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'No fundo eu estraguei tudo', diz fundador da FTX

Criador de criptoimpério de 30 anos diz que empresa perdeu noção do risco e desvia de perguntas

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Joshua Oliver
Londres | Financial Times

Falando de sua cama em Nassau (Bahamas) por volta das 3h no sábado, Sam Bankman-Fried se debateu com uma das perguntas básicas sobre o colapso de seu criptoimpério de US$ 32 bilhões (R$ 166,3 bilhões).

O fundador da FTX insistiu que se isolou das negociações e do gerenciamento de riscos na empresa de trading Alameda Research, da qual era o sócio majoritário, por "razões de conflito de interesses" relacionadas ao seu papel como guardião dos ativos de clientes como executivo-chefe da exchange FTX.

Mas ele também admitiu, em entrevista ao Financial Times, um envolvimento nas decisões financeiras da Alameda mais próximo do que havia divulgado anteriormente.

Samuel Bankman-Fried, fundador da FTX, em depoimento no Senado americano - Saul Loeb - 12.nov.2022/AFP

A conversa, que o empresário de 30 anos pediu que fosse realizada por videochamada nas primeiras horas da manhã, de sua residência nas Bahamas, faz parte de uma campanha de mídia para se desculpar que Bankman-Fried lançou na semana passada.

O ex-magnata admitiu livremente em várias entrevistas o que chamou de "enormes descuidos e cagadas" e falta de "pensamento rigoroso".

A investida de mídia intrigou muitos num momento em que as circunstâncias do colapso da FTX, uma das maiores exchanges de criptomoedas, ainda estão sendo examinadas por pelo menos 1 milhão de credores, investigadores criminais e litígios civis.

Bankman-Fried disse ao FT que ficar quieto poderia ser visto como "admitir tacitamente a verdade de muitas teorias" que proliferaram online sobre seu suposto delito.

"Na medida em que há uma parte tática nisso, acho que basicamente as coisas chegaram a um ponto em que, francamente, havia muitas teorias da conspiração no ar que não tinham validade", disse Bankman-Fried. "Para ser claro, no fundo eu fodi tudo. Eu fodi tudo tudo e as pessoas se machucaram. E você não precisava de uma teoria da conspiração para chegar lá."

Ele enfrenta acusações em um processo nos Estados Unidos de que suas empresas eram um "esquema de pirâmide". Executivos que dirigem a empresa em processo de falência disseram em ações judiciais que a FTX parecia ter "ocultado o uso indevido de fundos de clientes".

Bankman-Fried negou irregularidades intencionais, culpou suas próprias "enormes falhas de gerenciamento" e disse que só percebeu totalmente o perigoso estado financeiro da FTX dias antes de ela ser forçada a pedir falência em Delaware, no início de novembro.

Ele admitiu que a Alameda teve permissão para exceder os limites normais de empréstimos na bolsa FTX desde seus primeiros dias.

No centro do relato de Bankman-Fried sobre como a FTX acabou com um déficit de aproximadamente US$ 8 bilhões em ativos de clientes estão os empréstimos excessivos da exchange para a Alameda, que aplicou o dinheiro em investimentos de risco e apostas condenadas em tokens digitais.

Bankman-Fried evitou as perguntas do FT sobre os empréstimos excessivos e os investimentos azedados que finalmente afundaram a Alameda, abrindo um buraco nas finanças da FTX, e não quis discutir as consequências jurídicas que ele poderá enfrentar. Disse que evitou deliberadamente se envolver nas negociações e na gestão de riscos da Alameda para evitar conflitos com sua posição como presidente-executivo da FTX, e negligenciou monitorar o risco que representavam para a bolsa.

No entanto, ele disse que no início do verão participou de conversas nas quais se discutiu a saúde financeira e os empréstimos da Alameda. Anteriormente, ele havia sugerido que só "percebeu totalmente" sua posição perigosa no mês passado.

