Guedes encerra gestão entre objetivos atingidos e planos frustrados

Propostas travaram no fogo amigo vindo do governo, em críticas externas e em resistências do Congresso

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Brasília

Quatro anos após assumir o cargo sob a promessa de um choque liberal na economia, o ministro Paulo Guedes encerra sua gestão carregando consigo um misto de objetivos atingidos e de planos frustrados que nunca saíram do papel.

Em seu discurso de posse no dia 2 de janeiro de 2019, ele traçou, ao longo de 45 minutos, um plano de voo ambicioso que prometia privatizações, abertura da economia, corte de subsídios, descentralização de recursos para estados e municípios e controle de gastos —começando pela reforma da Previdência, a "prioridade número um" do governo recém-iniciado.

Alçado ao posto de superministro após a fusão de cinco pastas econômicas, Guedes até conseguiu riscar alguns itens de sua lista, mas boa parte ficou pelo caminho. Propostas travaram no fogo amigo vindo de dentro do governo —como nas privatizações, que levantaram cerca de R$ 305 bilhões entre empresas estatais, subsidiárias e outros ativos da União—, em críticas externas de economistas e nas resistências no Congresso Nacional.

O ministro ainda precisou ceder em alguns pontos de sua agenda para acomodar pressões do próprio presidente Jair Bolsonaro (PL) e aliados próximos para abrir os cofres públicos e ampliar despesas, sobretudo com a proximidade das eleições. A equipe econômica também teve de lidar com um fator inédito: uma crise sanitária de proporções mundiais.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, em cerimônia em Brasília - Adriano Machado - 18.nov.2022/Reuters

Ao final do percurso, Guedes reúne críticos que apontam as constantes mudanças no teto de gastos para liberar mais despesas e as expectativas frustradas de reformas, mas também apoiadores que preferem realçar a melhora de indicadores, como crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) e o superávit primário em 2022 —o primeiro em nove anos.

Procurado, o Ministério da Economia encaminhou um balanço com dados do que considera os principais legados da atual gestão. O ministro preferiu não conceder entrevista.

Um dos dados inclui a previsão de um país menos endividado ao fim da atual gestão, mesmo com os aumentos de gastos. A dívida bruta deve encerrar o ano em 73,7% do PIB, contra 75,3% ao fim do governo Michel Temer (MDB).

Considerada a maior vitória do governo Bolsonaro, obtida ainda em 2019, sem uma base parlamentar consolidada no Congresso, a aprovação da reforma da Previdência é elencada como uma das frustrações de Guedes.

Embora o ministro tenha conseguido apoio no Congresso para emplacar uma proposta mais potente, com economia prevista em R$ 855 bilhões para a União em uma década, a rejeição ao regime de capitalização deixou um gosto amargo. É como se, numa escala de 0 a 10, a reforma tivesse obtido uma nota 6 na avaliação de Guedes.

Na capitalização, cada trabalhador poupa em uma conta individual para sua aposentadoria, e o valor do benefício resulta do montante acumulado ao longo dos anos. O que o Brasil tem hoje é o chamado regime de repartição, em que não há formação de reservas. Os atuais contribuintes ajudam a sustentar os benefícios de quem já está aposentado.

A mudança do regime era considerada por Guedes um dos pilares da reforma da Previdência e também o ponto de partida para outro de seus planos: o lançamento da Carteira Verde e Amarela, uma alterativa para contratação de trabalhadores com menos encargos trabalhistas.

"O governo democrático vai inovar e abandonar a legislação fascista da Carta del Lavoro. Nós vamos libertar gerações futuras dando a opção para o jovem que queira a Carteira Verde e Amarela", disse o ministro na posse.

O combo de propostas foi visto por críticos como uma tentativa de reduzir direitos dos trabalhadores. O principal encargo sobre salários é a contribuição previdenciária, e sem ela os profissionais acumulariam poucos recursos para se aposentarem no futuro.

Na visão de Guedes, a combinação seria capaz de formalizar quase 40 milhões de trabalhadores que hoje atuam sem carteira assinada e, portanto, sem proteção social. O ministro sempre classificou os encargos como "armas de destruição em massa de empregos" por encarecerem a contratação de mão de obra. Não conseguiu angariar apoio.

Ainda assim, o ministro da Economia de Bolsonaro encerra o mandato com números para mostrar em relação ao emprego. A taxa de desemprego, que em 2018 estava na casa dos 12%, ficou em 8,7% no terceiro trimestre de 2022, embora tenha batido o recorde da série histórica (iniciada em 2012) na gestão Bolsonaro (14,9% em períodos de 2020 e 2021, durante a pandemia da Covid-19).

Na agenda de privatizações, o chefe da Economia experimentou logo nos primeiros meses da gestão o fogo amigo vindo de seus próprios colegas de Esplanada.

Ministros da ala política bombardearam o plano de Guedes de enxugar a máquina pública e conseguiram barrar a venda de empresas estatais, como Correios, Banco do Brasil , entre outras. A privatização da Eletrobras demorou a sair e foi aprovada sob críticas e após uma série de concessões ao Congresso Nacional.

"É meta, tem que ter meta, o Salim [Mattar, secretário especial de Desestatização entre janeiro de 2019 e agosto de 2020] vai entrar e vai anunciar logo: 'vou fechar o trem-bala, vou vendas tantas'. Todo mundo tem meta, todo mundo vai correr atrás", disse Guedes na posse.

Ao fim dos quatro anos, o time do ministro da Economia conseguiu vender cerca de R$ 305 bilhões entre empresas estatais, subsidiárias e outros ativos da União. O montante é significativo, mas bem aquém do R$ 1 trilhão acenado por Guedes em suas primeiras declarações.

