Centrão articula manobra para burlar teto e destravar emendas em 2022

Técnicos veem risco de pedalada de despesas obrigatórias; governo estuda novo bloqueio de R$ 5,6 bilhões

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Brasília

Parlamentares do centrão articulam uma mudança na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2022 para burlar o teto de gastos e conseguir ampliar despesas ainda neste ano, no apagar das luzes da gestão de Jair Bolsonaro (PL).

A medida é central para destravar emendas de relator, instrumento usado como moeda de troca nas negociações políticas entre Planalto e Congresso. Mas também é de interesse do atual governo, uma vez que a perspectiva de um novo bloqueio no Orçamento pode impor um apagão nos ministérios no último mês do ano.

Ainda não está claro quanto a proposta pode liberar em espaço no Orçamento deste ano. Se o valor for abaixo do total bloqueado, a tendência é que haja uma disputa entre Executivo e Congresso para ver quem será beneficiado.

Jair Bolsonaro e Arthur Lira
Jair Bolsonaro e Arthur Lira - Ueslei Marcelino-4.ago.22/Reuters

O governo tem hoje cerca de R$ 10,5 bilhões bloqueados, dos quais R$ 2,6 bilhões incidem sobre ministérios. O valor restante (R$ 7,87 bilhões) recai sobre as emendas de relator —bloqueio que irritou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que controla boa parte da distribuição dessa verba.

O diagnóstico preliminar do governo é de que não só inexiste qualquer folga para liberar recursos, mas seria necessário impor uma trava adicional de R$ 5,6 bilhões para assegurar o cumprimento do teto —regra fiscal que limita o crescimento das despesas à variação da inflação. Isso deixaria os ministérios com apenas R$ 3,8 bilhões para gastar até o fim do ano.

A articulação dos membros do centrão busca evitar o novo bloqueio e criar espaço para a liberação das emendas.

A manobra introduz na LDO uma série de dispositivos para descontar despesas do teto de gastos ou alterar o cronograma de despesas obrigatórias, redistribuindo "sobras" dentro do limite para outras despesas.

Técnicos experientes ouvidos sob reserva avaliam que a proposta busca "inaugurar interpretações criativas" sobre o funcionamento do teto de gastos, ou simplesmente burlar o limite.

O projeto de lei originalmente só alterava a data-limite para abertura de novos créditos no Orçamento. O relatório com as mudanças é do deputado AJ Albuquerque (PP-CE), correligionário do presidente da Câmara e do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira. A reportagem não conseguiu contato com o parlamentar.

Um dos trechos do parecer desconta do teto de gastos os ajustes referentes a despesas primárias que são empenhadas no fim de um ano, mas só têm impacto financeiro no início do exercício seguinte —como ocorre com a folha de pagamento de servidores e da Previdência Social.

O empenho é a primeira fase do gasto, quando o governo assume o compromisso de efetuar aquele pagamento. No caso dos salários e benefícios, o empenho é feito em dezembro, mas parte do desembolso só ocorre em janeiro, conforme o cronograma das folhas.

Hoje o teto de gastos precisa ser respeitado em dois momentos: na inclusão das despesas no Orçamento e no efetivo pagamento das ações. O projeto busca flexibilizar a primeira exigência, permitindo a previsão de despesas que serão pagas só no próximo exercício sem a necessidade de cancelar gastos de outros órgãos. Na prática, o valor que será efetivamente pago em 2023 não precisaria ser contabilizado no teto deste ano.

Só na Previdência, essa diferença entre a dotação no Orçamento e o pagamento efetivo no ano era de R$ 5,5 bilhões, segundo relatório do governo divulgado em setembro. A mudança na LDO livraria o governo de ter de cancelar outra despesa para incluir esse valor em sua programação para cumprir do teto.

"Também se buscou afastar o risco de interpretação de que a necessidade orçamentária de despesas sujeitas ao teto, em que o relatório prevê ajustes de caixa/competência, deve ser atendida mediante abertura de crédito compensada com cancelamento de despesas, resultando em maior bloqueio de dotação dos órgãos, hoje em patamar crítico", diz o texto.

