Descrição de chapéu Financial Times

Perda de assinantes da Netflix põe em xeque modelo de negócios do streaming

Declínio gera ansiedade sobre o setor de entretenimento e provoca liquidação de ações de mídia

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Anna Nicolaou
Nova York | Financial Times

A Netflix estancou o sangramento. No último trimestre, o grupo de streaming chocou Wall Street e Hollywood com o fim repentino de seu crescimento acelerado durante uma década, provocando uma reação drástica comparável ao crash das pontocom.

Neste trimestre, a Netflix venceu ao definir expectativas baixas e superá-las, com a ajuda de uma nova temporada da série de sucesso "Stranger Things". As ações subiram mais de 7% nas negociações após o pregão depois que a Netflix disse que 970 mil assinantes cancelaram suas contas no segundo trimestre.
Foi a pior perda de assinantes de sua história, mas como a Netflix havia previsto o dobro de deserções os investidores ficaram aliviados.

"É duro perder 1 milhão e chamar isso de sucesso", disse simplesmente o cofundador e executivo-chefe Reed Hastings na terça-feira (19). "Estamos falando em perder 1 milhão, em vez de 2 milhões. Nosso entusiasmo é temperado pelos resultados menos ruins."

Cena da quarte temporada de Stranger Things - Divulgação/Netflix

Com uma recessão se aproximando e a inflação nos Estados Unidos subindo para o pico em 40 anos, a Netflix lida com um consumidor mais consciente dos custos. Embora anteriormente atraísse as pessoas como uma alternativa barata às contas de televisão caras, a Netflix hoje é a opção mais cara entre um mar de serviços de streaming imitadores.

"A crise do custo de vida [está] tendo um impacto profundo em todas as empresas", disse Paolo Pescatore, analista da PP Foresight. "Ninguém está imune."

Esse aperto de gastos está acontecendo ao mesmo tempo que as maiores empresas de mídia e tecnologia do mundo lançam um esforço corajoso e caro para competir com a Netflix. "A concorrência chegou a níveis meio absurdos", disse Rich Greenfield, analista da LightShed, referindo-se aos altos compromissos de gastos assumidos pelos novos participantes. "Acho que ninguém na comunidade de investimentos previu que a Peacock [da Comcast] perderia US$ 2,5 bilhões."

O impacto foi duro e repentino. Em janeiro, os analistas previam que a Netflix acrescentaria 20 milhões de assinantes em 2022. Agora, a empresa espera atingir esse patamar nos primeiros nove meses.

A Netflix foi a ação com pior desempenho no S&P 500 no primeiro semestre deste ano. Seu valor de mercado encolheu de mais de US$ 300 bilhões em novembro para US$ 90 bilhões. A "grande correção" da Netflix, como ficou conhecida em Hollywood, provocou ansiedade sobre o modelo de negócios de streaming e o futuro do entretenimento.

O tropeço da Netflix desencadeou uma liquidação das ações de empresas de mídia, eliminando dezenas de bilhões em valor de gigantes como Disney e Warner Bros. O Morgan Stanley descreveu esta semana a situação como a "primeira recessão do streaming".

"As receitas de streaming de vídeo podem se mostrar mais vulneráveis do que se esperava a uma recessão global e níveis mais baixos de gastos do consumidor", alertou o analista Ben Swinburne. O Bank of America alertou que o streaming "se tornou rapidamente um produto comoditizado".

A questão tanto para Wall Street quanto para Hollywood é se essa desaceleração é temporária ou se o negócio de streaming é fundamentalmente menos interessante do que os executivos supunham. Os resultados da Netflix no segundo trimestre ofereceram evidências mornas que apoiam a primeira alternativa. A empresa está num caminho de volta ao crescimento, ainda que por um fio, prevendo que ganhará 1 milhão de assinantes no terceiro trimestre.

Os cancelamentos foram mais agudos nos EUA e no Canadá, o maior mercado da Netflix, onde quase 2 milhões de pessoas cancelaram suas assinaturas no primeiro semestre deste ano. Por US$ 15,49 por mês em seu plano mais popular, a Netflix custa mais que suas principais concorrentes, como Disney Plus e HBO Max, que cobram US$ 8 e US$ 15, respectivamente.

A Netflix também está sendo contestada sobre seu conteúdo. O cochefe Ted Sarandos descreveu na terça-feira a programação da empresa como "entregar sucessos em cima de sucessos". Mas ela ficou atrás da HBO em indicações ao Emmy –uma medida de qualidade– deste ano, com 105 contra 140 da HBO.

Não está claro por quantos serviços de streaming as famílias pagarão, principalmente numa recessão, e a Netflix perdeu sua "posição de necessária e invencível", disse Michael Nathanson, analista da MoffettNathanson. Já existem mais assinaturas de streaming de vídeo do que pessoas nos Estados Unidos, com 380 milhões de assinantes para uma população de 330 milhões, segundo a empresa de dados Ampere Analysis.

Globalmente, a Netflix já havia divulgado um conjunto de 1 bilhão de clientes potenciais que têm acesso à internet. Agora, Nathanson alerta que o mercado potencial pode estar mais próximo de 400 milhões. Até este momento do ano, a Ásia-Pacífico é a única região onde a Netflix vem conquistando assinantes.

A empresa conseguiu 2,2 milhões de assinantes na região no primeiro semestre de 2022, perdendo clientes no resto do mundo. Os executivos da Netflix pareciam estar no modo de controle de danos esta semana, atirando em rivais e oferecendo dados para provar seu domínio. Um exemplo: durante a temporada de televisão de 2021-22, a Netflix atraiu mais audiência do que as emissoras CBS e NBC juntas, de acordo com os números da Nielsen fornecidos pela Netflix.

Outros pontos de dados foram menos atraentes, como o engajamento no Twitter para "Stranger Things" superando o de "Top Gun Maverick" da Paramount –filme que arrecadou mais de US$ 1 bilhão nas bilheterias. Apesar da queda deste ano, a Netflix continua muito à frente das rivais, com 221 milhões de assinantes contra os 138 milhões da Disney Plus. A Netflix também lucra com seu serviço de streaming, ao contrário das concorrentes, e espera encerrar o ano com US$ 1 bilhão em fluxo de caixa livre.

No entanto, a direção da Netflix anunciou mudanças radicais para reanimar o crescimento de assinantes. Ela está trabalhando com a Microsoft para oferecer um serviço mais barato que veicula anúncios e planeja limitar o compartilhamento de senhas, por meio do qual estima que 100 milhões de famílias assistam à programação gratuitamente.

Esses movimentos não ocorrerão até 2023. Por enquanto, a Netflix dependerá de sucessos para levá-la até o segundo semestre do ano. Será ajudada por uma nova temporada de "The Crown" e as sequências de "Knives Out" e "Enola Holmes".

"Estamos executando muito bem no lado do conteúdo", disse Hastings. Mas o grupo de streaming ainda não tem seu próprio "Star Wars" ou "Harry Potter". Ross Benes, analista da Insider Intelligence, alertou: "A menos que [a Netflix] encontre mais franquias de ampla repercussão, acabará lutando para ficar à frente das concorrentes que estão de olho na sua coroa".

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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