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China

A China vai bater a meta?

Crescer 5,5% em 2023 importa, mas uma economia rica e desenvolvida no longo prazo importa muito mais

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Rodrigo Zeidan

Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

O pior período de crescimento desde 1976, uma população em declínio, uma guerra comercial com a maior economia mundial, trabalhadores protestando contra empresas de testes que não pagam salários, e centenas de milhões de pessoas infectadas com Covid em um mês.

As notícias recentes da China estão longe de serem otimistas, mas o ano de 2023 está longe de ser perdido. Com a abertura da economia após o abandono da política de Covid zero e o represamento de pedidos pelos problemas logísticos dos últimos anos, a economia chinesa pode crescer fortemente em 2023, mesmo que alguns problemas estruturais limitem o potencial econômico do país no longo prazo.

A economia chinesa cresceu 3% em 2022, depois de 8,1% em 2021 e 2,3% em 2020. O crescimento médio de 3,8% nesse triênio é o menor desde o período de início das reformas econômicas. A meta de crescimento para 2022 e os próximos anos é de 5,5% e há grande riscos dela não ser batida em 2023, embora não haja risco de recessão.

Trabalhadores observam guindastes usados em construção em Pequim, na China - Tingshu Wang/Reuters

Para esse ano, as principais barreiras ao crescimento chinês são o mercado imobiliário, as contas em frangalhos dos governos locais, a reticência dos consumidores chineses e as restrições comerciais impostas pelos americanos. Ainda assim, é possível uma forte recuperação econômica, pelo menos para esse ano. São duas as principais razões para isso: urbanização e crescimento da produtividade.

É difícil de imaginar, quando vemos os prédios futuristas de uma Xangai de quase 30 milhões de habitantes, que são 500 milhões de chineses que vivem tecnicamente no campo. Todo ano, entre 12 e 20 milhões de chineses mudam do campo para a cidade ou, como é mais comum, veem suas fazendas virarem áreas urbanas.

Somente o efeito multiplicador desse monstruoso esforço de infraestrutura garante que o país cresça cerca de 2% ao ano. Esse efeito deve continuar por pelo menos mais 20 anos, e é a principal razão pela qual a China tenha sido uma das únicas economias do mundo que não teve crescimento negativo em 2020.

A reboque desse crescimento quantitativo de centros urbanos vem o aumento da produtividade. Os 35% de chineses no campo produzem somente 7% do PIB chinês. No momento em que um chinês muda para a cidade ou a cidade vem a ele, sua produtividade mais que triplica. E a economia chinesa como um todo está em um processo de escalada tecnológica.

Os setores intensivos em trabalho de pouco valor agregado; em bom português, quinquilharias, estão encolhendo, enquanto as indústrias com maior conteúdo tecnológico não param de crescer. A ideia do trabalhador chinês que trabalha por uma ninharia já não é verdade há mais de uma década. O salário mínimo na província mais pobre da China, Liaoning, é de R$1.100, enquanto em Shanghai é de R$2.000. E, na indústria, ninguém recebe salário mínimo.

Hoje, as fábricas chinesas têm pago bônus para trabalhadores industriais, pois o desemprego dessas categorias é virtualmente zero. Os maiores problemas estão nas áreas de serviços e em trabalhadores com escolaridade média e alta; o mercado não tem absorvido os novos formandos com o mesmo afinco de outrora.

Com a reabertura da economia, a pergunta para esse ano é: vamos ver o apetite para investimentos para consumo interno como nos anos antes da pandemia? Ainda é muito cedo para saber, pois a primeira grande onda de Covid ainda não acabou e as festas pelo ano novo chinês começam semana que vem. Durante esse período, o país basicamente para, e as empresas só voltam a funcionar a todo vapor em março. Há chance da economia voltar no ano do coelho que começa sábado, mas também é possível que a economia não bata a meta de 5,5% para esse ano.

A grande questão é: o período do alto crescimento econômico chinês acabou e devemos esperar a economia crescendo entre 2 e 4%, como economias desenvolvidas, ou podemos ver uma década de crescimento estrondoso de 5 a 6% ao ano? Não há como saber ao certo, mas é possível que o nível de crescimento diminua. A China já é um país de renda média alta com elevada desigualdade social.

Com os problemas geopolíticos e a economia mundial crescendo pouco, um cenário da China se desenvolvendo mais lentamente que no passado é provável. Mas um trabalhador chinês médio ainda produz somente 25% do PIB de um trabalhador americano. Espaço para crescer é que não falta. Dado o tamanho da economia chinesa, há uma tendência a superestimar a importância da China no curto prazo. Mas não podemos é subestimar a importância da economia chinesa no longo prazo.

Uma rápida recuperação em 2023 traz vários benefícios para o mundo, especialmente para o Brasil. Mas é o desenvolvimento chinês no longo prazo que vai ter impacto muito maior. Com população em declínio ou não, o desenvolvimento chinês pode multiplicar em muitas vezes a demanda atual por produtos brasileiros. Bater a meta de 5,5% em 2023 importa. Mas uma China rica e desenvolvida importa muito mais.

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