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Funcionários da SpaceX dizem que foram demitidos por denunciar Musk

Documentos acusam a empresa de retaliar oito trabalhadores por causa de uma carta crítica ao bilionário

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Noam Scheiber Ryan Mac
The New York Times

Em junho, cerca de 20 engenheiros foram convidados para uma reunião realizada na sede da SpaceX. O assunto da conversa: o fundador e CEO da empresa, Elon Musk.

Na véspera, a fabricante de foguetes havia demitido cinco funcionárias que escreveram uma carta pedindo à SpaceX que condenasse o "comportamento nocivo" de Musk no Twitter. Ele tinha usado a rede social para fazer pouco caso de uma reportagem de que a SpaceX havia feito um acordo numa queixa de assédio sexual contra ele. Várias das engenheiras entraram na reunião esperando um ouvido solidário, já que alguns gerentes e executivos haviam indicado que não toleravam o comportamento de Musk.

Mas a reunião, que não tinha sido relatada anteriormente, logo se tornou acalorada, de acordo com duas funcionárias da SpaceX presentes.

Elon Musk, fundador e CEO da SpaceX, durante evento da empresa na Califórnia - Mike Blake - 27.ago.2017/Reuters

Elas disseram que Jon Edwards, o vice-presidente que liderou a reunião, caracterizou a carta como um ato extremista e declarou que as redatoras foram demitidas por distrair a empresa e confrontar Musk. Quando perguntado se o CEO poderia assediar sexualmente seus funcionários sem problemas, Edwards não pareceu responder, disseram as duas funcionárias. Mas elas disseram que a reunião tinha um tema recorrente –que Musk podia fazer o que quisesse na empresa.

"SpaceX é Elon e Elon é SpaceX", as duas se lembram de ouvir Edwards declarar.

A carta à SpaceX acabou levando à demissão de nove trabalhadoras, segundo as funcionárias e seus advogados. Na quarta-feira (16), acusações de práticas trabalhistas injustas foram apresentadas ao Conselho Nacional de Relações Trabalhistas, em nome de oito dessas trabalhadoras, argumentando que suas demissões foram ilegais.

O caso da SpaceX levanta novas questões sobre as práticas de gestão nas empresas de Musk, onde há pouca tolerância para dissidência ou ativismo trabalhista.

A Tesla, fabricante de carros elétricos que Musk também dirige, resistiu às tentativas de sindicalização em suas fábricas e está envolvida em uma ação legal movida por trabalhadores que disseram não ter recebido aviso prévio adequado de sua demissão em junho.

Depois que Musk adquiriu o Twitter por US$ 44 bilhões, no mês passado, ele imediatamente demitiu executivos antes de dispensar metade dos 7.500 funcionários da rede social. Nesta semana, fez subordinados vasculharem as comunicações internas e tuítes públicos de funcionários, levando à demissão de dezenas de críticos.

Entrevistas com as oito funcionárias da SpaceX que apresentaram as acusações destacam o controle firme de Musk em seus locais de trabalho, talvez até mesmo além dos limites da lei federal. Seis dessas funcionárias falaram anonimamente por medo de represálias e não são identificadas pelos nomes nos registros do conselho trabalhista.

Juristas disseram que a lei, que dá aos trabalhadores o direito de se reunir para "ajuda ou proteção mútua", provavelmente protegeu a redação da carta, que, além de abordar os hábitos online de Musk, instava a SpaceX a aplicar suas políticas de assédio de forma mais eficaz.

"Foi difícil para mim acreditar no que estava acontecendo, era tão descarado", disse Tom Moline, engenheiro que estava na SpaceX havia mais de oito anos quando foi demitido, em junho, depois de ajudar a organizar a carta. "Parece um daqueles momentos em que os funcionários têm proteções."

A SpaceX, Musk e Edwards não responderam a pedidos de comentários sobre as denúncias dos ex-funcionários.

