Descrição de chapéu Eleições 2022

Guedes perdeu chance única no Brasil, diz cofundador do megafundo Mobius

Para Carlos Hardenberg, mercado não teme mais Lula, que 'não se diferencia radicalmente' de Bolsonaro

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Washington

O ministro da Economia, Paulo Guedes, perdeu uma oportunidade rara de aumentar o fluxo de capital estrangeiro no Brasil e de fazer mais privatizações, bem como de investir na redução da desigualdade social. É a avaliação de Carlos von Hardenberg, cofundador da Mobius Capital Partners, fundo de investimentos especializado em mercados emergentes.

Ele diverge do dono do fundo, Mark Mobius, para quem é preciso cortar benefícios sociais. Em entrevista à Folha, Hardenberg afirma que o próximo presidente precisa focar na redução da desigualdade, assim como avançar em reformas e privatizações.

Carlos von Hardenberg, gestor de carteiras e confundador da Mobius Capital Partners, focada em mercados emergentes
Carlos von Hardenberg, gestor de carteiras e confundador da Mobius Capital Partners, focada em mercados emergentes - Divulgação

Para o economista, que diz acompanhar de perto as eleições brasileiras, Bolsonaro tem uma agenda mais pró-mercado, mas Lula não assusta mais o setor privado. No fim das contas, os dois candidatos não se diferenciam tão radicalmente, afirma ele.

Vocês estão acompanhando as eleições brasileiras de perto? Estamos esperando estas eleições há um bom tempo. Acabamos de voltar do Brasil, onde passamos dez dias em encontros com bancos, pequenas e grandes empresas, a indústria e economistas.

Desta vez, os candidatos não são os mais populares do mundo, ambos dividiram a sociedade e aprofundam essas divisões com suas retóricas. É muito interessante ver que o setor privado e a população jovem com quem conversamos não consideram os dois candidatos [Lula e Bolsonaro] uma maravilha, mas eles têm confiança nas instituições do Brasil, no sistema de freios e contrapesos, no Judiciário largamente independente com disposição para apurar escândalos e no fato de que, no fim das contas, os dois candidatos não se diferenciam tão radicalmente, quando se olha os fatos.

Como avalia os principais candidatos? É claro que Bolsonaro é mais pró-mercado, quer aprofundar as reformas e as privatizações, o que é muito importante. Mas Lula também não representa mais um desvio das práticas de mercado, não há medo no setor privado, e isso é uma boa notícia. O maior risco seria um desvio das políticas macroeconômicas mais prudentes, com medidas como controle de preços, controle de comércio, qualquer tipo de taxação que penalize e atrapalhe empreendedoras a fazerem seus negócios. Além de mais escândalos de corrupção. Tudo isso seria um desastre.

Uma boa notícia é que o Brasil já teve sua parcela na crise global, e o país se fortaleceu. Isso é evidenciado por exemplo pelo fato de que o Banco Central do Brasil foi muito rápido em prever e atacar a pressão inflacionária, 18 meses atrás, quando a taxa de juros era de 2%, e aumentou para condições muito mais reais. Isso dá confiança à moeda e a investidores estrangeiros.

Qual o nível de interesse estrangeiro pelo Brasil hoje? O Brasil é incrivelmente atrativo em muitas frentes. É abençoado com uma das forças de trabalho mais preparadas e bem-educadas, há muito talento, há um bom sistema educacional, o que gera um exército de empreendedores que está constantemente investindo no país. A grande questão é o que o Brasil vai fazer com isso tudo e como vai lidar com o dilema social, como tornar a sociedade mais igualitária, distribuindo mais riqueza entre os desfavorecidos. É o principal desafio.

E o que o próximo presidente precisa fazer? A notícia ruim é que não é um caminho fácil e requer decisões difíceis, com muita disciplina. É preciso aprofundar as privatizações, fazer um governo transparente e cada vez mais eficiente, inovador, com recolhimento de impostos menores e mais efetivos. Também é preciso um sistema orientado ao social, que garanta acesso à educação aos desfavorecidos. É preciso ainda investir mais em parcerias público-privadas.

