Descrição de chapéu Financial Times

Disney luta para preservar o poder de seu reino na Flórida

Um acordo com o governador Ron DeSantis pode permitir que o Disney World continue a tributar a si mesmo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Christopher Grimes
Orlando | Financial Times

Quando Walt e Roy Disney idealizaram seu plano de transformar 101 quilômetros quadrados de pântano da Flórida em uma cidade e parque temático utópicos, em meados da década de 1960, não queriam a supervisão das autoridades da Califórnia que enfrentaram quando construíram a Disneylândia.

Ao final de um esforço de relações públicas altamente eficaz, a Disney realizou seu desejo: a Flórida deu à empresa os poderes para administrar essencialmente um governo privado. Entre os direitos extraordinários concedidos à Disney pela legislatura da Flórida em 1967 estava a capacidade de construir uma usina nuclear e um aeroporto na propriedade.

Manifestação a favor da lei 'Don't Say Gay', que bane discussões sobre orientação sexual e identidade de gênero de escolas da Flórida, em frente ao Walt Disney World em abril de 2022 - Octavio Jones-16.abr.2022/Reuters

A Disney nunca construiu a usina ou o aeroporto perto do Disney World. Mas o direito legal da empresa de fazer isso pode ser uma moeda de troca útil, enquanto a Disney tenta preservar seu "distrito tributário especial" de 55 anos na Flórida, conhecido como Reedy Creek Improvement District, que o governador do estado quer dissolver.

Nesta primavera, Reedy Creek se tornou um elemento improvável nas guerras culturais, quando o governador da Flórida, Ron DeSantis, lutou contra a Disney, cujo então executivo-chefe, Bob Chapek, criticou a lei estadual que restringe a discussão de assuntos LGBTQIA+ nas salas de aula.

No que foi geralmente considerado uma retaliação pelas críticas de Chapek aos críticos da legislação, chamada de "Não diga gay", DeSantis assinou um projeto de lei redigido às pressas que programa para junho a dissolução de Reedy Creek.

O gabinete do governador não explicou o que irá substituí-lo, embora um porta-voz de DeSantis tenha dito em um comunicado na sexta-feira (2) que "há um plano em andamento que será divulgado em breve".

No entanto, há preocupações de que os custos de assumir as responsabilidades de Reedy Creek –que incluem fornecimento de água e energia, estradas e serviços de bombeiros, todos pagos por um imposto que a Disney cobra de si mesma– recaiam sobre os contribuintes da Flórida.

Temores semelhantes cercam o destino de sua dívida municipal de quase US$ 1 bilhão, que foi rebaixada pela agência Fitch depois que a lei foi assinada.

Richard Foglesong, historiador e cientista político do Rollins College, diz que a lei da Flórida é clara: o imposto pago pela Disney recairia sobre os residentes dos condados próximos, Orange e Osceola, se Reedy Creek desaparecesse. "Isso não vai dar certo", disse ele. "Será revogado e esquecido."

O porta-voz de DeSantis disse no comunicado que "as dívidas da Disney não recairão sobre os contribuintes da Flórida".

Mas os legisladores preocupados da Flórida estão discutindo um plano para criar um projeto de lei "sucessor" que substituiria a lei que DeSantis assinou há menos de oito meses. O objetivo, dizem eles, seria preservar o status tributário especial da Disney e, ao mesmo tempo, reduzir o poder da empresa o suficiente para satisfazer DeSantis.

"De alguma forma, eles precisam fazer que o ônus recaia sobre a Disney e ela mantenha a capacidade de tributar a si mesma", diz Foglesong, autor de "Married to the Mouse" [Casada com o rato], uma história da Disney na Flórida. "Quem iria querer pagar o preço de construir [e manter] este incrível parque temático?"

Um foco das discussões dos legisladores pode ser encontrado na página 295 da lei de 1967 que concedeu à Disney os amplos poderes que ela exerce há 50 anos. Segundo a lei, a companhia tem o direito de construir e operar "fábricas e instalações para a geração e transmissão de energia através da fissão nuclear e outras fontes novas e experimentais de energia".

