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Real digital avança de fase com plano de dar mais segurança ao uso do dinheiro

Expectativa é que primeiras moedas sejam emitidas pelo BC no final de 2024

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Brasília

Transferir uma quantia de dinheiro aos filhos menores de 18 anos com a certeza de que o montante poderá ser gasto unicamente com atividades de lazer, como cinema, não com algo não autorizado pelos pais. Esse é um exemplo prático de como poderá ser usada a moeda digital brasileira —o real digital— em desenvolvimento pelo Banco Central.

De forma geral, a CBDC (Central Bank Digital Currency) brasileira ampliará a capacidade do cidadão de controlar e programar o uso do dinheiro, que só pode ser efetivamente liquidado se respeitar as condições acordadas. O real digital chega à fase piloto —com início previsto para o fim do primeiro semestre— sob a promessa de aumentar as garantias nas transações eletrônicas.

"A programabilidade não é só de tempo, mas de função. Pode ser em uma data específica, para uma pessoa determinada, desde que algo tenha acontecido antes, em uma taxa combinada", detalha Rodrigoh Henriques, diretor de inovação da Fenasbac (Federação Nacional de Associações dos Servidores do Banco Central) e coordenador do Lift Challenge, laboratório que estudou o desenvolvimento do real digital nos últimos meses.

Real digital será uma extensão do papel-moeda - Gabriel Cabral - 21.fev.19/Folhapress

"Por mais que a gente esteja falando de real digital, a gente está falando de vários reais digitais ao mesmo tempo, e uma solução única integrada para isso não é simples de fazer", afirma.

Outro caso de uso da nova moeda é a compra de veículos ou imóveis atrelada a contratos inteligentes —documentos digitais programados por meio de tecnologia para serem executados após o cumprimento das condições estabelecidas.

"Eu transfiro o dinheiro digital para o contrato, não para o dono do carro, por exemplo. Isso vai fazer uma diferença muito grande na vida das pessoas. Ao tirar o intermediário, você baixa o risco da transação e torna o serviço mais barato", diz Henriques.

Embora a vantagem de uso do real digital seja observada sobretudo em operações mais complexas, Fabio Araújo, coordenador da iniciativa do real digital do BC, diz que o foco da instituição sempre foi voltado a serviços de varejo. Isso significa que a CBDC poderá ser utilizada para operações financeiras cotidianas em quaisquer faixas de valores.

"A gente quer que a funcionalidade da moeda digital chegue à mão das pessoas", disse Araújo em novembro, em evento voltado a especialistas do setor na sede da autarquia.

Diferentes casos de uso do real digital foram trabalhados por nove projetos selecionados para o Lift Challenge, que chegou ao fim na semana passada. As soluções em estudo envolviam, entre outros temas, finanças descentralizadas, pagamentos offline e transações internacionais a partir de blockchain.

O laboratório trouxe respostas mais claras sobre o desenho da moeda digital brasileira e da infraestrutura necessária para sua operabilidade. Também foram mapeados os obstáculos que o real digital terá de superar para se tornar realidade.

"Em alguns casos, o ganho é entender que não é o momento de explorar algumas funcionalidades", diz Henriques. As transações nas quais nem o pagador nem o recebedor estejam conectados à internet se encaixam nesse grupo.

"Temos clareza de que essa funcionalidade dual offline é importante no real digital, mas ela não é prioritária na solução da CBDC brasileira agora porque exigiria um nível de testes e complementaridade com outras tecnologias", diz.

O laboratório também evidenciou as mudanças regulatórias necessárias para a criação do real digital. Uma delas compete às atribuições do BC, que, de acordo com a legislação que rege a instituição, especifica apenas a emissão de papel-moeda e moeda metálica.

Tais discussões serão conduzidas por um grupo de trabalho interdepartamental do BC focado em economia "tokenizada". Para poder "virar a chave" para a sociedade, será preciso incluir outros atores do sistema financeiro e fora dele nas discussões, como a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e o Detran (Departamento de Trânsito). Os técnicos ficarão encarregados de conversar com reguladores e instituições sobre normas regulatórias, cibersegurança, infraestrutura de mercado e demais temas.

