Vereador do Sul que fez discurso contra baianos é expulso de partido

À Folha, Fantinel disse que "falou demais", foi mal interpretado e que pediria desculpas na tribuna

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Curitiba

O vereador Sandro Fantinel, que disse que empresas e produtores rurais deveriam 'contratar funcionários limpos' e não 'aquela gente lá de cima', foi expulso do Patriota, segundo informou o diretório nacional do partido nesta quarta-feira (1º).

Em nota, a sigla disse que o pronunciamento do parlamentar, em referência a trabalhadores da Bahia resgatados na quarta-feira (22) em situação análoga à escravidão, foi "desrespeitoso e inaceitável".

"O discurso está maculado por grave desrespeito a princípios e direitos constitucionalmente assegurados, à dignidade humana, à igualdade, ao decoro, à ordem, ao trabalho, já que se refere de forma vil a seres humanos tristemente encontrados em situação degradante", diz a nota.

Procurado nesta quarta-feira (1º) pela Folha, o vereador disse que considera injusta a decisão e que vai procurar outro partido.

Imagem de ginásio com pessoas deitadas em colchões no chão
Trabalhadores resgatados em situação análoga a escravidão ficaram abrigados em ginásio em Bento Gonçalves (RS) - Divulgação

"Me entristece muito, porque é um partido que eu ajudei a construir. Desde 2015 que eu mantenho o partido em Caxias, construindo ele. E agora, na hora que eu mais preciso do apoio do partido, eu recebo expulsão sumária. Eles podiam ter conversado comigo, me ajudado a fazer uma retratação bacana", disse ele à Folha.

"Eles fizeram isso para ter um pouco de ibope também. É um partido morto, porque não alcançou a cláusula de barreira. Queriam um momento de glória. Mas, tudo bem, estou tranquilo. Vou continuar lutando e aguardando os próximos capítulos desta história infeliz", afirmou ele.

As falas do vereador Sandro Fantinel foram repercutidas novamente na sessão plenária desta quarta-feira (1º) na Câmara de Caxias. Mas, o próprio vereador não foi à Casa. Ele disse à Folha que se ausentou por problemas de saúde.

Na terça-feira (28), o parlamentar havia dito à reportagem que pretendia usar a tribuna da Câmara novamente, para pedir desculpas aos baianos.

A Polícia Civil instaurou inquérito nesta quarta-feira (1º) para apurar eventual crime de racismo nas falas do vereador. O delegado Rafael Keller, da 1ª Delegacia de Caxias do Sul, disse que o prazo legal para realizar a investigação é de 30 dias. "Mas, a ideia é finalizar o quanto antes. Hoje já recebemos os vídeos da TV Câmara", afirmou o delegado.

O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul também informou que estuda possíveis desdobramentos nas esferas criminal e civil.

"Fizemos o encaminhamento à Promotoria de Justiça Criminal de Caxias do Sul, para avaliação sob a ótica do crime, e para a Promotoria de Justiça com atribuição em matéria de Direitos Humanos, a fim de que se instaure inquérito civil para avaliar a possibilidade de dano moral coletivo", disse o procurador-geral de Justiça, Marcelo Lemos Dornelles.

Sobre as investigações, o vereador não quis comentar.

Câmara de cidade gaúcha pede desculpa a baianos

A Câmara de Caxias do Sul (RS) pediu desculpa aos baianos nesta quarta-feira (1º) pelas falas do vereador e disse, em nota, que "não compactua com nenhuma manifestação de preconceito, discriminação, racismo ou xenofobia".

A manifestação é assinada por todos os vereadores da Casa –exceto Fantinel, que, em entrevista à Folha na noite de terça-feira (28), disse que foi mal interpretado, pedindo desculpas por trechos de sua fala.

Ao discursar na tribuna da Câmara sobre o caso dos funcionários resgatados em situação análoga à escravidão na serra gaúcha, Fantinel afirmou que empresas e produtores rurais deveriam contratar funcionários "limpos" para a colheita da uva, como os argentinos, e não deveriam buscar "aquela gente lá de cima". Ele se referia a trabalhadores da Bahia, estado de origem da maioria dos homens resgatados.

Na nota oficial da Câmara, que é presidida pelo vereador José Pascual Dambrós (PSB), os parlamentares também apontam que as falas de Fantinel são um "posicionamento individual", que "não traduz o pensamento e os valores da instituição e nem da totalidade dos vereadores".

"Também pedimos desculpas ao povo baiano e a todos os migrantes que se sentiram atacados, destacando que são todos muito bem-vindos em nossa Caxias do Sul", disse a Câmara.

Nas redes sociais, o governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), e o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo leite (PSDB), também se manifestaram sobre o episódio.

"Eu repudio veementemente a apologia à escravidão e não permitirei que tratem nenhum nordestino ou baiano com preconceito ou rancor", afirmou o petista.

Já Leite disse que se trata de um discurso "xenófobo e nojento", que "não representa o povo do Rio Grande do Sul".

"Não admitiremos esse ódio, intolerância e desrespeito na política e na sociedade. Os gaúchos estão de braços abertos para todos, sempre", disse o tucano.

O governador do RS também falou sobre a investigação das empresas e pessoas envolvidas no caso dos trabalhadores resgatados em situação análoga à escravidão.

"É inaceitável e criminoso. Daremos a nossa contribuição para que todos os envolvidos sejam responsabilizados, que o setor vitivinícola e a serra gaúcha não fiquem manchados pela conduta criminosa de poucos", afirmou Leite.

Segundo o Ministério Público do Trabalho, foram 192 homens resgatados com idades entre 18 e 57 anos. Eles trabalhavam para duas empresas que eram contratadas pelas vinícolas Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton. As três dizem que não tinham conhecimento da situação relatada pelos trabalhadores e que repudiam violações de direitos humanos.

Ao começar seu discurso na Câmara, na terça-feira (28), Fantinel disse que subia à tribuna para prestar solidariedade aos empresários e produtores rurais e que conhecia o problema da falta de mão de obra para o trabalho de campo.

"Essa pauta ganhou grande repercussão em função dos acontecimentos em Bento Gonçalves, que na minha visão são exagerados e midiáticos. Me deparei com uma avalanche de críticas e até ofensas a empresas e empresários do setor de vinícolas que são desmedidas e injustas. Empresas que são muito importantes para a nossa serra gaúcha e nosso país e estão sofrendo um verdadeiro linchamento virtual", disse ele.

Na sequência, ele afirma ter apenas um conselho aos empresários e produtores rurais: "Não contratem mais aquela gente lá de cima. Conversem comigo e vamos contratar os argentinos. São limpos, trabalhadores, corretos, cumprem o horário, mantêm a casa limpa e, no dia de ir embora, ainda agradecem ao patrão pelo dinheiro que receberam".

Com os baianos, seguiu o vereador, "a única cultura que eles têm é viver na praia, tocando tambor, era normal que fosse ter este tipo de problema". "Então, deixem de lado aquele povo, que é acostumado com Carnaval e festa, para vocês não se incomodarem novamente".

Após a repercussão do caso, Fantinel disse em entrevista à Folha que "falou demais", pediu desculpas, mas alegou ter sido mal interpretado: "Eu toquei no nome dos baianos porque o processo que está correndo em Bento Gonçalves foi com os baianos. Porque se tivesse sido com os mineiros, eu teria falado sobre mineiros. Se tivesse sido com os cariocas, eu teria falado dos cariocas. Não tenho nada contra os baianos, pelo contrário. Tive nas praias de lá, é maravilhoso".

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