Descrição de chapéu
Financial Times

'Quando a McKinsey vem à cidade': livro conta lado obscuro da gigante global de consultoria

Os jornalistas Walt Bogdanich e Michael Forsythe, do NYT, expõem as polêmicas que abalaram a famosa empresa

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Stephen Foley

Editor de finanças do Financial Times nos EUA

Financial Times

Alguns dos críticos mais ferrenhos da McKinsey citados em um novo livro sobre a empresa de consultoria são seus próprios funcionários. Em reuniões gerais bagunçadas ou em ofuscantes emails de despedida disparados para toda a empresa, eles denunciam a administração por trabalhar com clientes controversos.

A McKinsey é uma "instituição amoral", escreveu um consultor de saída a colegas de todo o mundo, porque aconselhou as empresas de carvão "diretamente responsáveis por nos colocar no incompreensível caminho acelerado para o omnicídio planetário".

E, em meio a uma revolta interna nos Estados Unidos por ter trabalhado para a agência de fiscalização da imigração do governo Trump, um orador numa reunião geral perguntou: "Se ajudássemos os estados do sul a ‘melhorar o rendimento dos ativos agrícolas’ nos anos 1850, ainda apoiaríamos isso? Nossa orientação até agora indicaria que a resposta é ‘talvez’".

Placa da McKinsey em Genebra, na Suíça - Fabrice Coffrini - 12.abr.2022/AFP

O fato de essa turbulência interna ter vindo à tona é uma prova da profundidade das informações obtidas pelos jornalistas Walt Bogdanich e Michael Forsythe, que passaram a maior parte de cinco anos escrevendo sobre a McKinsey para o The New York Times. A empresa continua sendo a elite da consultoria de gestão global, operando nos bastidores de milhares de empresas e agências governamentais como catalisador das mais recentes teorias de gestão e aplicador da eficiência capitalista com garras e dentes. Um mergulho em seu funcionamento interno, apontam os autores, é "uma maneira de ajudar os leitores a entender como o poder é exercido em nossa sociedade".

Este foi um dos períodos mais difíceis para a reputação da McKinsey nos cem anos de história da empresa. Seus sócios sul-africanos estão envolvidos num amplo escândalo de corrupção, em que a firma agora enfrenta acusações relacionadas ao saque do monopólio estatal de frete ferroviário. Isso provocou perguntas de políticos dos dois lados do Atlântico sobre conflitos de interesses em sua prática de saúde.

Ela foi processada por um dissidente da Arábia Saudita identificado em uma apresentação de slides sobre influenciadores de rede social no país, o que o dissidente diz ter transformado sua família em alvo. O processo acabou sendo arquivado.

E no ano passado ela pagou quase US$ 600 milhões (R$ 3,1 bilhões) para liquidar acusações relacionadas ao trabalho para a Purdue Pharma, vendedora do opioide OxyContin, cujas práticas de vendas –aconselhadas pela McKinsey– foram consideradas um fator que contribuiu para a epidemia de dependência química nos Estados Unidos. A McKinsey negou a atividade ilegal, mas pediu desculpas.

O relato dos autores dessas e de outras controvérsias intensificou as indagações sobre a ética da empresa. Mais recentemente, eles revelaram que consultores da McKinsey para a gigante do tabaco Altria propuseram um aplicativo de smartphone para fumantes de Marlboro, para mantê-los fiéis à marca –"mais de 50 anos depois que o ministério da Saúde confirmou a ligação entre tabagismo e câncer".

A desvantagem de juntar esses incidentes em um livro é que parece desequilibrado e injustamente negativo, em vez de um relato completo sobre a empresa. Às vezes parece que não há mal corporativo que não possa ser colocado na porta da McKinsey. Em capítulos sucessivos, ela está envolvida na "desumanização" do setor bancário na década de 1950, provoca uma reação em cadeia que levou à crise financeira de 2008 e promove o uso de métricas de desempenho "desumanizantes" no beisebol, que os autores culpam por escândalos de trapaça no esporte. O capítulo seguinte se intitula "Espancando focas", e é uma surpresa que não seja literal. (É uma frase insensata que um consultor usou para descrever a negociação de altas taxas com o governo sul-africano.)

Com o profundo alcance da McKinsey em negócios e governos do mundo todo, é inevitável e corretamente um foco para a discussão sobre para que servem as corporações modernas e os impactos que elas têm, para o bem e para o mal. As empresas de capital aberto não tiveram o luxo de evitar esses debates da maneira que uma sociedade privada como a McKinsey conseguiu até recentemente.

O debate com funcionários mais jovens e motivados por objetivos é intensamente desconfortável para a liderança da McKinsey, assim como para executivos de corporações em todo o mundo. Durante anos, a McKinsey se orgulhou de permitir que seus consultores rejeitassem trabalhar com um cliente pelo qual tivessem objeções éticas. Muitos se recusaram a trabalhar para o Pentágono durante a guerra do Vietnã, por exemplo. Agora, essa política é descartada por um funcionário como "uma desculpa, liberando a McKinsey como um todo de adotar uma posição".

A resposta da empresa foi construir um edifício de verificações sob uma "política de seleção de clientes" que agora rejeita mais trabalhos, incluindo para os ramos de defesa e segurança de governos antidemocráticos.

Mas também soou como uma nota de desafio. Bob Sternfels, atual sócio-gerente, defendeu seu trabalho para empresas de combustíveis fósseis, dizendo que é melhor permanecer engajado e ajudá-las a reduzir as emissões, ecoando o argumento de gestores de ativos contrários à alienação de ações em empresas de petróleo.

Em uma entrevista ao Financial Times em junho, Sternfels disse: "Há muitas opções neste mundo, então, se isso não lhe agrada, você não precisa ficar conosco ou vir até nós". Foi uma coisa surpreendente de se dizer aos funcionários atuais e futuros, porque se destacou do branding em torno de propósito e impacto positivo usado pela maioria das empresas modernas e, de fato, pela própria McKinsey. Bogdanich e Forsythe encontrarão mais emails de saída empolgantes para citar em edições futuras?

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.