Persistência da inflação de serviços mantém cautela do BC com juros

Economistas projetam perda de força do segmento apenas no ano que vem

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Brasília

A trajetória desafiadora da inflação de serviços –acumulada nos 12 meses até setembro em 8,5%, acima do avanço de 7,17% do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo)– está por trás da cautela do Banco Central sobre os juros.

Desde que interrompeu o ciclo de aperto monetário (alta de juros) com a manutenção da taxa básica (Selic) a 13,75% ao ano, o BC tem enfatizado a mensagem de que se manterá vigilante.

Para economistas ouvidos pela Folha, há um cenário de desconforto para a autoridade monetária com a resistência dos preços nessa categoria. Ainda assim, os analistas veem os primeiros sinais de alívio no setor e estimam perda de fôlego no próximo ano.

Saguão do aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Aumento nos preços das passagens aéreas puxou inflação de serviços em setembro - Camila Marques/Folhapress

Considerando apenas o resultado mensal, a inflação de serviços acelerou 0,4% em setembro, ante 0,28% em agosto. O que mais contribuiu para esse dado foi o aumento de 8,22% nos preços das passagens aéreas.

Destaque também para serviços ligados ao turismo, como hospedagem (2,88%) e pacote turístico (2,3%). Outro segmento que influenciou o resultado foi a elevação de 6,14% nas tarifas de transporte por aplicativo.

A alta do grupo despesas pessoais (0,95%) foi puxada pelo aumento dos serviços bancários (1,56%). Mas serviços ligados à área da estética –como manicure (1,03%), cabeleireiro e barbeiro (0,97%) e depilação (1,31%)– também pressionaram os preços em setembro.

No caso dos serviços subjacentes, o balanço geral foi de desaceleração, passando de 0,73% em agosto para 0,61% em setembro.

Entre os serviços com queda nos preços de agosto para setembro, destacam-se acesso à internet (-10,55%); combo de telefonia, internet e TV por assinatura (-2,70%); e aluguel de veículo (-2,02%).

A demanda por serviços veio ganhando força com a redução nas restrições de circulação de pessoas durante a pandemia de Covid-19 à medida que as condições sanitárias melhoraram.

"A pandemia acabou gerando uma mudança no mix de preferências. Quando estavam fechadas em casa, as pessoas apostaram na compra de bens duráveis –eletrodomésticos, por exemplo– ou em construção civil", disse Fábio Romão, economista da LCA Consultores. "Existe uma clara preferência hoje por serviços, o que acaba chancelando alguns reajustes".

Segundo o especialista, a demanda reprimida é financiada, em parte, pela poupança forçada do estrato da população mais abastada no período da pandemia.

Tatiana Nogueira, economista da XP Investimentos, ressalta que os custos de serviços ficaram defasados durante a pandemia, o que explica a aceleração recente nos preços de alguns itens. "Os donos de estabelecimentos preferiram deixar os preços ainda baixos para não perderem o mínimo de demanda que ainda tinham", lembra.

Ela também destaca que, além da reabertura da economia, o setor de serviços tem se beneficiado da melhora no mercado de trabalho –a taxa de desemprego no Brasil recuou para 8,9% no trimestre até agosto– e da recomposição gradual da renda das famílias.

Para Nogueira, a inflação de serviços continuará pressionada por um período mais longo, enquanto os preços de bens industrializados já mostram uma desaceleração mais clara. "A gente vê um cenário de desconforto para o BC", disse. "Grande parte da cautela do BC reside justamente nessa trajetória ainda desafiadora do grupo de serviços", acrescentou.

No relatório trimestral de inflação, divulgado em setembro, o BC destacou que a inflação de serviços permanecia resistente, em meio a resultados "surpreendentemente positivos" da atividade econômica e do mercado de trabalho.

Considerando o trimestre encerrado em agosto, a autoridade monetária observou que a inflação de serviços era a única que não tinha arrefecido no período, embora reconheça que os cortes de impostos tenham impulsionado o recuo de preços de combustíveis e energia elétrica.

"A inflação subjacente de serviços se mostrou mais pressionada, refletindo robustez da demanda por serviços, repasse da inflação passada e alta dos salários", disse.

"Também se destaca a aceleração dos preços de serviços intensivos em trabalho, particularmente [no item] empregado doméstico. Os serviços de telecomunicação – que foram objeto de cortes de impostos – até o momento tiveram recuo de preços aquém do antecipado", continuou.

O diretor de política econômica do BC, Diogo Guillen, comentou na apresentação do relatório que os serviços seguiam resilientes e destacou o caráter inercial dessa categoria de preços, que demora mais tempo a dissipar choques inflacionários.

Apesar do patamar elevado no acumulado em 12 meses, Rafaela Vitória, economista-chefe do Inter, viu a inflação de serviços como uma boa notícia na leitura do indicador de setembro.

"A inflação de serviços vem perdendo força com a normatização da demanda no setor. Não só o efeito da demanda reprimida no primeiro semestre está se dissipando, mas a oferta de serviços vem crescendo", disse.

Ela lembra que o segmento costuma ser mais resistente e reage à política monetária de maneira defasada. Para Vitória, a inflação de serviços deve seguir em queda, ainda que mais lenta em relação aos demais grupos, e o Copom [Comitê de Política Monetária] acertou na decisão de encerrar o ciclo de alta de juros em setembro.

No comunicado da última reunião, o comitê enfatizou que avaliaria se a estratégia de manutenção da Selic por período "suficientemente prolongado" seria capaz de assegurar a convergência da inflação.

No fim de setembro, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, disse que ainda é cedo para a autoridade monetária pensar em queda de juros e que um corte inicial da Selic em junho de 2023 é compatível com o objetivo de levar a inflação para ao redor da meta.

"Existem riscos para as projeções, a gente está vigilante. Dependendo do risco, a gente pode inclusive voltar a subir juros", ressaltou Campos Neto.

Romão, da LCA, estima que a inflação de serviços terá fôlego mais curto em comparação com o movimento observado entre 2011 e 2014. Isso porque, segundo o economista, ela depende agora de questões comportamentais de curto prazo e com financiamento limitado.

"Para o ano que vem, tenho motivos para acreditar que a inflação de serviços perde força", disse. "Até porque a gente vai passar parte relevante deste ano e do ano que vem com uma taxa de juros de dois dígitos, o que evidentemente acaba tirando força da atividade econômica e mitigando a evolução da inflação".

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