Muitos dos cerca de 11 mil trabalhadores da SpaceX estão lá por causa da missão do fabricante de foguetes. Fundada por Musk em 2002 e com sede em Hawthorne, na Califórnia, a empresa pretende enviar pessoas a Marte e tornar os humanos uma espécie "multiplanetária".

Essa missão, no entanto, às vezes foi prejudicada por distrações de seu CEO, disseram vários dos ex-funcionários que apresentaram as acusações trabalhistas em entrevistas. Musk criticou abertamente políticos e agências governamentais que têm influência em contratos federais.

Mais perturbador, disseram esses funcionários, é uma cultura que parece tolerar o assédio sexual e a discriminação de gênero.

Em dezembro, uma ex-funcionária publicou um texto descrevendo vários casos de assédio e bolinação de colegas de trabalho. Ela disse que houve pouca ou nenhuma consequência quando ela relatou os incidentes. Depois que o texto apareceu, outras funcionárias começaram a falar sobre o que consideram um comportamento predatório dos colegas homens.

A empresa, que não divulga dados demográficos dos funcionários, mas que os trabalhadores dizem ser dominada por homens, iniciou uma auditoria interna de suas políticas de assédio, informou The Verge.

Então, em maio, o Insider informou que a SpaceX pagou US$ 250 mil a uma comissária de bordo da empresa em 2018 depois que ela acusou Musk de se expor e propor sexo a ela. (Musk disse mais tarde no Twitter que o episódio "nunca aconteceu".) A história agravou as tensões internas, e várias funcionárias disseram em entrevistas que ficaram chocadas quando Musk brincou sobre as acusações no Twitter.

A controvérsia também envolveu Gwynne Shotwell, presidente e diretora de operações da SpaceX, que muitas funcionárias disseram ter considerado uma aliada.

"Eu tinha muito respeito por ela no começo", disse Paige Holland-Thielen, uma das engenheiras e organizadoras da carta que foram demitidas. "Eu me via no que ela fazia."

Mas várias funcionárias disseram que sua opinião sobre ela, já manchada pela reação da empresa às revelações de assédio anteriores, enfraqueceu ainda mais depois que Shotwell enviou um e-mail para toda a empresa dizendo que não acreditava nas acusações contra Musk.

"Trabalho de perto com ele há 20 anos e nunca vi nem ouvi nada parecido com essas alegações", escreveu ela.

O e-mail foi relatado anteriormente pela CNBC.

Em poucos dias, as funcionárias começaram a organizar uma carta aberta em resposta.

Apesar de suas frustrações, disseram algumas participantes, elas esperavam transmitir o desejo de discutir uma solução com os executivos. Musk e a SpaceX eram conhecidos por serem fortemente antissindicais –a fabricante de foguetes exige que os gerentes recebam treinamento para desencorajar a atividade sindical–, e os funcionários não queriam que executivos ou outros colegas vissem seus esforços como o início de uma campanha sindical.

"Sempre que alguém mencionava algo ou compartilhava algo de um sindicato real, eu pensava: 'Ei, vamos deixar isso para outra conversa'", disse Holland-Thielen, que fez o curso de treinamento como líder de engenharia, esperando eventualmente tornar-se uma gerente.

A escrita da carta seguiu dois caminhos. Um era pelo software pessoal dos trabalhadores e era visível apenas para algumas dezenas de funcionários. O outro acontecia numa plataforma de colaboração visível para qualquer pessoa na SpaceX, onde os trabalhadores discutiam "itens de ação".

Uma proposta dizia que a SpaceX deveria divulgar qualquer outra reclamação de assédio contra Musk; outra pedia uma declaração pública da empresa deixando claro que o e-mail de Shotwell sobre as denúncias não representava a opinião de todos os funcionários.

Shotwell parecia solidária, embora tivesse sido indicada.

"Como sempre, gosto de ler e ouvir ideias para ajudar a melhorar a SpaceX", escreveu ela na plataforma de trabalho interna, de acordo com uma captura de tela visualizada pelo The New York Times.

