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Três Cs e um P ajudam a entender por que a comida está tão cara neste ano

Clima, China, Covid e perdas passadas dos produtores são algumas das causas da alta de preços

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São Paulo

Por meio de canetadas, a inflação começa a dar sinais de desaceleração na taxa média. Os alimentos, porém, continuam em alta. E aqui não há a possibilidade de canetadas.

A alta da comida, que ajudou a empurrar a taxa de inflação no mundo para os maiores patamares em quatro décadas, tem causas distantes.

Feira livre da rua Ministro Godói, no bairro Perdizes, em São Paulo - Danilo Verpa - 9.ago.2022/Folhapress

No setor de grãos, começou com a forte demanda asiática, principalmente da China, há pelo menos cinco anos. Na sequência, foi a vez das carnes, devido à explosão da peste suína africana na China, país que mais produz e mais consome essa proteína.

Os chineses foram ao mercado internacional e impulsionaram os preços não só da carne suína como também os da bovina e de frango, um patamar que ainda se mantém.

A pandemia também teve boa participação na alta dos produtos agrícolas. Até então, tudo funcionava normalmente, e os países tinham estoques limitados de alimentos. Até a China, tradicional formadora de reservas, estava reduzindo seus volumes.

Com a pandemia e a desestruturação do transporte mundial, os países foram ao mercado internacional para fazer estoques e garantir a segurança alimentar. Alguns, inclusive, limitaram as exportações de seus produtos.

Quando tudo parecia voltar à normalidade, com o retorno de uma relativa estabilidade na economia mundial, as incertezas sobre o abastecimento de alimentos no mundo aumentam com a invasão da Ucrânia pela Rússia.

Além de todos esses fatores, um outro fenômeno, e com poder de estrago ainda maior, vem afetando fortemente o mercado de alimentos nos últimos anos: o clima.

Em um período de forte demanda mundial, a produção, afetada por problemas climáticos, cai. Com isso, os estoques mundiais de alimentos voltaram para patamares muito baixos.

Um exemplo claro desse efeito do clima —que se espalhou pela Índia, Austrália, China, Estados Unidos, Europa e América do Sul— é o do Brasil. Nas duas últimas safras, o país perdeu 20 milhões de toneladas de milho e outras 20 milhões de toneladas de soja por causa de seca e de geadas. Além de redução de safra em outras culturas, que vão desde café a hortifrútis.

O país, que esperava chegar a 300 milhões de toneladas de grãos, produziu 255,5 milhões em 2021 e deverá obter 271 milhões neste ano.

Essa demanda internacional forte e a oferta menor de alimentos trouxeram sérias consequências para o consumidor, principalmente para o brasileiro, que teve uma grande perda de renda no período.

A inflação elevada, no entanto, bateu também no campo. Os grandes produtores, principalmente os que produzem com os olhares voltados para as exportações, mantêm liquidez, devido aos preços internacionais das commodities ainda elevados.

Os pequenos produtores, e que muitas vezes produzem apenas para o mercado interno, ficaram com custos elevados e demanda baixa para seus produtos.

O resultado foi um investimento menor na produção e uma consequente oferta menor de produto. É o que ocorre nos setores de hortifrútis e de leite, alguns dos itens que puxam a inflação para cima.

Os produtores de tomate elucidam esse cenário. Em geral pequenos produtores, eles têm custos de, em média, R$ 185 mil para cultivar um hectare de terra com o produto.

Em alguns casos, esses gastos sobem para até R$ 275 mil, diz João Paulo Bernardes Deleo, pesquisador da área de hortaliças do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada).

O investimento é alto para um retorno duvidoso. O produtor está vendendo a caixa de tomate por R$ 36,53, mas gastando R$ 35,96 para produzir.

O mínimo desacerto em uma safra deixa o produtor endividado e o retira da atividade. É o que mostra acompanhamento do pesquisador. Desde 2013, a área de tomate vem sendo reduzida ano a ano no país.

Em um período em que a demanda e a renda dos consumidores brasileiros andam curtas, o produtor vai pensar duas vezes antes de investir uma quantia tão elevada. E isso vale para todas as culturas, diz o pesquisador.

