Descrição de chapéu Eleições 2022

Lula lança carta em que promete 'política fiscal responsável', mas frustra mercado; leia

Documento elenca 13 pontos prioritários, entre eles nova legislação trabalhista

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São Paulo

A três dias das eleições, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lançou nesta quinta-feira (27) um documento em que promete combinar responsabilidade fiscal e social, caso eleito. Se a intenção era dar sinais mais claros ao mercado, no entanto, o documento foi recebido com frustração.

"A política fiscal responsável deve seguir regras claras e realistas, com compromissos plurianuais, compatíveis com o enfrentamento da emergência social que vivemos e com a necessidade de reativar o investimento público e privado para arrancar o país da estagnação", diz o texto. "Temos consciência da nossa responsabilidade."

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, candidato do PT ao Planalto, durante reunião com prefeitos paulistas nesta quarta (26) - Carla Carniel/Reuters

Na chamada "Carta para o Brasil do Amanhã", o ex-presidente elenca 13 pontos prioritários. O documento sintetiza promessas anunciadas ao longo da campanha, na tentativa de amenizar temores no mercado.

Lula promete retomada de obras e investimento em infraestrutura. Ele também incorpora propostas da senadora Simone Tebet (MDB) ao prometer fim das filas na saúde.

"Vamos investir em serviços públicos e sociais, em infraestrutura econômica e em recursos naturais estratégicos. Os bancos públicos, especialmente o BNDES, e empresas indutoras do crescimento e inovação tecnológica, como a Petrobras, terão papel fundamental neste novo ciclo", diz.

"Ao mesmo tempo, vamos impulsionar o cooperativismo e a economia solidária e popular. A roda da economia vai voltar a girar e o povo vai voltar e ser incluído no Orçamento", completa.

Coordenador do programa de governo de Lula, o ex-ministro Aloizio Mercadante afirma que a divulgação da carta traduz uma tentativa de qualificar o debate com uma agenda propositiva, quando o presidente Jair Bolsonaro (PL) "rebaixa a pauta".

Ele lembra que o documento fala em responsabilidade fiscal sem perder de vista a responsabilidade social e ambiental. A carta, segundo ele, dialoga com a agenda do povo, enquanto bolsonaristas inventam fake news. "É trazer uma agenda propositiva na reta final para distinguir da indústria de fake news e agenda rebaixada de Bolsonaro."

Na avaliação de Pedro Fernando Nery, consultor legislativo e professor do IDP, no entanto, o documento tende a ser recebido de forma morna pelos agentes financeiros. "O texto, em si, não traz novidades. É algo que tem mais jeitão de plano de governo do que carta para o mercado, soou como uma lista de aspirações", diz.

Segundo ele, a carta tende a não empolgar o mercado. "Talvez [empolgasse] em outro momento. O documento fala em responsabilidade fiscal, mas não indica como fechar a conta das promessas, como seria de se esperar em um momento eleitoral."

No momento em que o documento foi noticiado, por volta das 16h30, o Ibovespa saltou rapidamente da casa dos 114.700 pontos para 116.235, quando registrou a máxima do dia. O dólar chegou a cair momentaneamente de R$ 5,30 para R$ 5,25, se aproximando da cotação mínima do dia.

Apesar desses movimentos na Bolsa, a decepção com o texto devolveu os ganhos em seguida. O índice Ibovespa fechou em alta de 1,66%, aos 114.640 pontos. O dólar comercial à vista caiu 1,48%, cotado a R$ 5,3020.

"[A carta] Não foi negativa, mas acabou ficando no zero a zero", disse Rafael Pacheco, economista da Guide Investimentos.

Segundo o documento, "as primeiras medidas de nosso governo serão para resgatar da fome 33 milhões de pessoas e resgatar da pobreza mais de 100 milhões de brasileiros".

O texto se refere a um dado divulgado no meio do ano que aponta que hoje, no Brasil, 33,1 milhões de pessoas vivem em situação de insegurança alimentar grave, de acordo com o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil.

Na carta, a campanha do ex-presidente sugere a criação de um Novo Bolsa Família, mantendo de forma permanente o valor atual do benefício do Auxílio Brasil, de R$ 600, e instituindo um acréscimo de R$ 150 para cada criança com até seis anos de idade na família.

O texto também fala em renegociar dívidas e retomar o aumento do crédito, por meio do programa Empreende Brasil, de crédito a juros baixos para os empreendedores de micro, médias e pequenas empresas.

O petista vinha sendo pressionado para que detalhasse sua agenda e mesmo antecipasse os possíveis integrantes da equipe econômica de um eventual novo governo seu.

A expectativa de que a política econômica pode ser mais próxima à do primeiro mandato de Lula (2003-2006) aumentou neste segundo turno, com a participação de nomes, como o ex-presidente do Banco Central de Lula, Henrique Meirelles, em eventos ligados a Lula.

