Descrição de chapéu The New York Times

Dan Wieden, publicitário do famoso 'Just Do It' da Nike, morre aos 77 anos

Cofundador da agência Wieden+Kennedy faleceu por complicações relacionadas à doença de Alzheimer

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Alex Williams
Nova York | The New York Times

Tudo começou há 40 anos em uma mesa de dobrar num sujo escritório de porão, com um telefone público no corredor e um único cliente: a nova empresa de calçados esportivos Nike, dirigida por Phil Knight, que declarou desde o início: "Eu não acredito em publicidade".

Quando Dan Wieden, cofundador da agência de publicidade Wieden+Kennedy, morreu em 30 de setembro, aos 77 anos, essa empresa, que ele construiu com David F. Kennedy, havia se tornado uma gigante do setor, com uma lista de clientes da Fortune 500 e um longo legado de trabalho para a Nike.

A agência disse que a causa da morte de Wieden, em sua casa em Portland, no Oregon, foram complicações relacionadas à doença de Alzheimer.

Dan Wieden, cocriador da agência de publicidade americana Wieden+Kennedy, a W+K, em 2011 - Zé Carlos Barreta - 17.nov.2011/Folhapress

O produto mais notável da associação da agência com a Nike foi um slogan escrito por Wieden que se tornou um dos mais famosos da história da publicidade: "Just do it" [Apenas faça].

Essa linha, lançada em 1988 e que permaneceu onipresente até hoje, "captou a imaginação do mundo e impulsionou a Nike a novos patamares", escreveu Knight em comunicado publicado na revista Ad Age após a morte de Wieden.

Além de colocar uma mensagem por trás do logotipo da Nike, a agência produziu campanhas amplamente elogiadas que eram muitas vezes tão anti-intuitivas quanto memoráveis. Em 1985, ele atraiu Lou Reed, na maioria das circunstâncias o epítome de um artista anticomercial, para vender scooters Honda ao som de uma de suas canções mais conhecidas, "Walk on the Wild Side".

Seus comerciais "High Life Man" para a cerveja Miller, dirigidos pelo documentarista vencedor do Oscar Errol Morris, zombavam das pretensões viris em mais de cem episódios, a partir de 1998. A campanha "Imported From Detroit" para o Chrysler 200, estrelada por Eminem, foi um sucesso quando transmitida durante o Super Bowl de 2011 e fez o estilo urbano de "8 Mile" parecer glamouroso e sobrenatural. A campanha "Famous Orders" do ano passado para o McDonald's fez o astro do rap Travis Scott parecer tão bom para crianças quanto um McLanche Feliz.

A ESPN, cliente há 25 anos, dificilmente se pareceria com a ESPN sem seus mais de 400 episódios de anúncios promocionais "This Is SportsCenter" da Wieden+Kennedy, que apresentavam uma série de megaestrelas do esporte fazendo piadas em esquetes cômicos ambientados nos monótonos escritórios da rede em Bristol (Connecticut) como se fossem estrelas convidadas do "Saturday Night Live".

Tudo isso por uma agência independente –em uma indústria dominada por conglomerados–, chamada por seus próprios executivos de "uma ilha de brinquedos desajustados", e tudo isso por um homem de família modesto, adepto de camisas de flanela e filosofia budista, que também gostava de pregar peças.

"Dan tinha dois lados, o lado Norman Rockwell e o lado Andy Warhol", disse sua mulher, Priscilla Bernard Wieden, em entrevista por telefone.

Na filosofia publicitária de Wieden, as regras deviam ser quebradas. "Excelência não é uma fórmula", ele disse certa vez. "Excelência é o grande experimento. Não é matemática, é jazz."

Dan Gordon Wieden nasceu em Portland em 6 de março de 1945, o mais velho dos três filhos de Duane e Violet (Maxfield) Wieden. Seu pai, conhecido como Duke, também era publicitário e se tornou presidente da Gerber Advertising em Portland; sua mãe cuidava da casa e das crianças.

Depois de se formar na Grant High School, Wieden se matriculou na Universidade de Oregon, onde conheceu Bonnie Scott. Eles se casaram em 1966. (Ela morreu em 2008.)

Ele sonhava em ser dramaturgo ou ator, mas decidiu se formar em jornalismo. Depois da formatura, experimentou relações públicas antes de decidir concentrar seus poderes de prosa na empresa do pai.

Trabalhou como redator publicitário no escritório de Portland da agência então conhecida como McCann-Erickson, onde conheceu seu futuro parceiro de negócios, Kennedy, que era diretor de arte. (Kennedy morreu de insuficiência cardíaca há um ano.)

A dupla logo partiu para uma nova agência, a William Cain, que tinha como cliente a terceira parte de uma futura trindade publicitária: Knight, dono de uma nova fábrica de calçados nas proximidades de Beaverton, Oregon. Inquietos, Wieden e Kennedy decidiram se separar e abrir seu próprio negócio, com um investimento de US$ 500 de cada parceiro, uma máquina de escrever emprestada e um livro intitulado "Como Abrir uma Agência de Publicidade" como guia.

A Wieden+Kennedy abriu suas portas no Dia da Mentira de 1982. A escolha da data foi intencional e apropriada para uma agência cujo triunfo Wieden mais tarde descreveria como uma "piada cósmica".