Técnicos veem risco de pedalada nas despesas

Outro dispositivo permite ao Poder Executivo alterar o cronograma de execução mensal das despesas obrigatórias, caso identifique que haverá "sobra de valores na execução financeira" após o relatório de avaliação de receitas e despesas do 5º bimestre —que será divulgado nesta terça-feira (22). O saldo não empenhado também seria liberado e poderia ser remanejado para outro gasto.

A avaliação de parte dos técnicos é de que, na prática, esse trecho gera risco elevado de uma pedalada nas despesas obrigatórias, diante da pressão para revisão do cronograma de pagamento, jogando no colo do novo governo um passivo a ser regularizado já no começo de 2023.

Técnicos do atual governo, por sua vez, avaliam que a mudança não exime a atual administração de efetuar o devido empenho dos gastos que são obrigatórios. A mudança seria mais focada no limite financeiro. Como parte dele não costuma ser usado, o espaço poderia ser usado para fazer desembolsos em outras áreas.

O parecer ainda permite contabilizar no teto de gastos apenas a previsão de repasse efetivo referente à lei Paulo Gustavo de incentivo à cultura. Bolsonaro chegou a editar uma MP (medida provisória) para adiar o gasto de R$ 3,8 bilhões, mas o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que a medida é inconstitucional.

"A despesa da Lei Paulo Gustavo, após abertura do crédito, não terá execução completa até o encerramento do exercício. Dada a natureza financeira de verificação do teto de gastos, se faz necessário incorporar a efetiva projeção de pagamento até o encerramento de exercício, de modo que o espaço do teto não seja comprometido com essas despesas", diz o relatório.

Segundo integrantes do governo, a solução de usar a LDO para flexibilizar o pagamento dos recursos da lei vinculada à cultura ainda pode ser questionada do ponto de jurídico. Por isso, há incerteza se a manobra será capaz de efetivamente liberar espaço no teto.

Técnicos do Congresso avaliam, sob reserva, que a proposta a ser votada pelos parlamentares é uma forma de flexibilizar a contabilidade do teto de gastos em 2022 com um projeto de lei. A visão é de que o projeto tenta dar uma visão estritamente financeira ao teto de gastos, afrouxando regras para inclusão de despesas no Orçamento.

O governo Bolsonaro tem sido pressionado pelo aumento de despesas obrigatórias, como aposentadorias e pensões. A redução da fila de espera do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) eleva as despesas previdenciárias e tem forçado o governo a cortar gastos em outras áreas.

O aperto orçamentário deste ano já tem prejudicado a prestação de serviços. A Polícia Federal (PF) informou que parou de emitir passaportes desde o último dia 19, por falta de verba.

A pasta vem pedindo recomposição dos recursos desde setembro. Até agora, porém, o Ministério da Economia não teve espaço para atender à demanda.

A dez dias do primeiro turno da disputa, o governo precisou elevar o bloqueio no Orçamento de 2022 a R$ 10,5 bilhões para evitar um estouro no teto de gastos.

A medida gerou insatisfação entre aliados do Congresso, em especial com o presidente da Câmara. Dentre os recursos contingenciados, quase R$ 8 bilhões eram de emendas de relator, mais conhecidas como orçamento secreto.

Esses recursos são fundamentais para Lira garantir a fidelidade de sua base, em busca de se reeleger para o comando da Casa no próximo ano. Segundo relatos, ele tem prometido emendas de relator até mesmo para parlamentares recém eleitos.

Antes disso, em 6 de setembro, Bolsonaro havia editado um decreto para antecipar a liberação de R$ 3,5 bilhões em emendas de relator e outros R$ 2,1 bilhões para ministérios, na expectativa de que o relatório bimestral de avaliação do Orçamento apontasse na sequência a viabilidade desse alívio.

Mas o relatório do 5º bimestre mostrou um crescimento inesperado de despesas com benefícios previdenciários, o que reduziu o espaço orçamentário e forçou o novo bloqueio.

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