Na época, a energia nuclear estava em alta e combinava com a visão dos Disney de construir uma cidade do futuro. Mas a empresa nunca colocou a ideia em prática. Agora, no entanto, alguns políticos da Flórida veem isso como parte de uma possível solução para o dilema de Reedy Creek.

Linda Stewart, senadora democrata cujo distrito inclui partes de Orlando, disse ao Financial Times que privar a Disney da capacidade de construir uma usina nuclear ou um aeroporto pode ser parte de um novo projeto de lei substitutiva –além de permitir que o governador nomeie dois membros do conselho de Reedy Creek.

"Não me importa que eles não possam construir uma usina nuclear", disse ela. "Por mim tudo bem."

Uma questão chave é se impedir a Disney de investir em infraestrutura que ela não pretende construir será suficiente para DeSantis, cuja reeleição decisiva em novembro o tornou um dos primeiros candidatos na corrida pela indicação presidencial republicana em 2024. "Ele não pode ir embora e simplesmente ceder" sobre Reedy Creek, disse Stewart. "Ele vai ter que tirar alguma coisa disso."

Outro fator potencial é a demissão da Disney no mês passado de Chapek, que havia sido objeto de desprezo de DeSantis.

DeSantis se tornou um herói conservador este ano por rotular a Disney como uma empresa "consciente", enquanto Chapek foi acusado pelos funcionários da Disney –incluindo trabalhadores LGBTQ do Disney World que estavam irritados com a lei educacional da Flórida– por lidar mal com a questão.

Mas Bob Iger, que comandou a Disney durante 15 anos e voltou ao cargo de CEO pelos próximos dois anos, é conhecido por seu toque político hábil. Nesta semana, Iger disse aos funcionários que "lamentava por nos ver arrastados para a batalha" por Reedy Creek, acrescentando que "o estado da Flórida é importante para nós há muito tempo e temos sido muito importantes para o estado de Flórida".

Randy Fine, congressista republicano que foi um dos patrocinadores do projeto de lei de Reedy Creek, disse ao Financial Times esta semana que o retorno de Iger à Disney deve aumentar as chances de que "algo dê certo".

No entanto, DeSantis dificilmente soou conciliador esta semana quando questionado na Fox News sobre os comentários de Iger. "Sim, eles são uma empresa grande e poderosa, mas defendemos nossa gente", disse o governador. "Não me importo com o que uma empresa com sede em Burbank [Califórnia] diga sobre nossas leis."

Além de sua posição de maior empregador da Flórida, a Disney ainda tem várias cartas para jogar –a principal delas é sua reputação de operar o complexo do parque em alto padrão. O conselho tecnocrata de cinco membros de Reedy Creek tem poucos residentes a quem responder, o que lhe permite tomar decisões rapidamente. "É melhor que [a Disney] administre", diz Foglesong. "Eles acreditam em expertise."

Em uma recente reunião do conselho, um funcionário de Reedy Creek observou que o distrito produz mais energia solar do que qualquer outro governo local do estado –com a ajuda de uma série de painéis chamados Mickey–, graças em parte às metas de energia limpa estabelecidas pela Disney.

Anna Eskamani, deputada democrata progressista que representa Orlando na Câmara da Flórida, é uma crítica frequente da Disney, mas concorda que seria difícil para o setor público manter os padrões de Reedy Creek. Ela observa que, além de pagar impostos sobre a propriedade, a Disney tributa a si mesma a uma taxa maior do que os condados próximos são autorizados a cobrar.

"Quando você vai à Disney, não há pernilongos, porque eles têm controle intensivo de pernilongos", ela aponta como exemplo da competência da Disney. "Orange County não poderia fazer o que Reedy Creek faz."

É um argumento que Walt e Roy Disney poderiam muito bem ter dado.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.