Guedes também esbarrou no lobby poderoso de empresas, associações e parlamentares alinhados a esses setores contra a revisão de subsídios e desonerações.

"Não temos subsídios? Não demos R$ 300 bilhões de desonerações fiscais, de gastos tributários? Não temos isenções? Corta em algum lugar e deem os recursos para saúde e educação", disse em sua posse há quatro anos.

A fixação na Constituição de um plano para redução gradual desses benefícios, no entanto, micou: após interpretações criativas do dispositivo, o que chegou ao Congresso foi uma proposta de corte de apenas R$ 22,4 bilhões dos mais de R$ 300 bilhões destinados a esse fim. Para 2023, a conta passa dos R$ 450 bilhões.

Outra agenda que avançou parcialmente foi o chamado pacto federativo, guarda-chuva que abrigava os três Ds de Guedes: desindexação (flexibilização de reajustes obrigatórios), desvinculação (retirada de carimbos de receitas e despesas) e desobrigação.

"Se não funcionarem as proposições de reformas, você tem que lançar uma PEC [proposta de emenda à Constituição] dizendo o seguinte: desvincular, desobrigar, desindexar todas as despesas da União", disse o ministro na posse.

"Nós vamos vender ativos, desacelerar a dívida, talvez controlemos nominalmente essas despesas. Se a gente conseguir dois, três, quatro anos acelerando privatizações, travar esses gastos que sobem, porque a economia sobe 3%, 3,5%, o bolo cresce."

A PEC do Pacto Federativo foi enviada em novembro de 2019, na sequência da reforma da Previdência. Ela previa mecanismos de congelamento de despesas em situações de crise, possibilidade de flexibilizar jornada e salário de servidores públicos, extinção da obrigatoriedade da revisão anual de salários do funcionalismo e unificação dos gastos mínimos em saúde e educação.

Polêmica, a PEC acabou sendo deixada de lado após o estouro da crise da Covid-19, em 2020. Uma versão resumida foi aprovada em março de 2021 para prorrogar o auxílio emergencial pago a trabalhadores vulneráveis durante a crise sanitária. O texto incluiu também os gatilhos de ampliação e contenção de despesas em situações de emergência fiscal, tanto para a União quanto para estados e municípios.

Durante a crise da Covid-19, o governo precisou virar a chave e abrir os cofres para bancar benefícios sociais a vulneráveis, trabalhadores sob risco de demissão e transferir recursos a estados e municípios para compensar a queda brusca na atividade econômica. Foram quase R$ 125 bilhões entre repasses a governadores e prefeitos e suspensão de dívidas —o que acabou concretizando em parte seu plano de descentralização de recursos.

A partir daí, as grandes reformas acabaram sendo congeladas, e o ministro passou a ter uma atuação descrita por pessoas de fora como mais defensiva, em uma tentativa de conter o ímpeto gastador de ministros e do próprio chefe do Executivo.

Outro item elencado por Guedes em seu discurso de posse foi a necessidade de simplificar e reduzir tributos. Embora as propostas de reforma tributária apresentadas durante o governo não tenham sido aprovadas nas duas Casas, a avaliação no entorno de Guedes é de que ele conseguiu efetuar uma espécie de "reforma tributária invisível", com corte de alíquotas sobre produtos industrializados e insumos como diesel.

O analista político Bruno Carazza, professor da Fundação Dom Cabral, avalia que o excesso de promessas acabou prejudicando a avaliação externa sobre a gestão de Guedes. O ministro costumava defender a auxiliares a bandeira dos "big bold targets", ou seja, metas ambiciosas para alcançar um resultado positivo, ainda que intermediário. Mas isso acabou gerando expectativas que não foram correspondidas.

"Talvez tenha sido o principal erro de estratégia, desconsiderar o caráter político na gestão dele", diz. "Ele pagou o preço por uma expectativa muito grande que ele próprio criou. Prometeu muito, como se fosse fácil, como se dependesse de vontade política dele próprio, desmerecendo dificuldades políticas que antecessores tiveram."

Carazza reconhece que a pandemia prejudicou as negociações de medidas pelo governo, mas ressalta que, em sua avaliação, um dos principais obstáculos foi o próprio Bolsonaro. "Muitas vezes ele foi um opositor interno às políticas do Guedes. E o fato de ele ter sido ministro de um presidente tão pouco disposto ao dialogo político prejudicou a entrega do Guedes nessa gestão", diz.

Em conversas ao longo do último ano, o ministro chegou a reconhecer a interlocutores que a ausência de articulação política dentro do Executivo o forçou a buscar uma ponte com membros do Legislativo e do Judiciário para atuar nas questões econômicas, sobretudo durante a crise da Covid-19.

A despeito das frustrações, Carazza elenca outras agendas que não estavam no plano de voo inicial de Guedes, mas que acabaram vingando. Uma delas foi a aprovação da autonomia do Banco Central, que, entre outras coisas, assegurou mandatos fixos para a diretoria do BC —reduzindo incertezas em momentos de transição como o atual.

Outra agenda é o crescimento das concessões. A Economia calcula que os 180 leilões realizados vão proporcionar até R$ 941 bilhões em novos investimentos nos próximos anos.

"Realmente houve um volume muito considerável de ferrovias, rodovias, aeroportos, portos, e isso formou uma carteira relevante que já tem estimulado os investimentos", avalia o analista político.

Boa parte do efeito, no entanto, só deve ser sentido no médio e longo prazo. Esse é um fator que alimenta em Guedes a percepção de que seu desempenho à frente da Economia pode, no futuro, passar por uma espécie de revisionismo. Alvo de críticas, o ministro relata a interlocutores se sentir injustiçado —mas aposta que, ao longo dos anos, receberá reconhecimento.

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