Outros sinais recentes para tranquilizar mercado e investidores vieram da aproximação de economistas ligados ao governo de Fernando Henrique Cardoso e à formulação do plano Real, como Pérsio Arida e André Lara Resende, declararam voto em Lula. O economista Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central de FHC, também declarou apoio a ele.

Com isso e também para se contrapor à política econômica do atual governo, a campanha petista passou a reforçar em sua propaganda eleitoral na TV e no rádio e nas entrevistas concedidas por Lula temas como a nova faixa de isenção do Imposto de Renda até R$ 5.000 e a retomada da política de reajuste do salário mínimo, pontos também reforçados agora.

O economista-chefe da Necton, André Perfeito, vê com preocupação alguns pontos da carta, como o benefício extra de R$ 150 do Bolsa Família para crianças de até seis anos, o aumento da isenção de IR e o uso mais ativo do BNDES, sem deixar clara a fonte de financiamento dessas propostas.

"Não me pareceu que ele tenha escrito para o mercado. Se esse foi o objetivo, não tocou em questões centrais como responsabilidade fiscal, por exemplo", avalia.

"O mercado vinha questionando se a política econômica de um eventual terceiro mandato seria voltada para o Lula 1, em referência ao primeiro mandato, quando o Henrique Meirelles era presidente do Banco Central, ou ao Dilma 2, quando havia o Guido Mantega com ações muito desenvolvimentistas à frente da agenda econômica", comentou Paulo Henrique Duarte, economista da Valor Investimentos.

"A carta em si, embora faça acenos ao mercado quanto à responsabilidade fiscal, é muito vaga e não descreve propostas concretas, nem indica quais seriam as figuras que ocupariam as posições centrais em um eventual governo", afirma Duarte.

Para o professor da UnB (Universidade de Brasília) José Luis Oreiro, porém, as propostas apontadas pela carta petista não são genéricas. "Um plano antes da eleição é uma carta de intenções. O que importa é ver se as linhas fundamentais são coerentes. Querem já ter um plano com CPF e RG de quem vai ocupar cada cargo? Isso não existe em lugar nenhum do mundo."

Ele ressalta como pontos positivos do documento o destaque para a importância da reindustrialização do país, a retomada de obras paradas para dar impulso para a economia logo no começo do governo, e o aceno para a classe média, com maior isenção de Imposto de Renda.

"O [ministro da Economia] Paulo Guedes, por sua vez, quer arrochar a classe média, com os planos recentemente divulgados de retirar a correção de salário mínimo e aposentadoria pela inflação passada e também as deduções de gastos com saúde e educação no IR. Não consigo entender como alguém da classe média quer votar no Bolsonaro", diz.

O professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) João Prates Romero, por sua vez, avalia que a carta apresenta de forma sucinta e direta importantes diretrizes que indicam a linha de atuação de um eventual novo governo Lula.

Ele destaca também a importância das políticas de desenvolvimento produtivo mencionadas no texto, com ênfase na produção e no ganho de competitividade em setores intensivos em conhecimento, como o complexo econômico-industrial com fortalecimento do SUS (Sistema Único de Saúde).

"Essa estratégia em particular tem enorme potencial de alavancar o desenvolvimento do Brasil, gerando produção, emprego e renda aliados ao atendimento da demanda social por melhores serviços públicos, especialmente de saúde", diz.

O economista Rodrigo Marcatti, presidente da Veedha Investimentos, destacou que o documento da campanha petista buscou estabilizar o mercado financeiro diante da perspectiva de eventual vitória o ex-presidente.

"Lula está tentando, assim como fez em 2002, acalmar o mercado e os agentes que tomam as decisões para que eles saibam que o Brasil não acabará na segunda-feira e que tudo continuará nesse mesmo rumo de melhora nos indicadores de crescimento, desemprego e inflação", disse.

Outro ponto importante que vinha sendo discutido entre a equipe de Lula e representantes de centrais sindicais era a reforma trabalhista. Antes do início da campanha, os petistas já haviam sinalizado que o texto aprovado ainda no governo Michel Temer não seria revogado, porém revisto.

"Enfrentaremos o desemprego e a precarização do mundo do trabalho, com um amplo debate tripartite (governo, empresários e trabalhadores), para construir uma Nova Legislação Trabalhista que assegure direitos mínimos –tanto trabalhistas como previdenciários", diz a carta atual.

O presidente da Força Sindical, Miguel Torres, vê a carta como positiva e avalia que as entidades sindicais já esperavam que não haveria uma proposta de revogar a reforma trabalhista.

"A carta, porém, toca nos principais pontos: desenvolvimento e reindustrialização. Também é importante dar sinais para os trabalhadores de aplicativos, que precisam ter alguma segurança garantida pelo Estado. Só deveria ter sido publicada antes", diz.