Diferentemente das criptomoedas, como bitcoin, CBDCs são uma extensão do papel-moeda, asseguradas pelo Estado. Um dos pontos já definidos pelo BC é que as instituições financeiras terão permissão para emitir tokens (representação digital de um ativo) dos seus depósitos.

"Os bancos vão criar stablecoins [criptomoedas de baixa volatilidade, com lastro em ativos mais seguros] em cima dos depósitos. E as stablecoins vão ser garantidas pelo BC, um para um, em uma moeda digital. Então, você vai ter stablecoins dos bancos A, B e C. Todos são fundíveis, todos têm o mesmo valor e todos podem ser convertidos na moeda digital emitida pelo BC", afirmou em setembro de 2022 Roberto Campos Neto, presidente da autoridade monetária.

A ideia do BC é desenhar um sistema em que seja possível agregar outros serviços a partir de um ponto inicial, como "peças de Lego". Para o real digital entrar em operação, será preciso criar uma nova camada na infraestrutura do sistema de pagamentos. É justamente esse sistema que será colocado à prova na fase de teste piloto.

As instituições financeiras reguladas pelo BC terão acesso à rede, onde realizarão operações envolvendo troca de reais digitais e simulação de emissões de reais tokenizados. Também caberá aos participantes levar o sistema ao limite e promover ataques.

Os testes incluem tentativas de invasão, de burlar identidades, de fraudar transações e de fazer duplicidade de operações. "Você vai trabalhar muito a ideia de war games [jogos de guerra, um desafio de cibersegurança] numa rede como essa para garantir em primeiro nível a segurança e a confiança que você pode ter nela", diz o diretor de inovação da Fenasbac.

A fase piloto terá duração de 18 meses, e a expectativa é ter os primeiros reais digitais emitidos ao término de 2024. Araújo, contudo, admite que o cronograma pode ser dilatado.

"Depois desses 18 meses, a gente espera ter uma visibilidade melhor do que é o real digital, quais são os casos de uso, qual é a segurança. Se estiver com tudo azeitado, provavelmente não vai estar, a gente lança o real digital no final de 2024, início de 2025, é muito desafiador esse cronograma", disse o coordenador da iniciativa do real digital do BC no evento. "Se tudo der certo, isso acontecerá. Se não, a gente passa para uma fase seguinte de refinamento dos pilotos para resolver os problemas."


ENTENDA A MOEDA DIGITAL BRASILEIRA

O que é o real digital?
É uma CBDC (Central Bank Digital Currency), ou seja, uma moeda digital emitida por Banco Central. Ela é uma extensão do papel-moeda, assegurada e gerida pelo Estado.

Quais as diferenças do real digital para as criptomoedas e stablecoins?
O real digital é a expressão eletrônica da moeda soberana brasileira, enquanto criptomoedas e stablecoins são de emissão privada e, em geral, não dispõem de regulação. Criptomoedas, como bitcoin e ethereum, apresentam grande volatilidade. Já stablecoins buscam corrigir esse problema atrelando seu valor, em geral, a uma moeda soberana.

Qual a diferença entre uma moeda digital de varejo e de atacado?
Uma moeda digital de atacado é voltada para transações de valores elevados, envolvendo bancos, cooperativas, instituições de pagamento e eventualmente grandes empresas. Já uma moeda digital de varejo busca atender às necessidades de indivíduos e empresas de todos os portes, podendo ser utilizada para pagamentos e para operações financeiras cotidianas em quaisquer faixas de valores.

O real digital poderá ser convertido em cédulas?
Ele poderá ser convertido em qualquer outra forma de pagamento hoje disponível no Brasil, como depósito bancário convencional ou moeda física, além de poder ser utilizado para pagamentos do dia a dia.

Quais são os próximos passos para o desenvolvimento do real digital?
A fase piloto terá duração de 18 meses, com início previsto para o fim do primeiro semestre deste ano. A data deve ser anunciada em 25 de abril. A expectativa é ter os primeiros reais digitais emitidos ao término de 2024. O cronograma pode sofrer alterações.

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