Guedes perde embate com grupos de interesse ao longo do mandato

Governo vê sistema firme novamente, após campanha de 2018 marcada por retórica antiestablishment

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Brasília

O ministro Paulo Guedes (Economia) assumiu o cargo defendendo cortes de recursos federais e de benefícios tributários concedidos a grupos de interesse, mas entra na reta final do mandato com a tarefa frustrada após a reação de organizações empresariais afetadas pelas medidas.

O sentimento de desapontamento quanto ao objetivo é compartilhado por integrantes do governo que expressam lamento pelo fato de o "sistema" estar firme outra vez, após a campanha eleitoral de 2018 ter sido fortemente marcada pela retórica anti-establishment.

O maior exemplo é a promessa de "facada" no Sistema S, que resultou em repasses de recursos não apenas intocados como em valores crescentes na reta final do mandato. No primeiro semestre de 2022, foram R$ 12,4 bilhões repassados para as entidades —continuado esse ritmo, o número vai ser o maior em pelo menos oito anos (já descontada a inflação).

Ministro da Economia, Paulo Guedes, em evento com empresários. - 28.06.2022-Ton Molina /Fotoarena/Folhapress

"Como é que você pode cortar isso, cortar aquilo e não cortar o Sistema S? Tem que meter a faca no Sistema S também", afirmou Guedes em discurso de dezembro de 2018, em almoço com empresários fluminenses.

Os cofres do Sistema S são abastecidos principalmente pelas empresas empregadoras. As alíquotas são cobradas sobre a folha de pagamento e variam de 1% a 2,5%, dependendo do setor (as indústrias, por exemplo, recolhem 1% ao Senai sobre a folha de pagamento).

Representantes dessas instituições, muitos deles com forte ligação política, conseguiram reverter a pressão junto ao Planalto e ao Congresso mesmo após medidas do governo que diminuiriam os repasses.

Outra frustração é no corte de benefícios tributários. A visão é que mesmo as tentativas de alterações caem logo depois, por meio de articulações dos grupos de interesse no Congresso.

O governo revogou o Reiq (programa de subsídios para o setor químico), por exemplo, no fim de 2021 por meio de uma MP (Medida Provisória). As mudanças foram revertidas pelo Congresso com apoio da base aliada em junho de 2022 —com sanção de Bolsonaro.

Outro tema que não foi adiante é a reforma administrativa, que enxugaria a folha de pagamento dos servidores e daria fim à estabilidade. Em vez disso, o governo acabou fazendo promessas de aumento para algumas categorias do funcionalismo sem isonomia em relação às demais.

Em meio ao debate, Guedes chegou a chamar servidores de parasitas e passou a enfrentar a pressão do funcionalismo junto ao Congresso —que rapidamente enterrou o plano do ministro.

Banqueiros, economistas e empresários ouvidos pela Folha avaliam que, sem articulação no Congresso e apoio de Bolsonaro, Guedes não teve forças para levar seu plano liberal totalmente adiante, e não deve ter também em um eventual segundo mandato.

"Esse é um problema de um ministério que se esqueceu da técnica política", diz o economista-chefe da Necton, André Perfeito. "Não se trata de conchavo, mas de capacidade de articulação no Congresso", disse.

Guedes também viu em grande parte travada a abertura comercial que faria por meio de redução de tarifas de importação, anunciada em 2019 como saída para a modernização e eficiência da indústria nacional.

Na época, falava-se em cortes de 50% nas taxas de importação —um movimento que gerou forte reação da indústria. Diminuições foram feitas, mas os principais cortes foram duas rodadas de 10% na TEC (Tarifa Externa Comum).

Na avaliação de um banqueiro que falou sob anonimato, o ministro acabou cedendo ao populismo do chefe e abandonando itens de sua agenda com o objetivo de permanecer no cargo enquanto cresciam apostas na sua saída.

Também pesou nas decisões o estilo combativo, que irritou parlamentares. Guedes tratava o Congresso como o centro do jogo político sujo —o toma-lá-dá-cá— atacado pelo chefe durante a campanha presidencial.

"Se estivéssemos falando de uma pessoa há dois meses no cargo [Guedes], poderíamos dizer que é ingenuidade, mas muita coisa foi acontecendo ao longo do tempo", diz o economista André Luiz Marques, professor do Insper.

"Claro que tem setores que pressionam, mas é para isso que serve a política, para articular, negociar, algo que esse governo não teve, nem quis ter."

Durante a reforma da Previdência, Guedes atacou publicamente Rodrigo Maia, presidente da Câmara no primeiro ano de mandato de Bolsonaro. A proposta foi aprovada em grande parte graças ao esforço do parlamentar, embora não da forma completa como o ministro queria.

Para o economista da LCA e pesquisador do FGV/Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) Bráulio Borges, boa parte do revés na economia se deve ao fato de o governo ter tentado "reinventar a roda".

"Chegaram com uma agenda muito ambiciosa. Na reforma tributária, por exemplo, já havia consenso [em torno do IVA]. Todos apoiavam, com exceção de Bolsonaro e Guedes. Em 2021 vieram com uma proposta que não resolvia nada e ainda foi transfigurada pelo Congresso", disse Borges.

"Quando começou, o governo levou dois anos para entender que tem de construir coalização política no Congresso para fazer andar sua agenda. Não adianta simplesmente chegar com a proposta, entregar e dizer: ‘agora é com vocês’."

Essa disposição do governo em obter apoio só ocorreu em 2021 sob o risco de um impeachment. "Foi aí que o governo resolveu patrocinar a eleição de Lira e Pacheco, para blindar. Passaram a não negar mais o presidencialismo de coalização", disse Borges.

Para Borges, no entanto, o país já tinha perdido a chance de aprovar reformas mais importantes, como a da tributação indireta —que, para ele, ajudaria a melhorar a eficiência das empresas e o ambiente de negócios ao reduzir o peso dos impostos sobre os mais pobres.

Consultado, o ministro não quis se manifestar.

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