O grupo distribuiu a carta em 15 de junho –primeiro para Shotwell e vários outros executivos, e depois em diversos canais de mensagens da empresa.

"O comportamento de Elon na esfera pública é uma fonte frequente de distração e constrangimento para nós", dizia o documento.

A resposta inicial parecia favorável. Dados internos mostraram que mais de 1.000 pessoas visualizaram a carta em poucas horas, disseram os funcionários. Mais de 400 assinaram, muitos deles anonimamente.

Os gerentes também pareciam apoiar. Edwards, o vice-presidente, disse em uma reunião após a divulgação da carta que duas de suas três propostas eram "grandes ideias", de acordo com a ata da reunião compartilhada internamente e vista pelo Times. Ele disse que uma terceira ideia –que a SpaceX se separasse da "marca pessoal" de Musk– era "mais complicada".

Mas nos níveis superiores da empresa a reação logo se tornou antagônica, disseram as funcionárias. Em poucas horas, Shotwell enviou a Moline e Holland-Thielen um e-mail repassando comentários de um colega de trabalho não identificado que expressou desacordo com a carta e a chamou de perturbadora. The Information relatou previamente sobre esse e-mail.

"Por favor, parem de inundar os canais de comunicação dos funcionários imediatamente", escreveu Shotwell em seu e-mail, no qual copiou altos funcionários da empresa. Ela acrescentou: "Vou considerar o fato de você ignorar meu e-mail como insubordinação. Em vez disso, concentre-se no seu trabalho".

Na manhã seguinte, os meios de comunicação noticiaram a carta aberta. Naquela tarde, Moline, Holland-Thielen e três outros funcionários foram contatados separadamente pelos recursos humanos e informados de que estavam sendo demitidos. Uma funcionária citou seu papel na criação e distribuição da carta, disseram quatro dos funcionários.

Shotwell juntou-se a essas conversas remotamente e enfatizou que os trabalhadores haviam desperdiçado muito tempo da empresa.

Os funcionários ficaram surpresos.

"Estávamos realmente tentando tornar isso o mais palatável possível para as mentes razoáveis da SpaceX", disse Holland-Thielen.

Uma das advogadas das funcionárias, Anne Shaver, disse que a empresa havia "retaliado cruelmente" contra elas.

Shotwell não respondeu a um pedido de comentário para esta reportagem.

Wilma Liebman, que foi presidente do Conselho Nacional de Relações Trabalhistas do presidente Barack Obama, disse que uma carta pedindo esclarecimentos sobre as políticas de assédio sexual de uma empresa geralmente era protegida pela lei trabalhista federal. Ela disse que a empresa poderia argumentar que as redatoras da carta buscaram criticar Musk, atividade que não é necessariamente protegida, em vez de melhorar seu local de trabalho. Mas ela disse que o conselho trabalhista provavelmente discordaria porque as postagens de Musk que as funcionárias criticaram podem ser vistas como criando um ambiente de trabalho hostil.

A notícia das demissões se espalhou rapidamente, disseram os trabalhadores, e executivos e gerentes logo adotaram uma linha muito mais dura. Na semana seguinte, um funcionário foi informado por seu gerente, que compartilhou ansiosamente a carta aberta com colegas de trabalho, para escolher entre suas preocupações no local de trabalho ou ir para Marte, de acordo com o funcionário.

Os trabalhadores disseram que a empresa demitiu esse funcionário e dois outros em julho e agosto depois de investigar seu papel na carta, e que também demitiu um nono funcionário envolvido na carta em agosto, alegando mau desempenho, o que o funcionário contestou.

Moline e Holland-Thielen disseram que a rapidez de suas demissões os fez suspeitar que Shotwell havia cedido à pressão.

"Achei que ela estava fazendo um bom trabalho nos protegendo e defendendo de alguns dos piores impulsos que Elon e outros poderiam ter", disse Moline. "Finalmente, perceber que ela não era aquela salvadora quebrou minha confiança."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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