Considerado um dos principais elos da campanha com o setor produtivo, o ex-governador Geraldo Alckmin (PSB), candidato a vice na chapa, usou nesta semana sua conta no Twitter para responder às acusações de que a candidatura ainda não teria deixado claro seu programa econômico.

"Lula apresentou o programa econômico de forma muito clara. Vou contar aqui o que nós vamos fazer para o Brasil voltar ao caminho do crescimento e da prosperidade. O primeiro ponto é responsabilidade fiscal, que é inegociável", rebateu o candidato à vice, ao falar na necessidade de reforma tributária, com a criação de um imposto único (IVA), expansão de acordos internacionais para aumentar investimentos, entre outros pontos.

Leia a carta na íntegra:


Veja os pontos destacados pela carta:

1 - Desenvolvimento econômico com investimentos

Texto afirma que "primeira iniciativa será definir com os governadores dos 27 estados um planejamento para retomar obras paradas e definir obras prioritárias", expansão do mercado interno e uma nova legislação trabalhista. Governo também promete criar um novo programa, "Empreende Brasil", voltado para micro, pequenas e médias empresas, com crédito a juros baixos.

2 - Desenvolvimento social com trabalho e renda

Texto promete um "salário mínimo forte", acima da inflação, um novo Bolsa Família com benefício de R$ 600 e mais R$ 150 adicionais por criança de até 6 anos, um programa de renegociação de dívidas chamado "Desenrola Brasil", e isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000 mensais no contexto de uma reforma tributária. A carta fala ainda em igualdade salarial para homens e mulheres, sem especificar quais medidas seriam tomadas para isso.

3 - Desenvolvimento sustentável e transição ecológica

Carta diz que Lula se compromete a zerar desmatamento na Amazônia e emissão de gases do efeito estufa na matriz elétrica, e promete apoiar a agricultura de baixo carbono e familiar. Repete promessa já feita de criação de um Ministério dos Povos Originários e diz que vai acabar com garimpo ilegal em terras indígenas.

4 - Educação

Promete ampliar a Lei de Cotas, incluindo a pós-graduação, e investir em mais universidades. Também diz que vai construir creches, aumentar recursos para merenda escolar, implantar ensino em tempo integral e uma bolsa para estudantes que completarem o ensino médio. Afirma que Lula vai universalizar a banda larga nas escolas e expandir o ensino técnico profissionalizante.

5 - Saúde

Diz que vai "fortalecer" o SUS, retomar o Farmácia Popular, criar o programa "Médicos Pelo Brasil", criar um Centro Nacional de Telemedicina, investir na saúde da mulher e no Programa Nacional de Vacinação.

6 - Habitação e infraestrutura

Promete retomar o programa Minha Casa Minha Vida (que foi rebatizado de Casa Verde e Amarela no governo Bolsonaro), universalizar acesso a luz e água e retomar obras paradas com um Novo PAC.

7 - Segurança

Promete a criação de um Ministério da Segurança Pública, que implementaria um Sistema Único de Segurança Pública. Diz ainda que vai investir na formação e profissionalização de policiais e rever decretos e portarias que permitiram acesso a armas. Também promete enfrentar "o aumento
alarmante de casos de feminicídio e a violência contra a juventude negra, especialmente nas periferias".

8 - Cultura e esportes

Promete recriar o Ministério da Cultura, que implantaria um Sistema Nacional de Cultura. Também diz que vai retomar o programa Cultura Viva e aumentar o investimento no Bolsa Atleta.

9 - Direitos humanos e cidadania

Diz que vai enfrentar discriminações como machismo, racismo, LGBTfobia e capacitismo. Promete recriar o Ministério da Igualdade Racial e assegurar a liberdade de religião e culto.

10 - Reindustrialização do Brasil

Promete uma "estratégia nacional para avançar em direção à economia do conhecimento", com ênfase " nas indústrias de software, defesa, telecomunicações e outros setores de novas tecnologias".

11 - Agricultura sustentável

Promete investir na Embrapa, crirar um Plano de Recuperação de Pastagens Degradadas e reduzir as taxas de juros no Plano Safra, no Pronamp e no Pronaf "para produtores comprometidos com critérios ambientais e sociais". Diz ainda que vai "estabelecer uma política de preços mínimos para estabilizar os preços dos alimentos e garantir comida na mesa das famílias".

12 - Política externa

Promete investir na integração regional no Mercosul, nos Brics, com os países da África, União Europeia e EUA. Diz que vai fortalecer pactos como o da Convenção do Clima.

13 - Democracia e liberdade

Promete fortalecer a democracia e ressalta o compromisso com uma "gestão da economia com credibilidade, responsabilidade e previsibilidade".

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