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Financial Times

Por que nos apegamos a um emprego ou um amor mesmo quando o erro está claro?

Somos teimosos demais e consideramos que 'desistir' é um pecado, quando pode ser a melhor opção

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Tim Harford

Colunista no Financial Times

"Sou uma lutadora e não desisto", disse Liz Truss, um dia antes de desistir e renunciar ao posto de primeira-ministra do Reino Unido. Ela estava citando palavras do parlamentar Peter Mandelson, mais de duas décadas atrás, embora Mandelson tenha tido o bom senso de fazer essa declaração depois de vencer uma luta política, e não em meio a uma derrota.

É curioso, porém. Ser um "lutador" não é inteiramente um elogio. Em certas circunstâncias, essa qualidade é apreciada, mas não é uma palavra que eu usaria em meu currículo ou, aliás, em meu perfil do Tinder.

Já sobre o termo "desistir" não existe muita dúvida. É um insulto inequívoco. Isso é estranho, porque não só há briga demais no mundo como também as pessoas nem de longe desistem tanto quanto deveriam. Somos teimosos demais, e nos apegamos a uma ideia, um emprego ou um parceiro romântico mesmo quando se torna claro que cometemos um erro.

Há poucas ilustrações melhores disso do que a popularidade viral do "quiet quitting", uma prática que leva jovens trabalhadores exaustos a se recusarem a trabalhar fora do horário contratado, ou a assumir responsabilidades que vão além de suas funções.

É um termo mais poético do que ser "folgado", que é a maneira como nós, da geração X, teríamos descrito exatamente o mesmo comportamento há 25 anos. É também uma resposta perfeitamente compreensível ao excesso de trabalho e à remuneração insuficiente. Mas se você estiver com excesso de trabalho e ganhar mal, a melhor resposta, na maioria dos casos, não seria o "quiet quitting"; seria simplesmente pedir demissão.

Vista de cima mostra uma pessoa sentada no chão, acariciando um gato enquanto trabalha com o computador no colo. No chão também estão jogados papéis, um calendário, uma caneca de café e um pedaço de pizza
Apesar do que o termo sugere, adeptos não buscam demissão, mas limites saudáveis no trabalho - Catarina Pignato

Não digo isso para criticar a geração Z. Lembro-me de me sentir péssimo em meu trabalho, quando tinha vinte e poucos anos, e também me lembro da pressão social que havia para que eu criasse um currículo ordenado. Um currículo desordenado tem seus custos, é claro. Mas se você é um jovem que acaba de se formar, passar dois anos de sua vida em um emprego que odeia, enquanto acumula habilidades, experiência e contatos em um setor no qual não planeja continuar, também tem seu custo. A maioria das pessoas me alertava sobre os custos de deixar o emprego; apenas os mais sábios me alertaram sobre os custos de não deixar um emprego.

Aquilo de que você desiste abre espaço para que tente algo de novo. Tudo a que você diz "não" é uma oportunidade de dizer "sim" a algo mais.

Em seu novo livro, "Quit", Annie Duke argumenta que quando estamos ponderando se devemos ou não desistir, nossos vieses cognitivos tendem a adulterar a balança em favor da persistência. E a persistência é superestimada.

Para um bom jogador de pôquer —e Duke costumava ser uma jogadora espetacular—, isso é óbvio. "Saber exatamente quando sair pode ser a qualidade mais importante que separa os grandes jogadores dos amadores", ela escreve, acrescentando que, sem a opção de abandonar uma mão, o pôquer não seria de forma alguma um jogo de habilidade. Jogadores experientes abandonam cerca de 80% das mãos de que participam na popular variante Texas Hold'em do pôquer. "Compare isso aos amadores, que mais de metade das vezes optam por ficar com as cartas que receberam".

O que são esses vieses cognitivos que nos empurram para a persistência quando deveríamos desistir?

Um deles é o efeito do custo irrecuperável, sob o qual tratamos os custos passados como um motivo para manter um determinado rumo. Se você está em seu shopping center fino favorito, mas não consegue encontrar nada que queira comprar, o tempo e dinheiro gastos no percurso até o shopping não deveriam pesar em seus cálculos. Mas não é o que acontece. Nós nos colocamos sob pressão para justificar o esforço que já fizemos indo até ali, mesmo que isso venha a significar um desperdício ainda maior. A mesma tendência se aplica a muita coisa, de relacionamentos a projetos multibilionários. Em vez de cortar o prejuízo, preferimos continuar a gastar para tentar recuperar o que perdemos.

(A falácia do custo irrecuperável não é novidade para os economistas, mas foi preciso que Robert Thaler, ganhador de um Nobel de Economia, apontasse para o fato de que, se ela era comum o bastante para ter um nome, com certeza era comum o bastante para ser considerada como parte da natureza humana.)

O "viés de status quo" também tende a nos empurrar para a perseverança quando deveríamos desistir. Destacado em um estudo de 1988 conduzido pelos economistas William Samuelson e Richard Zeckhauser, o "viés de status quo" é a tendência de reafirmar decisões anteriores e se apegar ao caminho existente, em lugar de fazer a escolha ativa de tentar algo diferente.

Duke se irrita com a forma pela qual enquadramos essas escolhas de status quo. "Não estou pronto para tomar uma decisão", dizemos. Duke aponta, com razão, que não tomar uma decisão é, em si, uma decisão.

Há alguns anos, Steve Levitt, um dos autores de "Freakonomics: O Lado Oculto e Inesperado de Tudo que nos Afeta", criou um site no qual pessoas que precisavam tomar decisões difíceis podiam registrar seu dilema, jogar um cara ou coroa para ajudá-las a escolher e, mais tarde, retornar para dizer o que haviam feito e como se sentiam a respeito. Eram decisões muitas vezes pesadas, como deixar um emprego ou terminar um relacionamento. Levitt concluiu que as pessoas que decidiram fazer uma grande mudança —ou seja, aquelas que desistiram— estavam significativamente mais felizes, seis meses depois, do que aquelas que decidiram não mudar —ou seja, os lutadores. A conclusão: se você chegou ao ponto de recorrer a um cara ou coroa para ajudá-lo a decidir se deve ou não desistir de alguma coisa, já deveria ter desistido há algum tempo.

"Melhor desistir do que lutar". Não é um grande slogan político. Mas, como orientação para a vida, já vi piores.

Tradução de Paulo Migliacci

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