Descrição de chapéu Financial Times

Por que mais gerentes estão voltando para a natureza

Proposta é que contato com natureza ajude trabalhadores a se identificar com valores da empresa

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Oliver Balch
Londres | Financial Times

Ao acordar numa manhã fria em um bosque perto de Reading, no sul da Inglaterra, com os primeiros raios do sol atravessando sua barraca e um leve torcicolo, Steve Waygood poderia ser perdoado por pensar que havia se inscrito no curso errado.

Mas isso é "aprendizagem experiencial" em estado bruto: uma prática cada vez mais popular usada pelas empresas para conectar sua força de trabalho à substância real de suas políticas ambientais.

Como chefe de investimento responsável da seguradora britânica Aviva, Waygood já está mais a bordo do que a maioria. Mas, com chapéu ecológico ou não, ele ainda vê o valor de abandonar seu terno por alguns dias e entrar na natureza. "Se nos esquecermos de saborear o mundo", diz ele, citando o aclamado escritor infantil americano E. B. White, "que possível razão teremos para salvá-lo?"

Participantes de programa "Bio-Leadership Project" , na Inglaterra - @bioleadershipproject no Instagram

Departamentos de ambiente corporativo exasperados podem muito bem estar fazendo a mesma pergunta. Apesar de toda a retórica sobre sustentabilidade empresarial e ESG nos últimos anos, pouca coisa parece estar funcionando.

Segundo uma pesquisa global recente da agência de comunicação Kite Insights, do Reino Unido, a maioria (56%) dos trabalhadores não consegue explicar os compromissos climáticos de suas próprias empresas —apesar de um volume esmagador (77%) que atua nessa área.

Então, abandonar a sala de aula e ir para as montanhas poderia fechar essa desconexão preocupante?
Andres Roberts tem poucas dúvidas. Fundador do Bio-Leadership Project (Projeto Bioliderança), uma rede de consultoria e bolsas do Reino Unido inspirada na natureza, ele é um líder veterano de experiências de treinamento para organizações como o Barbican Centre, a varejista de alimentos Better Food e o grupo de cosméticos Natura. Ele também é o homem por trás do sono de Waygood na floresta –parte de um retiro de fim de semana voltado para, nas palavras de Roberts, "reacender nossa capacidade de ver o quadro geral".

Pelos padrões convencionais de treinamento, seus métodos são pouco ortodoxos, variando de jogos e conversas em torno de fogueiras a diários e brainstorming sob o céu azul. Baseando-se na crença fundamental de que estar na natureza é a melhor maneira de entender a natureza, Roberts recentemente ajudou a criar um programa de treinamento para a divisão europeia da marca americana de roupas para atividades ao ar livre Patagonia.

Realizada numa floresta fora da cidade holandesa de Utrecht, a "Universidade da Terra", como a Patagonia a chama, busca incentivar os funcionários a se conectarem com a missão declarada da empresa –ou seja, a promessa um tanto ambiciosa de "salvar nosso planeta natal". Descrevendo-a como a "escola florestal própria da empresa", Evelyn Doyle, chefe de pessoas e cultura da Patagonia, insiste que o ambiente ao ar livre é fundamental para a eficácia da iniciativa.

"Seja ensolarado ou invernal, estamos no ambiente com que conversamos", diz ela. "Trata-se de trazer as pessoas de volta à natureza para que possam aprender não com PowerPoints, mas com o ecossistema ao seu redor."

Anne-Marie Robles, gerente distrital de varejo da Patagonia, ficou muito feliz em deixar a sala de aula formal para trás. Integrante da primeira turma da Universidade da Terra, ela descreve sua experiência na floresta como "entrar em uma sala de tela verde".

Foi-se a parafernália de treinamento habitual em salas abafadas e rabiscos no quadro branco, substituídos pelo vento em sua pele e terra sob seus pés.

Durante três dias, foi uma pausa dos esboços de estratégia em quadros brancos e, em vez disso, a visão das árvores e a sensação do vento nos cabelos.

"Parece muito esotérico e hippie, mas na verdade achei um ambiente realmente libertador para abordar tópicos de um ponto de vista completamente diferente", reflete.

Área ao ar livre do Botanique Hotel & Spa - Keiny Andrade/Folhapress

Pukka Herbs, uma marca de chás e suplementos de ervas com sede em Bristol, tem um acordo muito semelhante com The Eden Project, uma instituição beneficente de ecoeducação com sede no sudoeste da Inglaterra. Durante uma estadia de duas noites, grupos de dez funcionários de cada vez realizam uma série de atividades estruturadas e não estruturadas, desde caminhadas individuais na natureza até visitas privadas às famosas florestas tropicais em estufa da instituição.

O objetivo primordial é que os participantes tenham tempo e espaço para considerar os valores da empresa, tanto no "nível individual" quanto no "nível Pukka", explica Suzy Stollery, diretora de pessoal da marca. "Todas essas atividades combinadas gradualmente movem você da cabeça para o coração. Então, não é tanto um processo cognitivo, mas um processo incorporado, onde você realmente sente as coisas", diz ela.

