'Fraudador dá uma de maluco': as críticas do BTG contra os principais acionistas da Americanas

Banco foi impedido de cobrar dívida depois que varejista conseguiu liminar; companhia e principais sócios não comentam

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Brasília

Os escritórios Galdino & Coelho Pimenta Takemi Ayoub e Ferro Castro Neves Daltro & Gomide, que defendem o banco BTG Pactual, reapresentaram nesta segunda-feira (16) ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro uma petição para derrubar a liminar concedida na última sexta-feira (13) à Americanas. Os escritórios haviam feito o pedido no sábado (14), mas o juiz de plantão avaliou que não havia necessidade de julgamento imediato. Nesta segunda, a desembargadora Leila Santos Lopes indeferiu o pedido do banco.

O documento, ao qual a Folha teve acesso, traz expressões de indignação contra a varejista.

O BTG foi impedido de cobrar uma dívida "superior a R$ 1,2 bilhão" (a Folha apurou que o valor total é de R$ 1,9 bilhão), depois que a companhia barrou a cobrança de todos os seus credores por meio da liminar. A decisão foi obtida após a divulgação de um escândalo contábil de R$ 20 bilhões no seu balanço, anúncio feito pelo ex-presidente da companhia, Sergio Rial.

"A semente da autodestruição: pirotecnia contábil" é o título do agravo de instrumento redigido pelos advogados, com pedido de atribuição de efeito suspensivo à liminar.

três homens grisalhos, de terno, sorriem
O trio de bilionários da 3G Capital, Beto Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles. - Divulgação

A Americanas não quis falar com a reportagem sobre os termos da petição. Por meio de nota, sua assessoria afirmou que "nesse momento, a companhia segue acreditando na proteção da medida cautelar e no compromisso dos credores de retornarem com uma proposta. A Americanas apontará em breve a sua equipe de negociação com os credores".

Na petição do BTG, à qual a Folha teve acesso, são alvo, além da companhia, os empresários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, fundadores da companhia de private equity 3G Capital, atuais acionistas de referência da Americanas —até 2021, eles eram os controladores da varejista.

"Os três homens mais ricos do Brasil (com patrimônio avaliado em R$ 180 bilhões), ungidos como uma espécie de semideuses do capitalismo mundial ‘do bem’, são pegos com a mão no caixa daquela que, desde 1982, é uma das principais companhias do trio", diz o documento.

"Dois dias depois, têm a pachorra de vir em Juízo pedir uma tutela cautelar, preparatória de uma recuperação judicial, para impedir os credores de legitimamente protegerem o seu patrimônio à luz da maior fraude corporativa de que se tem notícia na história do país. É o fraudador pedindo às barras da Justiça proteção ‘contra’ a sua própria fraude", diz o texto da petição.

Os advogados fazem menção ao livro "Sonho grande: Como Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira revolucionaram o capitalismo brasileiro e conquistaram o mundo" (editora Sextante), lançado em 2013 pela jornalista Cristiane Correa, mencionando dois trechos em especial, com aspas dos empresários: "Nós temos que fazer pirotecnia. De vez em quando vamos ter que dar uma de maluco para esses caras saberem que é pra valer" e "O dinheiro começou a ir para o bolso, o sonho de construir deixou de existir [...] a semente da destruição estava plantada."

De acordo com a petição, trata-se do "fraudador cumprindo a sua própria profecia, dando verdadeiramente ‘uma de maluco para esses caras saberem que é pra valer’. É o fraudador travestindo-se como o menino da antiga anedota forense, que, após matar o pai e a mãe, pede clemência aos jurados por ser órfão."

A petição defende ainda que o patrimônio "de mais de R$ 180 bilhões" dos acionistas de referência da Americanas é mais do que suficiente para fazer frente às despesas sociais e trabalhistas da varejista, que somariam R$ 350 milhões ao mês.

"A mera suspensão de exigibilidade de obrigações em caráter ex nunc [desde agora] já deixa no caixa da cerca de R$ 10 bilhões e R$ 4 bilhões de recebíveis performados de cartão de crédito com liquidez imediata", diz o texto.

A Folha solicitou à Americanas e ao 3G Capital um posicionamento do trio de acionistas de referência. A varejista afirmou não ter previsão sobre uma resposta dos empresários. O 3G não se manifestou sobre as críticas a seus fundadores, porque são eles, e não a empresa de private equity, que têm ligação com a Americanas.

Segundo os advogados dos escritórios Galdino Coelho e Ferro Castro Neves na petição, a Americanas pediu à Justiça não apenas a suspensão o congelamento de vencimentos antecipados, mas também que os vencimentos que já tivessem sido declarados e compensações que já tivessem sido feitas fossem desfeitas.

A petição afirma que a liminar obtida na sexta (13) pela Americanas "entrega R$ 1,2 bilhão do patrimônio alheio (no caso do Banco) a um fraudador confesso, que admite em sua petição (...) ter dívidas superiores a R$ 40 bilhões; ou seja, o R$ 1,2 bilhão do banco virarão pó do dia para a noite nas mãos de quem se vangloria por ‘pagar de maluco’".

Os advogados também reclamam que a liminar, assinada pelo juiz Paulo Assed Estefan, da 4ª Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro, estabelece um marco temporal para a antecipação da tutela a data de 11 de janeiro de 2023, "ironicamente o dia em que a companhia confessou publicamente a fraude ao mercado."

Ou controladores fazem aporte ou haverá falência da empresa, diz BTG

Segundo a defesa do BTG Pacual, a Americanas adota uma "narrativa canhestra e disléxica", que levou a uma "decisão gravíssima" da Justiça, que "distorce por completo os limites e a finalidade do instituto da recuperação judicial, conferindo proteção legal, inclusive em caráter antecipado, a alguém que se tornou insolvente sponte propria [por vontade própria] por ter fraudado o mercado de crédito e o mercado de ações."

A petição afirma que, "se a insolvência decorre de fraude, como é o caso, ou o acionista controlador aporta os recursos necessários para cobrir o rombo da fraude ou é caso de falência; não existe uma terceira hipótese".

A liminar, diz a defesa do BTG, "absolve liminarmente os acionistas controladores —literalmente, os três homens mais ricos do Brasil, com patrimônio conjunto avaliado em mais de R$ 180 bilhões (!!)—, livrando-os de pagar a conta de sua própria pirotecnia e colocando todo o fardo da sua lambança contábil nos ombros dos credores."

A reportagem procurou o escritório Galdino & Coelho Pimenta Takemi Ayoub para comentar a petição, mas não obteve retorno até o fechamento deste texto.

Leia a nota da Americanas


Procurada pela Folha, a Americanas respondeu com uma nota, enviada pela sua assessoria de imprensa. Segue íntegra do texto:

"A Americanas S.A informa que a medida cautelar visa somente a sustentação jurídica necessária para que tanto a Americanas como os credores possam chegar a um possível acordo. A Americanas reitera a importância da manutenção da liminar, apesar da tentativa de suspensão, o que poderia gerar assimetria entre os seus credores, inclusive bancos, e não ajudaria no processo."

"A Americanas trabalha para, dado o seu peso social em todo o Brasil gerando mais de 100 mil empregos diretos e indiretos, encontrar uma solução com os seus credores e, assim, a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. Nesse momento, a companhia segue acreditando na proteção da medida cautelar e no compromisso dos credores de retornarem com uma proposta. A Americanas apontará em breve a sua equipe de negociação com os credores."

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