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Sem infraestrutura, 5G pode elevar desigualdade de acesso a serviço público, dizem especialistas

Capital paulista tem 4.592 antenas ativas, mas precisaria do dobro para atender também os mais pobres

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São Paulo

A comerciante Claudiane dos Reis Oliveira, 32, aguarda com ansiedade a melhoria no sistema de telefonia e internet com a chegada do 5G. Ela e o marido são proprietários de uma farmácia na região do Marsilac, no extremo sul da capital paulista. O bairro tem um dos piores sinais de internet da cidade, segundo mapeamento da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações).

"Até pouco tempo não havia nada. Chegou uma operadora e passou a oferecer o serviço. Mas tem dias que nada de sinal. Temos clientes distantes, que, às vezes, não conseguem entrar em contato para que possamos fazer a entrega", diz Claudiane, que cita outros entraves causados pela falta de internet adequada.

"Abri uma conta em um banco e o gerente ligou avisando que havia mandado o código de ativação por SMS, mas quem diz que chegava esse código? Tive que ir pessoalmente fazer a ativação, porque não dava pelo celular, por falta de sinal."

Claudiane, de 32 anos, segura um telefone celular com a mão esquerda e digita no aparelho, olhando de frente para a câmera; ela está de óculos, cabelo preso, máscara branca e veste uma blusa rosa.
A comerciante Claudiane dos Reis Oliveira, 32, tenta conexão com o celular no bairro Marsilac, no extremo sul de São Paulo; sinal de internet e telefonia móvel é um dos piores da cidade, segundo a Anatel - Rubens Cavallari/Folhapress

Mas a esperança de Claudiane esbarra na falta de investimentos em infraestrutura, questão essencial para que a nova tecnologia possa impulsionar políticas públicas no país.

A expectativa é que a médio e longo prazo o cidadão passe a sentir os efeitos da nova tecnologia, que vão além dos serviços públicos. Telemedicina, indústria 4.0 e internet das coisas (a conexão de objetos físicos capazes de transmitir dados) deverão ter melhorias significativas.

Marcelo Zuffo, professor titular do Departamento de Engenharia de Sistemas Eletrônicos da Escola Politécnica da USP, faz um paralelo com infraestruturas sociais, como iluminação pública ou saneamento básico: para serem satisfatórias, precisam beneficiar a população como um todo.

"Não adianta ter o 5G só no centro de São Paulo e continuar promovendo esse processo de exclusão."

A Prefeitura de São Paulo reconhece a carência de internet na região de Marsilac e diz que o distrito está entre os 28 prioritários para a instalação de novas antenas.

A gestão municipal afirma que "assinou um termo de adesão com as operadoras", em março, no qual elas se comprometerem a instalar 286 Erbs (Estações Rádio-Base) em áreas mais afastadas das regiões sul, norte e leste da capital.

Em janeiro deste ano, a Prefeitura de São Paulo sancionou a chamada Lei das Antenas. Ela estabelece regras para a implantação das antenas de telecomunicação, com o objetivo de simplificar o licenciamento e expandir o sinal de internet no município. De acordo com a Anatel, São Paulo tem 4.592 antenas ativas.

Antenas de 5G em São Paulo deveriam ser o dobro, diz pesquisador

Para Zuffo, essa quantidade passa longe do que o município necessita. "São Paulo, que é supostamente a maior cidade digital da América Latina, é uma das piores no ranking de infraestrutura. Deveria ter o dobro de torres que ela tem. Aparentemente, o processo de licenciamento na cidade de São Paulo é muito complexo, vamos ver se com a nova lei das antenas melhora."

Claudiane, de 32 anos, segura um telefone celular com as duas mãos; ela está de óculos, cabelo preso, máscara branca e veste blusa rosa de moletom e calça jeans; está encostada em um banco de cimento, e no lado direito tem uma estrutura de concreto pintada de vermelho com as quatro primeiras letras da palavra Marsilac escrita em branco.
A comerciante Claudiane dos Reis Oliveira, 32, tenta conexão com o celular em uma avenida no bairro Marsilac, no extremo sul de São Paulo - Rubens Cavallari/Folhapress

Arthur Barrionuevo, professor especialista em telecomunicações da FGV EAESP, também vê na estrutura da telefonia móvel um gargalo para a implantação do 5G. "A ligação entre as antenas é feita por cabo, fibra ótica. Isso está disponível, mas muita coisa [estrutura física e tecnológica] vai ter que ser melhorada para suportar o 5G, que transmite muito mais dados que hoje em dia."

A nova tecnologia também terá um custo ao cidadão. As melhorias vão começar a ser sentidas a partir do momento em que os aparelhos forem sendo trocados.

"Vai facilitar a interação à medida que o 5G for se expandindo. Todo serviço que prefeituras e estados prestam ao cidadão vai gerar uma experiência melhor entre os dois polos. A interação entre governo e cidadão vai ficar mais fácil", diz Barrionuevo.

"Mas primeiro é preciso ter um monte de gente que esteja ligado ao 5G. Nos grandes centros isso vai acontecer em uma velocidade mais rápida", completa o professor.

Segundo Ronaldo Lemos, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro e colunista da Folha, o 5G só vai ter impacto significativo se chegar no formato chamado standalone, que é o 5G puro, com latência muito baixa —intervalo mais curto entre o ao vivo e o transmitido— e capacidade de transmissão elevada.

"Não é que o 5G vai chegar do dia para noite e automaticamente tudo vai ser revolucionado. Primeiro é preciso ter certeza que ele chegue do jeito certo e que a gente esteja preparado do ponto de vista de Estado, sociedade civil e setor privado, para aproveitar as aplicações que são possíveis nesse 5G verdadeiro. Se isso acontecer, aí sim vai ter um impacto para produção industrial, infraestrutura das cidades, telemedicina e várias outras áreas que ele mostra o seu potencial", diz Ronaldo.

Pandemia fez serviços públicos digitais dispararem

Durante a pandemia, houve expansão dos serviços públicos digitalizados, forçada pela necessidade causada pelo isolamento social. De acordo com levantamento do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação, 76% das organizações federais oferecem serviços públicos digitais.

A plataforma gov.br, do governo federal, oferece hoje mais de 4.000 serviços digitalizados. Em comparação com 2019, ano antes da pandemia, houve um salto de 127%.

No caso das prefeituras, também houve um crescimento nos últimos anos, mas a oferta de serviços varia conforme o tamanho da cidade. Emissões de documentos, como licenças, permissões e certidões, por exemplo, podem ser feitas por meio dos sites em 92% das prefeituras de cidades com mais de 500 mil habitantes. Este número cai para 51% nas que possuem até 10 mil habitantes.

"O Brasil vive um processo brutal de transformação digital durante a pandemia. Hoje é um senso comum que a sociedade brasileira não vive sem a telefonia móvel de banda larga", diz Zuffo, que já desenvolve na USP projetos relativos à internet das coisas com base na nova tecnologia, como os voltados à segurança urbana e monitoramento de florestas.

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