Essa saída de pequenos produtores do mercado de hortifrútis reduz a oferta de produto, concentra a produção e vai permitir que, cada vez mais, a formação de preços fique nas mãos de poucos.

O perigo ronda também a oferta de outros produtos básicos, como arroz e feijão. Nesses casos, o rendimento menor com esses produtos faz o agricultor sair da atividade e buscar a produção de itens destinados ao mercado externo, como soja e milho, e mais rentáveis.

A Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) divulgou na quinta-feira (11) que os estoques finais de feijão —aquele volume que sobra de uma safra para outra— caíram para 214 mil toneladas neste ano, 23% a menos do que o órgão previa em julho.

Já o de arroz será inferior a 2 milhões de toneladas, com recuo de 10% em comparação às estimativas feitas no mês passado.

O segundo semestre, normalmente, é um período de maior oferta e de preços mais acomodados para os hortifrútis. Neste ano, porém, há um componente novo para os produtores: a intensa elevação dos custos. Deleo acredita que os preços não subirão, mas já estão em patamares elevados.

No setor de grãos, é o período de plantio para a nova safra de 2022/23. Os produtores também enfrentarão novos custos, mas já anteciparam parte das vendas da futura colheita a preços elevados, garantindo liquidez.

O pior mesmo fica para os agricultores, em geral de pequena escala, voltados para o mercado interno. Vão enfrentar custos de produção elevados e demanda fraca, devido à baixa renda dos consumidores. Um alívio poderá vir de parte do dinheiro dos programas de renda temporários do governo.

Além de uma eventual oferta menor de vários produtos, os consumidores terão um repasse maior nos preços dos alimentos, devido à aceleração dos custos dos agricultores, principalmente os dos insumos básicos.

Um deles é o fertilizante. Os preços começam a recuar, mas ainda estão em patamares elevados, onde deverão ficar por um bom tempo.

A produção mundial recuou neste setor, os preços das matérias-primas subiram e a recuperação de minas ou a abertura de novas é um processo demorado. O resultado é uma oferta menor, disputa do insumo por vários países e preços elevados no mundo todo.

A oferta mundial de alimentos ainda depende de alguns fatores que afetam intensamente a produção e são incógnitas na decisão do produtor.

Um deles é a convivência com custos mais elevados, e que vão interferir nos preços finais. O comportamento do dólar é um componente dessa equação.

Em segundo lugar, a alta da taxa de juros no mundo poderá levar a uma recessão, afetando a demanda de alimentos, embora de maneira menos intensa do que no resto da economia.

O conflito da Rússia e da Ucrânia, dois grandes fornecedores mundiais de alimentos, ainda está distante de ser resolvido, e isso influencia na oferta global.

Há, ainda, o fator clima, que pesa muito e vem sendo uma constante na produção agrícola. Difícil de ser medido antecipadamente, esse fenômeno tem derrubado a produção agrícola mundial. Tanto os pequenos como os grandes produtores estão sujeitos a uma eventual adversidade climática.

Neste momento, os olhos do mundo estão voltados para as lavouras dos Estados Unidos, onde o calor está afetando a produtividade dos grãos. Os americanos, líderes mundiais na produção de milho e grandes fornecedores de soja e de trigo, ainda dependem do fator climático para atingir uma boa safra. Por ora, o calor intenso nos períodos diurno e noturno no cinturão de maior produção já retirou do país o potencial máximo de produção. A safra será menor.

A cadeia de produção está interligada. Uma quebra nas safras de milho e de soja afeta produção e custos no setor de carne, de energia (via etanol e biodiesel) e de alimentos (pão, óleo de soja e outros), itens do dia a dia do consumidor.

O mundo, para continuar com patamares razoáveis de alimento, não suporta mais uma quebra de safra no Brasil, nos Estados, na Europa ou em outras regiões produtoras. Os estoques estão baixos, e os preços devem continuar aquecidos.

Os alimentos podem até ter pequenas reduções de preços, como está ocorrendo, mas o patamar atingido no Brasil e no mundo retira o poder de compra de boa parte dos consumidores, devido à perda de renda.

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