"Lembro que houve algumas discussões sobre as posições da Alameda. Não me lembro dos números. Não me lembro de números sendo ditos, não tenho certeza se o foram. Acho que a Alameda fez algumas recontagens na época, ou checou a saúde de sua posição", disse.

Ele lembrou de pelo menos uma reunião no escritório da FTX em Nassau após a quebra do mercado de criptomoedas em maio, em que a equipe disse que o acesso da Alameda a empréstimos de terceiros estava sendo reduzido e talvez fosse necessário tomar mais empréstimos da FTX. Ele disse que não conseguia se lembrar de quem participou.

"Minha impressão na época foi algo como pessoas fazendo um balanço pós-crash", disse ele.

"A Alameda tinha várias posições de margem, abertas em várias mesas de empréstimos, geralmente posições longas líquidas", disse ele, e uma fração delas foi transferida para a FTX quando outros credores retiraram o crédito, aumentando as responsabilidades da Alameda para com a FTX em cerca de US$ 6 bilhões (R$ 31,2 bilhões).

Questionado sobre como o grande aumento nos empréstimos à Alameda pela FTX foi aprovado pela bolsa, ele disse: "Não me sinto bem por não saber a resposta".

Ele disse que a empresa não tem um diretor de risco monitorando suas posições de margem ou regras sobre quem precisa aprovar grandes mudanças nos empréstimos. "Como empresa, meio que perdemos a noção do risco posicional de uma forma bastante ampla e destrutiva", disse ele.

Bankman-Fried também disse que esteve envolvido em dois dos maiores usos de fundos da Alameda: os US$ 4 bilhões que ela despejou em capital de risco e os US$ 3 bilhões que, segundo ele, a firma usou para comprar a participação acionária da rival Binance na FTX.

"Esses dois somam um número bastante alto", disse ele, acrescentando que os dois usos de dinheiro foram "a resposta menos insatisfatória que consegui encontrar" em resposta à pergunta de como a Alameda desembolsou bilhões em dinheiro da FTX.

Ele disse que não sabia na época exatamente quais fundos vieram de empréstimos em vez dos lucros comerciais da Alameda. Mas disse que os investimentos de capital de risco foram "efetivamente, alguns deles, na margem".

"Eu me arrependo disso. Me arrependo bastante disso", acrescentou.

A tentativa de Bankman-Fried de explicar o que deu errado foi cheia de ressalvas e referências à sua memória incompleta. Ele citou a falta de "confiança" em suas respostas pelo menos uma dúzia de vezes, chamando outras respostas de "especulação ociosa" ou "respostas de merda". A certa altura, ele parou por meio minuto com a cabeça entre as mãos.

Alguns observadores interpretaram seus "mea culpa" públicos como uma tentativa honesta de relembrar uma situação que rapidamente saiu do controle. Outros acham suas explicações implausíveis.

Vários ex-funcionários que falaram com o FT questionaram seu retrato da FTX como uma empresa que foi levada para um precipício pela falha bem-intencionada de sua equipe de liderança, em sua maioria jovem.

Ira Sorkin, o advogado que defendeu o fraudador Bernard Madoff, disse à Bloomberg que a campanha de mídia de Bankman-Fried foi um erro. "Você não vai influenciar o público. As únicas pessoas que vão ouvir o que você tem a dizer são reguladores e promotores", disse ele.

Mas há indícios de que está surtindo algum efeito. O gerente de fundos de hedge Bill Ackman tuitou esta semana: "Me chame de louco, mas acho que [Bankman-Fried] está dizendo a verdade".

Maxine Waters, que presidirá as audiências sobre a FTX na Comissão de Serviços Financeiros da Câmara dos Deputados dos EUA no final deste mês, disse em um tuíte que "aprecia" a franqueza e a "vontade de falar com o público" de Bankman-Fried.

Mas, apesar de suas explicações públicas, Bankman-Fried disse que não espera conquistar as pessoas. "Não estou esperando nenhum sentimento positivo", disse. "Tipo, eu não acho que mereço isso."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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