Jovens chineses recusam empregos em fábricas, e escassez de mão de obra cresce

Rejeição ao trabalho repetitivo entre as novas gerações assusta empresas do país

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David Kirton
Shenzhen (China) | Reuters

Crescendo em um vilarejo chinês, Julian Zhu só via seu pai algumas vezes por ano, quando ele voltava nos feriados de seu emprego exaustivo numa fábrica têxtil no sul da província de Guangdong.

Para a geração de seu pai, o trabalho na fábrica era a única solução para escapar da pobreza rural. Para Zhu e milhões de outros chineses mais jovens, o baixo salário, as longas horas de trabalho penoso e o risco de ferimentos são sacrifícios que não valem mais a pena.

"Depois de algum tempo, esse trabalho deixa sua mente entorpecida", disse o homem de 32 anos, que saiu das linhas de produção há alguns anos e agora ganha a vida vendendo leite em pó e fazendo entregas com uma motoneta para um supermercado em Shenzhen, centro tecnológico no sul da China. "Não aguentei a rotina."

Centro de recrutamento da fábrica de Shenzhen no distrito de Longhua, província de Guangdong, na China, - David Kirton/Reuters

A rejeição ao trabalho repetitivo em fábricas por Zhu e outros chineses na faixa dos 20 e 30 anos está contribuindo para a crescente escassez de mão de obra que está frustrando os fabricantes na China, que produz um terço dos bens consumidos globalmente.

Os chefes das fábricas dizem que produziriam mais e mais rápido, com sangue mais jovem substituindo sua força de trabalho envelhecida. Mas oferecer salários mais altos e as melhores condições de trabalho que os mais jovens desejam arriscaria corroer sua vantagem competitiva.

E fabricantes menores dizem que grandes investimentos em tecnologia de automação são inacessíveis ou imprudentes quando o aumento da inflação e os custos de empréstimos estão reduzindo a demanda nos principais mercados de exportação da China.

Mais de 80% dos fabricantes chineses enfrentaram escassez de mão de obra variando de centenas a milhares de trabalhadores este ano, o equivalente a 10% a 30% de sua força de trabalho, conforme pesquisa da CIIC Consulting. O Ministério da Educação da China prevê uma escassez de quase 30 milhões de trabalhadores industriais até 2025, maior do que a população da Austrália.

No papel, não falta mão de obra: cerca de 18% dos chineses de 16 a 24 anos estão desempregados. Somente neste ano, um grupo de 10,8 milhões de graduados entrou em um mercado de trabalho que, além da manufatura, é muito restrito. A economia chinesa, atingida pelas restrições da Covid-19, a desaceleração do mercado imobiliário e repressões regulatórias em tecnologia e outros setores privados, enfrenta seu crescimento mais lento em décadas.

Klaus Zenkel, presidente da Câmara de Comércio Europeia no sul da China, mudou-se para a região há cerca de duas décadas, quando os graduados universitários eram menos de um décimo do número deste ano e a economia como um todo, cerca de 15 vezes menor em termos de dólares americanos. Ele dirige uma fábrica em Shenzhen com cerca de 50 trabalhadores que fazem salas com blindagem magnética, usadas por hospitais para exames de ressonância magnética e outros procedimentos.

Anúncios de vagas de emprego na principal fábrica de recrutamento de Shenzhen, na China - David Kirton/Reuters

Zenkel disse que o vertiginoso crescimento econômico da China nos últimos anos elevou as aspirações das gerações mais jovens, que agora consideram sua linha de trabalho pouco atraente.

"Se você é jovem, é muito mais fácil fazer esse trabalho, subir na profissão, fazer algum trabalho com máquinas, manusear ferramentas e assim por diante, mas a maioria dos nossos instaladores tem entre 50 e 60 anos", disse ele. "Cedo ou tarde, precisamos atrair mais jovens, mas é muito difícil. Os candidatos vão dar uma olhada e dizer 'não, obrigado, isso não é para mim'."

A Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma, a agência de gestão macroeconômica da China, e os ministérios de Educação e Recursos Humanos não responderam a pedidos de comentários.

Tempos modernos

Os fabricantes dizem ter três opções principais para lidar com o descompasso no mercado de trabalho: sacrificar as margens de lucro para aumentar os salários; investir mais em automação; ou embarcar na onda de distanciamento provocada pela crescente rivalidade entre a China e o Ocidente e mudar para searas mais baratas, como o Vietnã ou a Índia.

Mas todas essas opções são difíceis de implementar.

Liu, que dirige uma fábrica na cadeia de fornecimento de baterias elétricas, investiu em equipamentos de produção mais avançados com melhores medições digitais. Ele disse que seus trabalhadores mais velhos têm dificuldade para acompanhar o ritmo mais rápido ou ler os dados nas telas.