"Somos uma agência de publicidade com uma história de sucesso que não faz o menor sentido", disse ele num discurso em 2016. Com apenas quatro funcionários no início, "começamos no lugar mais ridículo possível" –Portland, uma pequena cidade a um continente de distância da Madison Avenue. "As únicas pessoas que pensariam em se mudar para Portland", disse ele, "eram pessoas que foram demitidas de todos os lugares, ou crianças que acabaram de sair da escola."

No entanto, eles tinham um cliente promissor: a Nike, que havia deixado a William Cain, mas ainda concentrava seu marketing em praticantes de corrida na revista Runner's World. Em pouco tempo, Knight perderia seu ódio declarado pela publicidade.

Na década de 1980, essa colaboração célebre produziria a campanha "Bo Knows" [Bo sabe], mostrando um lado mais leve de Bo Jackson, então um jogador inovador (e temível) tanto da liga principal de beisebol quanto do futebol profissional.

"Mars and Mike", do mesmo ano, capturou Michael Jordan no auge de seus poderes e contou com o cineasta Spike Lee, reprisando seu personagem Mars Blackmon do filme de 1986, "She's Gotta Have It", questionando o astro do basquete do Chicago Bulls sobre se suas habilidades sobre-humanas eram resultado de seus tênis Air Jordan.

Como líder criativo da agência, Wieden continuou a escrever textos. Embora ele geralmente resistisse aos slogans da velha escola, segundo colegas, produziu um monstro em 1988: "Just do it" [Apenas faça]. Tanto específico da marca quanto aberto, o slogan reforçou o argumento de que a Nike era uma marca sem concessões, construída para conquistas, mas também foi adotado como um mantra de autocapacitação na cultura em geral.

De maneira tipicamente travessa, Wieden mais tarde admitiu que a frase foi inspirada em parte pelo assassino de Utah Gary Gilmore, cujas últimas palavras antes de ser morto por um pelotão de fuzilamento em 1977 foram "Vamos fazer isso".

"Gosto da parte do 'fazer'", lembrou Wieden em "Art & Copy", um documentário de 2009 dirigido por Doug Pray. "Nenhum de nós realmente prestou tanta atenção. Pensamos: 'Sim, isso vai dar certo'."

A cultura da agência, construída em torno do conceito que Wieden e Kennedy chamavam de "contratar errado", era de fanfarronice. Sem acesso ao mesmo conjunto de talentos experientes que as agências das grandes cidades, os dois "só tiveram que contratar pessoas interessantes com perspectivas interessantes e juntar todas elas", disse Karl Lieberman, diretor de criação global da agência, por telefone.

A vida em torno do escritório, que incluía uma quadra de basquete e cerveja na torneira, era uma prévia da moral da "sede de empresa como hospício" que logo dominaria o Vale do Silício. Wieden, segundo colegas, gostava de contar a história da época em que Ken Kesey, autor de "Um Estranho no Ninho", exclamou em uma festa da empresa: "Você poderia ensinar os Hells Angels a fazer festas". (Como o cérebro das famosas festas de "teste ácido" com LSD dos anos 1960, cujos participantes incluíam aquela notória gangue de motoqueiros e os Grateful Dead, Kesey sabia do que estava falando.)

O estilo de gestão de Wieden também era dado a exageros. "Ele nunca foi o 'grande sujeito'", disse Susan Hoffman, chefe criativa do escritório da agência em Londres, que trabalhou com Wieden durante quatro décadas, desde seu tempo pré-Wieden+Kennedy. "Ele sempre teve um senso de humor maluco e travesso. Na William Cain, costumava roubar meus sapatos no escritório e escondê-los. Uma vez, não consegui encontrá-los e tive que voltar para casa descalça."

Enquanto Wieden tinha seu lado brincalhão, ele era tudo menos idiota. Certa vez, depois que a agência trabalhou incansavelmente numa apresentação para um cliente, "nada estava batendo" durante uma reunião de apresentação em Nova York, lembrou Lieberman. "Os clientes reviravam os olhos", disse ele.

Durante a apresentação, um cliente passou um bilhete para outro, que Lieberman viu de relance. "Eles estão falando sério?", dizia, com algumas obscenidades adicionadas para efeito.

"Enquanto todo mundo estava arrumando as coisas para ir embora", disse Lieberman, "Dan se levantou e disse: 'Este trabalho está ótimo, e se vocês não gostam estão loucos’", acrescentando uma obscenidade preferida.

"O homem era consistentemente tão legal e gentil", disse Lieberman. "Mas se alguém saísse da linha, ele não hesitava em pulverizá-los."

Além de sua mulher, Wieden deixa as filhas Cassie Wieden, Tami Wiedensmith e Laura Wieden Blatner, e um filho, Bryan, todos de seu primeiro casamento; o irmão Ken; a irmã Sherrie; e 12 netos.

Seu cliente mais duradouro, Knight, admitiu em seu tributo à Ad Age que sua famosa frase sobre odiar a publicidade havia sido mal interpretada ao longo dos anos.

"O que eu realmente quis dizer foi que eu odiava a publicidade tradicional, onde Fulano de Tal diz: 'Fume Lucky Strike porque eu gosto' ou 'Beba X Cola como eu’", escreveu Knight.

"Dan Wieden", disse ele, "me interpretou antes que eu me interpretasse."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.