Argentina investe em tecnologia para cultivar trigo transgênico

Companhia privada criou trigo HB4, resistente à seca, que deve ser comercializado no Brasil

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Gustavo Saita Sonia Avalos
Rosario e Buenos Aires | AFP

Os cultivos transgênicos na Argentina, há anos muito questionados pelos ambientalistas, veem o vento soprando a seu favor, com novos desenvolvimentos tecnológicos e aprovações sanitárias no exterior, quando o mundo teme pela segurança alimentar.

A oferta argentina de produtos GM (geneticamente modificados) é abundante e variada. Soja, milho, algodão, até mesmo trigo que ainda está em fase experimental, ganham destaque no contexto da Guerra da Ucrânia e da intensa seca deste verão na Europa, que está ligada às mudanças climáticas.

Desde que a soja transgênica foi plantada pela primeira vez na Argentina, em 1996, a extensão das lavouras chegou a 24 milhões de hectares, e a intenção é avançar ainda mais.

Trigo cultivado dentro de um laboratório na Bioceres Crop Solutions, em Rosário, Argentina - Hector Rio - 26.jul.2022/AFP

"Nossa meta é atingir 40% da área [de trigo] plantada na Argentina nos próximos três a cinco anos", disse à AFP Federico Trucco, diretor-geral da empresa privada Bioceres, que desenvolveu o trigo HB4 resistente à seca.

"Tem a ver com áreas onde hoje a produtividade do trigo é limitada pela [disponibilidade de] água", aponta.

A Argentina terá em 2023 a pior safra de trigo dos últimos doze anos devido à seca provocada por um terceiro ciclo consecutivo do fenômeno climático "La Niña", segundo a Bolsa de Cereais de Rosario.

"Supertrigo"

O trigo HB4, que a Bioceres desenvolveu em parceria com o Conicet (Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas) e a Universidade Nacional do Litoral, partiu de um gene de girassol que lhe permite tolerar a seca.

Até agora ocupa cerca de 100 mil hectares. "Tudo o que é plantado é para obter sementes para plantio futuro, e não para fins de processamento e consumo", disse Trucco.

"Não há marketing de massa porque ainda não temos as variedades certas na quantidade certa", explicou.

A meta da empresa é comercializar o trigo HB4 na Argentina e no Brasil em uma primeira etapa, em três anos, e depois comercializá-lo na Austrália, em aproximadamente cinco anos.

A semeadura do trigo HB4 foi aprovada na Argentina em maio passado, enquanto Brasil e Austrália endossam o uso da farinha HB4 desde 2020.

O trigo HB4 também obteve aprovação da FDA (Food and Drug Administration) dos EUA em junho passado.

Em abril deste ano, os transgênicos argentinos receberam um forte impulso com a aprovação pela China da soja HB4, que estava em análise naquele país desde 2016. Estados Unidos, Brasil e Paraguai já haviam validado em 2019 e Canadá em 2021.

As culturas GM representam 63% da superfície agrícola da Argentina e 13% da área global, o que posiciona o país atrás dos Estados Unidos e do Brasil.

Para os ambientalistas, a intervenção da biotecnologia na agricultura tem consequências para a saúde porque favorece o uso de herbicidas cada vez mais tóxicos.

"É preciso pesar não apenas o efeito do herbicida individual, mas também a maneira como ele interage com outros produtos químicos", comentou à AFP Guillermo Folguera, biólogo e pesquisador do Conicet.

Há também a preocupação de que o avanço dos transgênicos deteriore a biodiversidade e o solo devido ao deslocamento da fronteira agrícola, como ocorreu no final da década de 1990 com o boom da soja.

"Essa deterioração dos solos devido às intensas monoculturas resulta em menor produtividade que se busca compensar com fertilizantes", segundo Folguera.

Em Gualeguaychú, 240 km ao norte de Buenos Aires, está sendo debatida a proibição de plantar trigo HB4. Em 2014, vetou o uso do glifosato, herbicida essencial para a soja.

"É muito provável que uma plantação de trigo transgênico contamine outra com trigo comum. A contaminação cruzada é arriscada porque não há como voltar atrás", alertou Folguera.

Isso pode prejudicar as exportações para países onde os transgênicos ainda são proibidos, alertou Gustavo Idígoras, presidente da Câmara da Indústria do Petróleo e do Centro de Exportação de Cereais.

"A biotecnologia é a única maneira de garantir a segurança alimentar no mundo, mas deve andar de mãos dadas com a aceitação comercial e do consumidor", enfatizou.

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