Liu, que, como outros chefes de fábrica, não quis dar seu nome completo para poder falar à vontade sobre a desaceleração econômica no país, disse que tentou atrair trabalhadores mais jovens com salários 5% mais altos, mas foi ignorado.

"É como com Charlie Chaplin", disse Liu, descrevendo o desempenho de seus trabalhadores, aludindo a uma cena do filme "Tempos Modernos", de 1936, sobre as ansiedades dos trabalhadores industriais americanos durante a Grande Depressão. O personagem principal, o "Carlitos", não consegue acompanhar o aperto de parafusos em uma esteira rolante.

Os formuladores de políticas chinesas enfatizaram a automação e a atualização industrial como uma solução para uma força de trabalho em envelhecimento.

O país de 1,4 bilhão de pessoas, à beira de uma crise demográfica, foi responsável por metade das instalações de robôs em 2021, um aumento de 44% em relação ao ano anterior, disse a Federação Internacional de Robótica.

Fila em agência de empregos para fábricas de Shenzhen - David Kirton/Reuters

Mas a automação tem seus limites.

Dotty, gerente geral de uma fábrica de tratamento de aço inoxidável na cidade de Foshan, automatizou a embalagem de produtos e a limpeza da superfície de trabalho, mas diz que uma correção semelhante para outras funções seria muito cara. No entanto, os trabalhadores jovens são vitais para manter a produção em andamento.

"Nossos produtos são muito pesados e precisamos de pessoas para transferi-los de uma etapa do processamento para outra. É trabalhoso em temperaturas quentes, e temos dificuldade para contratar para esses procedimentos", disse ela.

Brett, gerente de uma fábrica de consoles e teclados de videogame em Dongguan, disse que os pedidos caíram pela metade nos últimos meses e que muitos de seus colegas estão se mudando para o Vietnã e a Tailândia.

Ele está "apenas pensando em como sobreviver a este momento", disse, acrescentando que prevê a demissão de 15% de seus 200 funcionários, embora ainda queira músculos mais jovens em suas linhas de montagem.

Aspirações conflitantes

A competitividade do setor manufatureiro da China voltado para a exportação foi construída ao longo de várias décadas, com investimentos na capacidade de produção subsidiados pelo Estado e baixos custos de mão de obra.

A preservação desse status quo está agora em conflito com as aspirações de uma geração de chineses mais educados por uma vida mais confortável do que a rotina de dormir e trabalhar para comer amanhã que seus pais suportaram.

Em vez de se contentar com empregos abaixo de seu nível educacional, um recorde de 4,6 milhões de chineses se candidatou a estudos de pós-graduação este ano. Existem 6.000 inscrições para cada emprego no serviço público, informou a mídia estatal este mês.

Muitos jovens também estão adotando cada vez mais um estilo de vida minimalista conhecido como "ficar deitado", fazendo apenas o suficiente para sobreviver e rejeitando a corrida de ratos da China Inc.

Economistas dizem que as forças do mercado podem obrigar tanto os jovens chineses quanto os fabricantes a reduzir suas aspirações.

"A situação do desemprego para os jovens talvez piore muito antes que a incompatibilidade seja corrigida", disse Zhiwu Chen, professor de finanças da Universidade de Hong Kong.

Em 2025, disse ele, poderá não haver muito déficit de trabalhadores, "já que a demanda com certeza diminuirá".

'Você se sente livre'

O primeiro trabalho de Zhu foi parafusar diamantes falsos em relógios de pulso. Depois disso, trabalhou em outra fábrica, moldando caixas de lata para bolos da lua, um produto tradicional chinês.

Seus colegas contaram histórias horríveis sobre lesões no local de trabalho envolvendo folhas metálicas afiadas.

Percebendo que poderia evitar a vida que seu pai teve, ele desistiu.

Agora fazendo vendas e entregas, Zhu ganha pelo menos 10.000 iuans (US$ 1.421,04) por mês, dependendo de quantas horas ele trabalhar. É quase o dobro do que ganharia numa fábrica, embora parte da diferença vá para moradia, pois muitas fábricas têm seus próprios dormitórios.

"É um trabalho árduo. É perigoso nas ruas movimentadas, com vento e chuva, mas para os mais jovens é muito melhor do que nas fábricas", disse Zhu. "Você se sente livre."

Xiaojing, 27, agora ganha de 5.000 a 6.000 iuans por mês como massagista em uma área nobre de Shenzhen, depois de trabalhar três anos numa fábrica de impressoras, onde ganhava 4.000 iuans por mês.

"Todos os meus amigos da minha idade deixaram a fábrica", disse ela, acrescentando que seria difícil fazê-la voltar.

"Se eles pagassem 8.000, mais as horas extras, seria ótimo."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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