweather, Pierce e os fundadores do projeto não responderam a pedidos de comentários.

Kim Kardashian em festa de Vanity Fair em Los Angeles - Hunter Abrams - 27.mar.2022/NYT

À medida que os preços das criptomoedas caíram, os investidores também ativaram influenciadores de baixo perfil que postam conteúdo patrocinado nas redes sociais. Ben Armstrong, influenciador de criptomoedas com quase 1 milhão de seguidores no Twitter, administra um canal no YouTube onde discute tendências do mercado e fala sobre seus projetos favoritos. Ele costumava cobrar dos fundadores de startups US$ 40 mil por uma entrevista no YouTube, mas cancelou o serviço este ano depois que sua tabela de preços foi publicada por um influente investigador de criptomoedas.

Alguns dos projetos que Armstrong promoveu eram pequenos empreendimentos criptográficos experimentais que acabaram enfrentando problemas. Nesses casos ele também se considera uma vítima, disse.

"Eles estão atacando o influenciador de criptomoedas novato que acabou de se tornar popular e está tentando descobrir o que eles devem e não devem fazer", disse ele. "É difícil passar de 12 mil seguidores para um milhão em um ano e tomar todas as decisões certas."

Não muito tempo depois da quebra do Dink Doink, Paul começou uma coleção NFT chamada CryptoZoo, que foi amplamente ridicularizada por apresentar imagens de animais. Paul culpou a equipe que ajudou a administrar o projeto pelos problemas do CryptoZoo. Agora, ele está trabalhando com uma nova equipe num empreendimento de criptomoedas chamado Liquid Marketplace, que usa a tecnologia blockchain para permitir que investidores comprem frações de objetos físicos.

"Eu definitivamente não agi da forma responsável como deveria", diz Logal Paul - Sinna Nasseri - 19.mai.2022/NYT

O recente crash das criptomoedas "definitivamente eliminará os fracos", disse Paul. Mas acrescentou que isso também o fez repensar algumas de suas promoções, depois que perdeu pessoalmente US$ 750 mil.
"Não quero que ninguém sinta que se deu mal por causa de algum movimento que fizeram por minha causa", disse ele.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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