Associações alertam para fim do marco do saneamento sob Lula 3

Em manifesto, entidades ligadas à área atacam propostas da equipe de transição que barram investimento privado

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Brasília

Oito associações enviaram uma carta ao governo eleito em que apontam riscos de retrocesso no marco do saneamento básico a partir de 2023. Para elas, a abertura do mercado para a iniciativa privada pode sofrer um baque durante o novo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Embora o assunto não tenha sido tratado no balanço final do governo de transição, as mudanças foram recomendadas pelo grupo de Cidades, que contou com a participação de petistas históricos, como Jilmar Tatto e José de Filippi Junior.

A principal recomendação é criar um novo marco legal para o saneamento básico, barrando concessões ou privatizações. O assunto deve ser tratado entre Lula e o futuro ministro das Cidades.

Estação de tratamento de água da Cedae, a companhia que abastece o Rio de Janeiro - 24.nov.2022-Eduardo Anizelli/ Folhapress

Também haveria um revogaço de dispositivos da lei por meio de decretos para garantir, primordialmente, a possibilidade dos chamados contratos de programa —em que empresas estaduais de saneamento são contratadas por prefeituras, sem licitação. O prazo para que essa iniciativa seja implementada, segundo o governo de transição, seria de até cem dias.

O marco atual impede o recebimento de repasses federais para as prefeituras que optarem por esse tipo de contrato, uma forma de estimular as concessões e evitar uso político e má prestação do serviço.

A justificativa da equipe de transição para a mudança é que o marco atual discrimina empresas públicas em processos licitatórios.

No manifesto, enviado dia 20 de dezembro, as entidades afirmam que a lei fez o contrário: estimulou a competição, sem barrar empresas públicas de participarem de processos licitatórios para que as prefeituras "selecionem o melhor prestador do serviço e tenham contratos estruturados para que os reguladores possam melhor acompanhar a prestação dos serviços".

As signatárias afirmam ainda que o novo governo pretende esvaziar a ANA (Agência Nacional de Águas). Hoje, cabe à agência o papel de criar as normas que passarão a valer em todas as esferas da administração pública —municipal, estadual e federal.

A ideia é transferir essa competência para um novo departamento vinculado ao Poder Executivo, a Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental.

Para elas, a proposta é um retrocesso e repete a fórmula do passado de permitir que estatais ineficientes consigam contratos com prefeituras por ligações políticas.

Sem a ANA, a execução desses contratos ficaria submetida a interesses políticos da administração federal pela vinculação ao Executivo, afirmam.

Na agência, cujos diretores têm mandato, as regras têm de ser cumpridas sob pena de multa ao concessionário e, no limite, cassação do contrato.

Assinam a carta os dirigentes da Abdib (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base), Abemi (Associação Brasileira de Engenharia Industrial), Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos); Sindesam (Sistema Nacional das Indústrias de Equipamentos para Saneamento Básico e Ambiental), Abcon e Sindcon (Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto); Apecs (Associação Paulista de Empresas de Consultoria e Serviços em Saneamento e Meio Ambiente), Abce (Associação Brasileira de Consultores de Engenharia) e Sinaenco (Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva).

"Não podemos retroceder nos avanços regulatórios e jurídicos anteriormente observados, resultado de amplos debates no Congresso Nacional e agentes do setor, alicerces dos investimentos já efetuados e contratados e daqueles a serem, ainda, realizados, que já proporcionam o acesso a água e esgoto tratados a milhões de pessoas", disse Percy Soares Neto, diretor-executivo da Abcon.

Vista da praia da Aparecida, em Santos, no litoral sul de São Paulo; estudo do Instituto Trata Brasil coloca a cidade em primeiro lugar em saneamento básico no país - 22.mar.2022-Luigi Bongiovanni/TheNews2/Folhapress

Aprovado em junho de 2020, o marco definiu diretrizes para a universalização do serviço. Naquele momento, cerca de 16% da população brasileira não tinham acesso à água potável e 45% não eram servidos de esgotamento sanitário, segundo dados divulgados pelo Snis (Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento).

Com a nova legislação, 99% da população brasileira deverá ter acesso à água potável e 90% à coleta e tratamento de esgoto até 2033.

Para isso, a lei estabeleceu a competição como forma de impulsionar investimentos. Segundo a Abcon, em apenas dois anos, foram realizados 21 leilões de concessões em 244 municípios para atender 24 milhões de pessoas.

A Abcon diz ainda que houve concessões e PPPs (parcerias público-privadas) em Amapá, Rio de Janeiro (Cedae), Alagoas (região metropolitana de Maceió e em Agreste do Sertão, na zona da Mata), Ceará (na grande Fortaleza e no Cariri), Espírito Santo (Cariacica e Viana) e Mato Grosso do Sul (esgotamento sanitário). Os investimentos contratados somaram R$ 82 bilhões.

A participação do setor privado no atendimento à população passou de 14%, em 2019 para cerca de 23% em 2022.

Zona rural com a Funasa

O governo Lula 2 (2007 a 2010) já tinha aprovado um marco regulatório do saneamento básico definindo como meta a universalização do serviço. O projeto vinha sendo conduzido, basicamente, com dinheiro público. Segundo a equipe de transição, entre 2003 e 2015, foram R$ 200 bilhões investidos na área. No entanto, a partir de 2016, os recursos orçamentários previstos passaram a representar 20% do executado em 2013 —o que teria levado a uma paralisia.

Para 2023, a previsão orçamentária é de 5% dos recursos previstos para 2022, que já tinham sido reduzidos.

Para contornar essa situação, os integrantes da transição propuseram turbinar o Programa Saneamento para Todos, dando atenção especial à zona rural e a pequenos municípios. A Funasa (Fundação Nacional de Saúde) passaria a ser o agente operador específico desse público.

O projeto contaria com o orçamento anual do FGTS, sem limites ou restrições para contratações de novas linhas de crédito.

Outra iniciativa do grupo de transição é extinguir a possibilidade de a Caixa Econômica Federal estruturar projetos de concessão para saneamento com recursos do FEP, fundo que paga os serviços, posteriormente reembolsados pelo vencedor do leilão.

Essa linha de negócios fez surgir uma fila de prefeitos interessados no serviço junto à Caixa. Mais de R$ 13 bilhões em investimentos privados já foram assegurados para prefeituras de todo o país por meio de PPPs e concessões, segundo o banco.

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