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Argentina pede que União Europeia renegocie acordo comercial com Mercosul

Acordo atual prejudica indústria automobilística do Brasil e da Argentina, diz presidente Alberto Fernández

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Michael Stott
Londres | Financial Times

O presidente argentino Alberto Fernández pediu que a União Europeia renegociasse um acordo comercial histórico com a América do Sul, afirmando que ele é desequilibrado e representa uma ameaça para a indústria automobilística no Brasil e na Argentina.

"O que temos de fazer é conversar para ver como podemos chegar a um acordo em uma base mais realista", disse Fernández durante a conferência Global Boardroom, do Financial Times.

Perguntado sobre quanto tempo esse processo poderia demorar, ele respondeu que "o tempo que os envolvidos quiserem. É como o tango. O tango é dançado por um casal, e você precisa que ambas as pessoas queiram dançar, caso contrário é muito difícil".

Alberto Fernández, presidente da Argentina, gesticula ao sair da cúpula de chefes de estado do Mercosul e países associados em Montevidéu, Uruguai - Eitan Abramovich - 6.dez.2022/AFP

O acordo comercial entre a União Europeia e o bloco Mercosul —Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai– foi fechado no começo de 2019, depois de quase duas décadas de negociação. Mas sua implementação foi adiada em meio a objeções europeias ao mau desempenho do Brasil na preservação da floresta amazônica, sob a liderança do presidente Jair Bolsonaro, de extrema-direita.

A eleição como sucessor de Bolsonaro, em outubro, de Luiz Inácio Lula da Silva, que se comprometeu a preservar a Amazônia, despertou a esperança de que o acordo entre a União Europeia e o Mercosul possa enfim receber aprovação final, depois de um longo atraso. Xiana Mendéz, ministra do Comércio Exterior da Espanha, disse ao Financial Times no mês passado que ela acreditava que o novo presidente apoiaria o acordo. "É um pacto muito equilibrado", ela disse. "Nós não favorecemos uma reabertura de negociações".

Mas Fernández disse na conferência do Financial Times que o meio ambiente "não é a razão para não termos o acordo, e sim uma desculpa".

"A verdadeira razão é que, para o Brasil e a Argentina [como] produtores de automóveis, os únicos produtores de automóveis da América do Sul, o acordo é um problema, porque torna as coisas difíceis para nós se a concorrência europeia vier para a América do Sul", ele disse.

Ao mesmo tempo, as nações sul-americanas enfrentam "uma pilha de obstáculos" na venda de seus produtos agrícolas de exportação à Europa, com países como França, Irlanda e Polônia se opondo ao fim dos subsídios agrícolas e a permitir a concorrência argentina, ele acrescentou.

"Nem Lula, nem eu, somos contra o acordo com a União Europeia", explicou Fernández. "É preciso ter em mente qual é a forma desse acordo, porque ele tem problemas [...] relacionados a desequilíbrios de mercado".

Enquanto prosseguem as discussões sobre o acordo comercial assinado com a Europa há muito tempo, a Argentina está fazendo negócios impressionantes com a China, seu segundo maior parceiro comercial, abaixo do Brasil. Pequim no mês passado aceitou expandir para US$ 25 bilhões (R$ 130,5 bilhões) uma linha de crédito ao banco central argentino, ajudando a reforçar as escassas reservas cambiais do país sul-americano.

A China além disso construiu uma estação de observação do espaço na província de Neuquén, na Patagônia, que segundo o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais de Washington opera com pouca supervisão argentina e poderia ser usada para a coleta de informações militares.

Fernández rejeitou o argumento de que a Argentina precisava escolher entre os Estados Unidos e a China, dizendo que não tinha nenhum desejo de recriar a era da guerra fria. "A Argentina tem que fazer o que for melhor para a Argentina", ele disse. "Os Estados Unidos estão muito preocupados com o que a China pode fazer na América Latina, mas a China pode fazer exatamente o mesmo que os Estados Unidos: pode vir e investir".

A Argentina está construindo uma base naval em Ushuaia, no sul da Patagônia, para apoiar as embarcações que patrulham o Atlântico Sul e a Antártida, mas Fernández descreveu como "fantasia" as notícias de que a China estava envolvida no projeto. "Nada parecido existe", ele disse. "Na Argentina, não pode haver bases militares chinesas, americanas ou francesas... porque somos uma nação soberana".

A nação sul-americana enfrenta desafios econômicos assustadores. A inflação está próxima dos 100% ao ano, seu acesso aos mercados financeiros internacionais está em grande parte bloqueado, depois de uma moratória em 2020, e os controles cambiais empurraram o valor do dólar no mercado negro para quase o dobro da cotação oficial.

Fernández disse que a economia argentina era "estranha", porque, apesar da alta inflação e dos níveis de dívida "impossíveis de pagar", o país também registrou investimento estrangeiro e exportações recorde no primeiro semestre do ano, o desemprego é baixo e o consumo está em alta.

"Se você se apegar à imagem de uma Argentina inflacionária... de uma Argentina endividada, você diria que a Argentina está uma bagunça", disse Fernández. "Mas também há todos estes dados que indicam um crescimento sustentado e um enorme potencial".

A solução para os males econômicos de longo prazo da nação sul-americana, ele disse, era adicionar valor a suas commodities. "A Argentina deve deixar de ser um exportador de matérias primas e se tornar uma nação industrial".

A Argentina vai realiza eleições presidenciais e legislativas em outubro próximo e as pesquisas mostram o partido peronista de Fernández atrás da oposição conservadora. O presidente já declarou no passado que gostaria de se candidatar novamente, mas seus índices de aprovação são baixos e ele disse na conferência do Financial Times que estava "completamente absorto" com o governo.

Sua poderosa vice-presidente, Cristina Fernández de Kirchner, disse na terça-feira (6) que não se candidataria a um novo mandato, depois de ser condenada por corrupção, um veredicto contra o qual ela planeja recorrer.

"Não estou pensando na reeleição, acredite", disse o presidente Fernández. "Estou pensando em como resolver todos os problemas [do país] Quero terminar meu mandato tendo semeado oportunidades na Argentina para a pessoa que me suceder".

Reportagem adicional de Andy Bounds, em Bruxelas. Tradução de Luiz Roberto Gonçalves

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