Térmica de Cuiabá pode ser usada para substituir usinas atrasadas da J&F, diz Aneel

Diretoria da agência dá autorização definitiva a pedido da Âmbar Energia, que foi questionado pelo mercado

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São Paulo

A Âmbar Energia pode usar a térmica de Cuiabá para cobrir o seu atraso na construção de quatro das suas usinas a gás. A decisão foi tomada nesta terça-feira (12) em reunião de diretoria da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).

A Âmbar é braço de energia do grupo J&F, que também controla a JBS, empresa global do setor de carnes.

A decisão encerra um debate iniciado em 17 de maio, quando a empresa conseguiu uma cautelar, medida de caráter provisório, em favor da operação. A cautelar acabou suspensa em 2 de junho por uma decisão monocrática pela diretora-geral Camila Bomfim, após a Aneel receber inúmeras queixas de representantes do setor.

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Usina a gás Mario Covas, em Cuiabá (MT); térmica vai suprir energia de projetos atrasados da Âmbar Energia - Divulgacao

Pela regra, essas usinas deveriam ter entrado em operação em 1º de maio. O atraso prevê pagamento de multa e cancelamento do contrato em 1º de agosto, caso não entrem em operação. Para contornar o atraso, a Âmbar ofereceu a usina da Cuiabá —um expediente que é proibido pela cláusula quatro da regra do leilão.

Para viabilizar a operação, o relator do processo, diretor Efrain Pereira da Cruz, defendeu que, entre outras vantagens, a Âmbar ofereceu um desconto em relação ao custo dos projetos originais. E pediu aos colegas que fizessem "o afastamento da cláusula quatro" do certame, uma vez que ela de fato impede a operação.

Os diretores Hélvio Guerra e Ricardo Tilli votaram com o relator por entenderem que haveria benefício ao consumidor. "Temos sempre que observar o interesse público", afirmou Guerra.

A diretora-geral interina, Camila Bomfim, apresentou voto divergente. "A vedação é muito clara. Essas usinas não podem ser substituídas por outras, do próprio proprietário ou de terceiros", disse ela. "Não há como buscar o enquadramento da térmica de Cuiabá."

A diretora-geral reforçou que aprovar a térmica colocaria em xeque a credibilidade do sistema de concorrência no setor energia, uma vez que "afastaria condições previstas no leilão".

Bomfim reforçou ainda que as diretrizes do leilão foram dadas pelo MME (Ministério de Minas e Energia), e que alteração teria de passar por avaliação da pasta. Segundo a Folha apurou, em mais de uma ocasião o ministério foi consultado informalmente sobre a questão e se posicionou contrário.

Em caráter privado, o ministro Adolfo Sachsida qualificou a medida como absurda, sinalizando que a pasta poderia evocar a sua posição institucional de planejador da política pública se uma regra tão elementar do leilão fosse descumprida.

O sub-procurador-geral da agência, Eduardo Estevão Ferreira Ramalho, também fez uma exposição contra o pedido da Âmbar.

Ramalho detalhou que o edital do leilão e o contrato com a empresa exigem que a entrega da energia seja feita pelas novas usinas. Considerando que a térmica de Cuiabá opera há 21 anos, não estaria qualificada.

A área técnica da agência se posicionou duas vezes contra o pedido da Âmbar. Na manifestação mais recente, ratificada por três setores diferentes, a análise identificou que atender a Âmbar iria contra oito dispositivos legais.

Procurada pela reportagem, a Âmbar afirmou que reforçou seu compromisso com atendimento dos consumidores. "A decisão da Aneel garante a ampliação da capacidade energética do país, mantém os volumes de geração de energia previstos no PCS de 2021, além de apresentar benefícios adicionais como a redução de custos para os brasileiros, vantagens ambientais e a entrega de energia concentrada no período seco, sem qualquer ônus para o consumidor", disse o texto.

A Âmbar também afirmou ter compromisso de contribuir para a ampliação da energia e a maior segurança energética, mitigando o risco de déficit de energia a custos mais baixos.

Já a entidade que representa grandes consumidores lamentou a decisão.

"Os argumentos trazidos por diretores da Aneel, e apresentados como favoráveis aos consumidores, não traduzem os reais interesses dos que pagam a conta de energia", disse o texto da Abrace (Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres)

"Se os contratos podem ser agressivamente descumpridos ou interpretados de forma a autorizar a troca da energia, como assim interpretou a agência, melhor seria permitir a adoção de soluções indicando a não geração dos projetos e pagamento apenas pela capacidade gerada, porque não há necessidade de penalizar os consumidores com um custo desnecessário de aquisição de combustível."

A Anace (Associação Nacional dos Consumidores de Energia) entende que os consumidores estão sendo muito prejudicados pela decisão da Aneel. Para a entidade, a solução seria seguir o que está definido nos contratos do PCS, incluindo o pagamento de multas pelas usinas que não conseguissem cumprir os prazos assumidos. "Entendemos que cabem recursos tanto na Aneel como no Ministério de Minas e Energia contra a decisão", avalia o diretor-presidente da associação, Carlos Faria.

As quatro térmicas da Âmbar fazem parte de um grupo de 17 usinas (14 a gás e 3 com matérias-primas renováveis) que venceram, em outubro do ano passado, um novo tipo de leilão —o PCS (Procedimento Competitivo Simplificado).

Como o prazo para operarem em 1º de maio era curto, as empresas tiveram um incentivo: o direito a receber valores elevados pela energia. Serão R$ 39 bilhões para operarem até o final de 2025.

A empresa que emplacou o maior volume de contratos no leilão foi a EPP (Evolution Power Partner). Suas quatro térmicas, Edlux 10, EPP 2, EPP4 e Rio de Janeiro 1, respondem por 43% da energia negociada, a um custo de quase R$ 18 bilhões.

Posteriormente, a EPP vendeu assas quatro usinas para a Âmbar, que passou a buscar na Aneel alternativas para contornar o atraso nas obras.

Levantamento apresentado por técnicos da Aneel também identificou que as usinas da Âmbar ficariam prontas em outubro, quase três meses após o limite final.

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