Descrição de chapéu Financial Times União Europeia inflação

Experiência de transporte público barato na Alemanha chega ao fim da linha

Governo diz que não pode se dar ao luxo de prorrogar o bilhete de 9 euros por mês que teve grande popularidade entre os eleitores

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Guy Chazan
Berlim | Financial Times

Em um evento público no fim de semana passado, perguntaram ao ministro das Finanças alemão, Christian Lindner, por que ele estava abolindo uma das políticas mais populares do governo –o bilhete de 9 euros por mês (cerca de R$ 47) para trens e outros transportes públicos locais que foi um grande sucesso entre os eleitores.

Um jovem que disse que o usou para viajar mais de 11.500 quilômetros pela Alemanha perguntou por que os liberais de Lindner estavam impedindo uma ampliação do esquema de três meses. "Você viajou 11 mil km por 27 euros?", retrucou Lindner. "Isso simplesmente não é sustentável."

O esquema de passagens baratas fazia parte de um pacote de 30 bilhões de euros (R$ 156 bilhões) de medidas de alívio apresentado pelo chanceler Olaf Scholz após a invasão da Ucrânia pela Rússia. Ele foi projetado para matar dois coelhos de uma cajadada só –suavizar o golpe da inflação crescente e uma crise iminente do custo de vida, ao mesmo tempo em que combatia as mudanças climáticas, incentivando as pessoas a usarem menos automóveis.

Multidão de passafeiros em plataforma de trem em Rostock, na Alemanha - Lisi Niesner - 4.jun.2022/Reuters

Outros países fizeram movimentos semelhantes. Na Espanha, as viagens por partes da rede ferroviária estatal Renfe serão gratuitas de 1º de setembro até o final do ano. A Áustria opera um "bilhete climático" desde novembro que custa 1.095 euros (R$ 5,7 mil) por ano e cobre redes ferroviárias, de metrô e ônibus nas cidades e em todos os lugares.

Cerca de 30 milhões de pessoas aproveitaram a oferta alemã, mais de um terço da população, e Scholz a descreveu como "uma das melhores ideias que já tivemos".

Marion Jungbluth, especialista em viagens da associação de consumidores VZBV, disse que "o entusiasmo que as pessoas demonstraram por isso é absolutamente sem precedentes".

A Alemanha era conhecida pela complexidade diabólica de suas máquinas de venda de passagens e estruturas de preços, que variam muito de região para região, explicou ela, mas o bilhete de 9 euros acabou com isso. "Muitas pessoas aceitaram a oferta porque era muito fácil de comprar", disse ela.

No entanto, seu sucesso colocou o governo de Scholz num dilema. O esquema, que custou 2,5 bilhões de euros a Berlim, deveria funcionar apenas de 1º de junho até o final de agosto, mas se mostrou tão popular que os alemães poderão relutar em voltar aos preços normais das passagens quando expirar. Muitos agora estão exigindo um adiamento.

Lindner, líder dos Democratas Livres, pró-empresas, que fazem parte da coalizão de três partidos de Scholz, se opõe estritamente. Ele disse ao homem no evento público na semana passada que custaria 14 bilhões de euros (R$ 73 bilhões) operar o esquema por um ano inteiro –dinheiro que seria muito melhor gasto "na modernização da rede ferroviária alemã em ruínas e na expansão da capacidade".

Pascal Meiser, parlamentar do partido Linke, de extrema esquerda, disse que essa visão ignorou dados de pesquisas que indicam grande apoio à política. "É notável a confiabilidade com que Lindner consegue julgar mal o clima no país", disse ele à revista Der Spiegel.

Outros questionam se foi tão bem sucedido quanto alguns afirmam. Lars Feld, professor de economia da Universidade de Freiburg, que assessora Lindner, disse que o resultado disso foram "trens superlotados, que causaram atrasos e impactaram a rede ferroviária de longa distância".

De fato, pelo menos nas primeiras semanas, o sistema de transporte da Alemanha ficou sob enorme pressão. Imagens nas redes sociais mostraram plataformas lotadas, trens apenas com espaço em pé e passageiros de mau humor.

Feld disse que estava claro que mais pessoas estavam usando o transporte público, "mas era quase exclusivamente uma demanda adicional –não houve mudança no tráfego da estrada para a ferrovia".
"Assim, as metas ambientais não foram alcançadas", disse ele.

Outros contestam isso. "Dados iniciais mostraram que em algumas cidades houve menos engarrafamentos enquanto vigorou o esquema", disse Stefan Gelbhaar, porta-voz de transporte do Partido Verde. "Quando a oferta e o preço estão certos, as pessoas realmente mudam para o transporte público."

De fato, uma pesquisa citada pela Deutsche Bahn, a operadora ferroviária estatal alemã, mostrou que um quinto dos que compraram a passagem barata nunca tinham usado ônibus, trens e bondes antes.

O esquema também ajudou a combater a inflação, que segundo o Bundesbank pode chegar a 10% nos próximos meses. "Nossos cálculos mostram que isso reduziu a taxa de inflação em 0,7 ponto percentual", disse Sebastian Dullien, diretor de pesquisa do Instituto de Política Macroeconômica da Fundação Hans Böckler.

Também deu alívio às famílias pressionadas. "Uma família de quatro pessoas em Hamburgo, onde os pais pegam metrô para o trabalho e as crianças vão de ônibus à escola, está economizando muito dinheiro", disse Dullien. Por isso, argumentou, deve ser prorrogado "até o próximo verão, ou pelo menos até que os preços da energia comecem a baixar".

Outros concordam. A Associação das Empresas de Transporte Alemãs propôs substituí-lo por um bilhete de 69 euros (R$ 359) por mês, novamente válido para todo o país. Os Verdes, que também fazem parte da coalizão de Scholz, defendem um modelo de dois níveis, com uma passagem de 29 euros para viagens regionais e uma versão de 49 euros para viagens nacionais.

Os políticos estão apresentando soluções criativas para financiar uma extensão. Lars Klingbeil, líder dos social-democratas de Scholz, disse à TV ZDF que queria ver um imposto sobre lucros inesperados para pagar por um sucessor do bilhete de 9 euros –"igual ao da Espanha". Lindner rejeitou a ideia.

As demandas por uma continuação são em parte alimentadas por temores de que os preços das passagens subam assim que o esquema de 9 euros terminar.

"Algumas empresas de transporte anunciaram que terão que aumentar os preços antes do fim do ano", disse Jungbluth. "Se isso acontecer, tudo o que foi alcançado com o bilhete de 9 euros será destruído."

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