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Os apuros da economia da China e seu impacto para o mundo

Pequim corta juros para incentivar o consumo, após política de zero covid e colapso do mercado imobiliário abalarem a economia nacional

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Nik Martin
Bonn (Alemanha) | DW

Em 2008, a economia da China, então em rápida expansão, e um gigantesco pacote de estímulo lançado por Pequim ajudaram os países ocidentais a se recuperarem da crise financeira global.

Neste momento em que a inflação alta, exacerbada pela Guerra da Ucrânia, detém o crescimento das grandes economias globais, diversos economistas têm esperanças de que a potência asiática virá novamente em socorro do mundo.

Só que não é 2008: os apuros econômicos chineses são profundos, o governo praticamente desistiu de sua meta anual de 5,5% de crescimento do PIB. Em julho, o primeiro-ministro Li Keqiang advertiu que há pouco apetite para medidas expansionistas.

Trabalhadores em macacões de proteção nas ruas de uma área residencial em lockdown, parte da política Covid zero, em Xangai - Reuters/Aly Song

Os negócios e o consumo na segunda maior economia foram sufocados pela política nacional de Covid zero, resultando em meses de confinamento em dezenas de cidades e forçando numerosas firmas a fecharem. Agora os líderes chineses relutam em reverter as decisões draconianas, temendo desencadear uma crise maior.

"A China não viveu, de fato, com a Covid-19, como o resto do mundo. Então, haveria caos econômico se de repente o vírus se abatesse sobre o país", explica Jacob Gunter, analista-chefe do Instituto Mercator de Estudos Chineses (Merics), sediado em Berlim. "Não há imunidade adquirida, devido à recusa de importar vacinas de mRNA; não há um sistema de saúde desenvolvido; e muita hesitação quanto à vacina."

Crash imobiliário pior do que política 'Covid zero'

Pior ainda: a recente devassa governamental dos débitos das incorporadoras imobiliárias desencadeou um colapso do setor que levou à beira da falência uma das maiores construtoras do país, a Evergrande.

Os compradores de imóveis suspenderam o pagamento das hipotecas sobre apartamentos inacabados, os empréstimos bancários para compra de propriedades caíram pela primeira vez em uma década, e o volume de espaço residencial –indicador para novas atividades de construção— caiu para quase a metade no segundo trimestre de 2022.

Em comparação com a política de Covid zero, "o crash imobiliário é o problema maior", na opinião de Craig Botham, especialista em China da consultora de pesquisa Pantheon Macroeconomics. "A economia se mostrou capaz de se recuperar rapidamente de lockdowns, mas o dano da desvalorização dos ativos num setor equivalente a 30% do PIB é muito mais pernicioso. Famílias, bancos e governos locais, todos estão com os balancetes prejudicados."

Embora recusando-se a distribuir mais estímulos monetários até a inflação e a pandemia de Covid-19 estarem sob controle, em meados de agosto o banco central chinês cortou as taxas de juros, em reação ao crescimento da produção industrial e do comércio varejista abaixo do previsto, e à redução de 10% da demanda de petróleo, no mês anterior.

"É o contrário do que está acontecendo no resto do mundo, onde os países estão aumentando as taxas de juros", comenta Gunter. "A China tem o contrário dos problemas que temos nos Estados Unidos e na Europa", acrescenta: os consumidores do país evitam gastar por medo de serem colocados em quarentena, sem fonte de renda.

No fim das contas, a China vai ajudar o mundo?

Entretanto, Craig Botham não crê que os cortes dos juros vão fazer grande diferença ao crescimento econômico da China, por dois motivos: "Um é que eles só impactarão imediatamente os custos de financiamento dos bancos, sem ser necessariamente transmitidos à economia real."

"O segundo, e mais importante, é que a demanda de empréstimos despencou morro abaixo. Eu suspeito que o Banco Popular da China achou que tinha que fazer alguma coisa, mesmo sabendo que o que quer que faça terá impacto mínimo."

Enquanto segura os eventuais novos estímulos, o governo central tentou desviar a atenção de si, instando os governos regionais a se empenharem mais para estabilizar o crescimento e incentivar as oportunidades de emprego –uma medida que foi encarada com ceticismo, relata Botham: "Os governos locais têm balancetes cheios de furos, e não há muito mais que possam fazer. Precisamos ver o governo central tomar uma atitude."

Já se acumula a pressão sobre os líderes chineses: em meados de agosto, o jornal Financial News, financiado pelo Estado, exigiu medidas pró-crescimento. Citando Wen Bin, economista-chefe do China Minsheng Bank, a reportagem de primeira página urgia Pequim a estimular a demanda através de subsídios. Além disso, defendia a adoção de mais medidas para a indústria e o mercado imobiliário, visando impulsionar a recuperação da produção e do consumo.

A resistência a novos subsídios poderá ceder nos próximos meses, quando o presidente Xi Jinping se prepara para concorrer a um terceiro mandato no 20º Congresso Nacional do Partido Comunista da China, marcado para novembro.

Ao contrário de 2008, quando o estímulo chinês de 4 trilhões de yuanes ajudou a estabilizar a economia global, é provável que qualquer medida expansionista de Pequim vá ter impacto restrito para o Ocidente, avalia Craig Botham. Contudo poderá ajudar a mitigar a crise do custo de vida que oprime a região.

"É seguro dizer que a China não resgatará a economia global neste ciclo. As esperanças de um novo superciclo de matérias-primas deslanchado pela China serão frustradas. No entanto, o foco em políticas voltadas para a oferta e as debilidades da demanda chinesa resultarão em a China exportar desinflação ou mesmo deflação para o resto do mundo nos próximos 12 meses, mantendo a inflação global sob controle."

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