Rial recebeu R$ 600 mil por consultoria à Americanas antes de assumir como presidente

Executivo demorou mais de quatro meses para tomar posse do cargo, para o qual foi anunciado em agosto

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São Paulo

Antes mesmo de assumir oficialmente a presidência da Americanas, em 1º de janeiro de 2023, o executivo Sergio Rial prestou serviços de "consultoria estratégica" à varejista, entre 1º de setembro e 31 de dezembro de 2022. Em todo o período, foi remunerado em R$ 600 mil.

As informações foram publicadas pelo colunista Lauro Jardim, de O Globo, e confirmadas pela Folha.

O contrato de prestação de serviços de consultoria estratégica foi fechado entre a Americanas S.A e a SXR Consulting (a empresa de Rial).

homem careca, branco, de óculos e terno
Sergio Rial, ex-presidente do conselho do Santander Brasil e ex-presidente da Americanas. - Eduardo Knapp/Folhapress

Por meio de nota, divulgada pela sua assessoria de imprensa, Rial afirma que "os processos de sucessão de CEOs, em geral, são remunerados pelas horas trabalhadas antes da posse oficial no cargo."

"Eu dediquei várias horas de trabalho para conhecer melhor a trajetória da empresa, visitar os centros logísticos e, principalmente, compreender o desafio de uma empresa que havia passado por uma fusão recente entre B2W e Lojas Americanas", afirmou (leia a nota na íntegra ao final do texto).

A Folha apurou com especialistas em gestão e carreiras, porém, que essa não é a prática comum do mercado, mesmo entre executivos de alto escalão.

O presidente de uma grande empresa ouvido pela reportagem em condição de anonimato –que já passou por diversos períodos de transição nos setores da indústria, serviços e financeiro– informou que, em geral, os executivos não recebem nada até assumirem: afinal, eles já serão presidentes e faz parte da "lição de casa" de cada um tomar pé das finanças e da estratégias da companhia que vão comandar.

Entre o anúncio de Rial como o próximo presidente da Americanas (em 19 de agosto do ano passado), até a sua posse, em 1º de janeiro de 2023, foram quatro meses e 12 dias. Trata-se de um período longo demais em processos de sucessão, disse este executivo, cujos intervalos de transição duraram, no máximo, um mês.

Karin Parodi, sócia da Career Center, consultoria em gestão de carreiras e desenvolvimento de lideranças, concorda. "Em geral, entre o anúncio e a posse, o executivo pede no máximo um ou dois meses, seja para tirar férias ou para preparar o seu sucessor na empresa que está deixando", afirma Karin.

Existem até casos em que a empresa paga "luvas ou bônus de entrada" para o executivo, que iria receber o valor na antiga contratante, como forma de atraí-lo para o novo cargo, diz Karin. Mas, neste exemplo, trata-se de um benefício oferecido no contrato de trabalho como presidente –o que já não faria sentido para Rial, que se desligou da presidência executiva do Santander Brasil em dezembro de 2021.

De acordo com a assessoria do executivo, ele fechou um contrato como consultor da Americanas, com vigência de quatro meses (setembro a dezembro de 2022), e outro como presidente da varejista, que passou a vigorar em 1º de janeiro deste ano.

"Casos de prestação de consultoria são bem menos comuns quando já foi feita a oferta para o executivo ocupar uma posição na empresa", diz Karin, que soma mais de 20 anos na área de gestão de carreiras. "Mas pode ser combinado entre as partes."

O fato aumenta as especulações sobre o quanto Sergio Rial sabia do escândalo contábil da Americanas antes de assumir o cargo. Ele sempre negou que soubesse de algo e afirma que os problemas no balanço foram descobertos em 11 dias de trabalho como CEO.

Em fato relevante publicado na noite do dia 11 de janeiro, ele renunciou ao cargo após encontrar "inconsistências contábeis" no valor de R$ 20 bilhões nas demonstrações financeiras da Americanas. O fato desencadeou uma das maiores crises corporativas da história do país, e levou a varejista a entrar em recuperação judicial apenas oito dias depois, em 19 de janeiro, com dívidas declaradas de R$ 43 bilhões.

Depois disso, Rial disse que seria assessor do trio dos principais acionistas da Americanas –os bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, fundadores do 3G Capital. Hoje, porém, ele diz que não está mais como assessor do trio, embora fontes do mercado financeiro digam à Folha que ele continua atuando no caso nos bastidores.

Rial presidiu o Santander Brasil até o final de 2021, e continuou como presidente do conselho do banco até o mês passado. O Santander é um dos maiores credores da Americanas, com R$ 3,6 bilhões a receber.

A Folha apurou com fontes próximas aos bancos credores que o comando do banco espanhol, em Madri, exigiu a renúncia de Rial quando soube que havia um conflito de interesses entre o seu então chairman no Brasil e uma empresa cliente.

Segue a íntegra da nota do executivo:

"Os processos de sucessão de CEOs, em geral, são feitos com períodos de transição (on boarding), remunerados pelas horas trabalhadas antes da posse oficial no cargo.

A Americanas anunciou a transição de CEOs em agosto de 2022, para dar total transparência ao processo, e durante os meses de setembro a dezembro, eu dediquei várias horas de trabalho para conhecer melhor a trajetória da empresa, visitar os centros logísticos e, principalmente, compreender o desafio de uma empresa que havia passado por uma fusão recente entre B2W e Lojas Americanas. Meu tempo, nesse período, foi destinado também para ter a dimensão do ataque cibernético que a empresa vivenciou, qual era a sua agenda de crescimento, e a forma como poderia focar melhor o posicionamento da AME Digital.

Assumi a empresa apenas em 2 de janeiro de 2023, a partir de um novo ano fiscal. O CEO anterior terminou sua gestão no dia 31/12/22, permanecendo como seu presidente e mandatário até aquela data."

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