Emma Colwill confirma o impacto de sair de um ambiente de aprendizagem convencional. Como diretora de desenvolvimento de negócios globais da Pukka, seu foco diário é a construção de novos mercados.
Mas depois de alguns dias no Eden Project (ela já esteve três vezes ao todo), ela se sentiu capaz de "ganhar perspectiva" e "ver as coisas como elas são".

"Fiquei impressionada com a forma como a experiência da natureza como sala de aula me permitiu explorar minha sabedoria interior –meu eu consciente e inconsciente–, o que pode ser realmente valioso em um contexto de negócios", diz ela.

Os adeptos mais entusiásticos do treinamento da natureza como sala de aula tendem a vir do extremo mais progressista do espectro de negócios (os valores de "verdade", "respeito", "clareza" e "coragem", por exemplo, derivam de tradições da sabedoria antiga).

Mas aqueles que estão no lado mais duro do capitalismo também estão experimentando. Entre eles o HSBC, maior credor da Europa, que conta com uma parceria de treinamento de longa data com a instituição de caridade Earthwatch.

Até o momento, o banco com sede no Reino Unido colocou mais de 15 mil funcionários no programa, que começou como um local externo para aqueles com responsabilidades diretas relacionadas ao meio ambiente, mas agora está aberto a funcionários de qualquer área.

A mudança mostra uma percepção crescente de que cumprir metas ousadas de sustentabilidade corporativa não pode ser o trabalho de uma equipe especializada em meio ambiente, mas exige adesão total.

O sucesso aqui, por sua vez, depende de mudar a mentalidade dos funcionários do "quê?" da responsabilidade ambiental para o "porquê?", diz John Ward-Zinski, diretor de desenvolvimento de negócios da Earthwatch Europe. "'Por que isso é importante?' 'Por que nossa organização está gastando tanto tempo com essas coisas?' 'Por que devo me importar?' Conseguir que os funcionários comecem a fazer essas perguntas é como ir além da mera marcação de alternativas, ainda tão comum em muitas empresas", afirma.

Mas despachar os funcionários com suas botas de caminhada e equipamentos de chuva exige uma camada adicional de esforço por parte de todos, empregador e empregado. Então, realmente vale a pena?
George Ferns, professor de estudos organizacionais e sustentabilidade na Universidade de Cardiff, insiste que sim. Funcionários com uma conexão com a natureza exibem um senso de propósito mais forte, afirma ele, além de uma maior disposição para executar os planos ambientais dos empregadores. No entanto, o treinamento baseado na natureza tem seus desafios, ele admite. Uma preocupação imediata é manter o engajamento inicial dos funcionários. Uma ou duas semanas após voltarem ao trabalho, as lembranças do cheiro de madressilva e do canto dos pássaros podem desaparecer rapidamente.

"A esperança é que as lições dessas experiências se espalhem na vida operacional diária das pessoas, mas o efeito geralmente desaparece à medida que elas continuam seu trabalho", diz Ferns.
Incentivar os participantes a escrever suas principais reflexões ou estabelecer resoluções claras pode ajudar a sustentar os resultados positivos de um curso, sugere ele.

Algumas empresas também procuram incorporar recursos de aprendizado baseado na natureza em seus ambientes de escritório. A Pukka, por exemplo, agora tem um "espaço de retiro" dedicado e livre de tecnologia em seu escritório principal, aonde os funcionários podem ir para um momento tranquilo de reflexão, digamos, ou um pouco de ioga.

Um desafio maior, sem dúvida, é a possibilidade muito real de um choque de culturas. Por mais favoráveis às empresas que esses provedores de treinamento alternativos tentem ser, seu mundo é proteger o planeta, não atingir metas ou mudar produtos. Nesse sentido, os participantes podem esperar muitos convites para "estar presentes", além de muita conversa sobre "interconectividade", "pensamento regenerativo" e conceitos ecologicamente corretos semelhantes.

Pam Horton, gerente dos programas de liderança do The Eden Project, admite que alguns participantes podem achar a experiência desconfortável, especialmente no início.

Se as pessoas puderem ser pacientes e evitar preocupações por terem que desligar seus telefones ou até mesmo abraçar uma árvore, no entanto, os efeitos podem ser profundos.

"Temos muitas pessoas que vêm até nós que nunca pararam e mergulharam na natureza, [mas] quando o fazem os efeitos podem ser realmente enormes", diz Horton.

Mesmo assim, para o morador urbano endurecido e desacostumado ao ar livre, a ideia de um acampamento ou mesmo um passeio noturno numa floresta escura ainda pode parecer assustadora.
Waygood, da Aviva, é cauteloso com as empresas que obrigam os funcionários a participar, mas seu principal conselho ainda é que todos deveriam tentar pelo menos uma vez. A única exceção são os céticos contumazes. Não só eles não conseguirão tirar nada da experiência, ele sugere, "como vão estragar tudo para os demais".

Quanto a ele, já está em contato com a equipe do Bio-Leadership Project para novos fins de semana ao ar livre –embora talvez em uma motor-home na próxima vez.

Tradução Luiz Roberto M. Gonçalves

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