Não se deve esquecer que todos os países estão competindo uns contra os outros. O Brasil compete com a Coreia do Sul, Taiwan, China, Estados Unidos. É preciso criar um ambiente bom para investidores estrangeiros para atrair uma indústria sofisticada. Por que a indústria de semicondutores não investe mais no Brasil, que tem água, energia e acesso a algumas das economias mais vibrantes do mundo? Na tecnologia, o Brasil ainda não atraiu investidores estrangeiros como deveria fazer.

E quem é o melhor candidato para isso, na sua avaliação? Os dois candidatos [Lula e Bolsonaro] têm habilidade para tal. É claro que, para mim, a linguagem que Bolsonaro usa e muitas das políticas que ele defende são altamente questionáveis. Mas ele tem ouvidos para o setor privado. Assim como Lula. E aprendemos da última vez que Lula esteve no poder, quando havia muito medo, considerando seu passado, mas que no fim das contas ele esteve muito atento ao setor privado. Os dois candidatos podem fazer muito, mas Bolsonaro é claramente o que está mais ao lado dos empreendedores neste momento.

Havia uma grande expectativa no começo do governo entre o mercado, sobretudo pela presença do ministro da Economia, Paulo Guedes, e uma parcela saiu frustrada. Eu também fiquei frustrado. Eu descreveria como uma grande perda de oportunidade de fazer mais.

Fazer mais o quê? Ele deveria ter sido muito mais agressivo nas duas pontas. Deveria ter criado mais incentivos para indústrias estrangeiras se estabelecerem no Brasil, o que não é tão difícil, você só precisa ter uma agenda clara e pressionar nesse sentido, dando acesso a terra, incentivos financeiros e apoio a empresas estrangeiras. Deveria também ter feito mais em termos de privatização. Ele tentou, é claro que foi um período muito difícil para qualquer governo, mas poderia ter feito muito mais.

Por fim, deveria ter feito mais para apoiar os desfavorecidos. Havia todos esses programas [auxílio emergencial], que foram caros e em parte houve abusos. Mas o Brasil precisa mais disso.

O senhor teme tumultos nas eleições? Protestos violentos estão muito mais relacionados à economia, ao nível de desemprego, à ajuda estatal ou à falta de perspectiva no futuro do que à agenda política estritamente. No Brasil, há boas e más notícias, mas no geral a economia está indo razoavelmente bem. O país se beneficia da alta das commodities, isso ajuda no desemprego e na estabilidade. Mas também a taxa de juros, no nível em que está, prejudica a renda domiciliar e atrapalha os mais pobres a fazerem negócios e conseguirem empréstimos bancários. Há certo risco, mas eu pessoalmente apostaria que uma turbulência civil profunda não está em jogo agora.

Vê risco de um golpe? Espero que não. Acredito que não.

Um dos calos do presidente Bolsonaro é a agenda ambiental. Em tempos de ESG [sigla em inglês para boas práticas nas áreas ambiental, social e de governança], como os investidores estrangeiros vão se sentir seguros para investir no Brasil? Isso é uma tragédia e infelizmente um dos maiores problemas de todo mundo que faz negócio com o Brasil, essa ignorância, a linguagem que ele [Bolsonaro] usa para falar de meio ambiente.

O Brasil depende muito de sua capacidade de atrair capital estrangeiro, e isso é positivo, porque leva muitas empresas a focar na parte ambiental. Mesmo algumas das empresas mais poluentes do Brasil embarcaram nos últimos anos em iniciativas para reduzir o consumo de recursos, passaram a respeitar o meio ambiente muito mais do que antes.

Bolsonaro e sua turma parecem gostar de atacar ambientalistas. O que é bom é que o Brasil tem um Parlamento muito diverso e que funciona bem, com diferentes vozes. Mesmo se Bolsonaro ganhar a eleição, ele não deve conseguir continuar nesse caminho. Há freios e contrapesos.


RAIO-X

Carlos von Hardenberg
Gerente de portfólio e cofundador da Mobius Capital Partners, focada em mercados emergentes. Antes, trabalhou por 17 anos na Franklin Templeton Investments.

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